A responsabilidade civil dos bancos e o Código de Defesa do Consumidor

24/08/2015 às 17:19

Resumo:


  • Os bancos são frequentemente réus em ações judiciais por falhas nos serviços prestados, estando sujeitos à responsabilidade civil e à aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que inclui atividades bancárias no conceito de serviço.

  • A jurisprudência, incluindo o STJ e o STF, consolidou a aplicabilidade do CDC aos contratos bancários, apesar da resistência inicial das instituições financeiras.

  • As instituições bancárias podem excluir a responsabilidade por danos se comprovarem que o serviço não apresentava defeitos ou que a culpa foi exclusiva do consumidor ou de terceiro, mas são responsáveis por danos causados por falhas de vigilância e fiscalização.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente trabalho trata da responsabilidade civil das instituições bancárias por danos causados ao consumidor.

1. Introdução


Os bancos possuem um relevante papel social. Muitas atividades econômicas essenciais no cotidiano das pessoas são exercidas ou mediadas por instituições bancárias. Porém, assim como entidades ou empresas de outros segmentos, os bancos também não estão imunes a erros e falhas na execução dos serviços que prestam o que pode acarretar prejuízos a correntistas e terceiros.
Existem inúmeras ações judiciais contra bancos por todo o país. Pode-se dizer que os bancos estão entre os recordistas entre os réus, e são muitas vezes, obrigados a indenizar em razão de falha no serviço, que causa a terceiros, insatisfação e prejuízo de ordem material, e muitas vezes moral.
Não resta dúvida de que os bancos têm responsabilidade civil quanto aos serviços que prestam. Muito se discutiu no passado a respeito dessa responsabilidade, havendo dúvida se era de natureza contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva, com culpa provada ou presumida. Este artigo busca elucidar a evolução da responsabilidade civil das instituições bancárias,mostrando a mudança de paradigma trazido pelo CDC, bem como a resistência à aplicação do diploma consumeirista às relações bancárias.

2. Aplicação do CDC aos contratos bancários

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3°, § 2°, dispõe: “ Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária.”


Tal dispositivo não deixa dúvidas quanto à aplicabilidade do CDC aos contratos bancários, pois é expressa a inclusão de serviço bancário na definição trazida pelo Código. Porém, não obstante tamanha clareza houve durante algum tempo, um impasse gerado pela resistência das instituições bancárias quanto à aplicação do CDC aos contratos nos quais elas são parte.


A responsabilidade civil dos bancos enquadra-se na responsabilidade pelo fato do serviço, baseada no art. 14 do CDC, que prevê: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Parte da doutrina sustentou que “o CDC era inaplicável à maior porção daatividade bancária – empréstimos, financiamentos, etc – porque o dinheiro e o crédito não são consumidos, não constituem produtos adquiridos ou usados pelo destinatário final, sendo ao contrário instrumentos ou meios de pagamento, que circulam na sociedade e em relação aos quais não há destinatário final – a não ser os colecionadores de moedas e o Banco Central quando retira a moeda de circulação”.


Todavia tal argumento mostrou-se bastante frágil e insuficiente para derrubar a definição legal de serviço e consumidor. Pois, para o CDC, consumidor não é quem consome, mas sim quem adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final. Segundo o iminente professor Cavalieri, “utilizar, por sua vez, não significa apenas gastar, extinguir, destruir, consumir, mas também usar, fruir, sem implicar em necessária destruição da própria substância do bem.”


Vários foram os argumentos doutrinários que derrubaram as bases sobre as quais as instituições financeiras almejavam sustentar a inaplicabilidade do CDC às suas relações. Só não haverá relação de consumo, caso o devedor tome dinheiro do banco para repassá-lo, pois aí não estará exercendo o papel de destinatário final.

3. Jurisprudência em relação ao tema

A Jurisprudência, assim como a doutrina, defende a aplicação do CDC aos contratos bancários. O STJ consolidou o tema com a Súmula n° 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

O Supremo Tribunal Federal também já se manifestou pela aplicabilidade do CDC às relações bancárias, sepultando definitivamente a controvérsia sobre o tema. Foi ajuizada ADIN pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF contra a inclusão de atividades bancárias no conceito de serviço do art. 3°, §2° do CDC. Pretendia-se que não fossem consideradas relações de consumo as cadernetas de poupança, os depósitos bancários, os contratos de mútuo, de abertura de crédito, dentre outros. O pedido foi julgado improcedente, tendo como resultado do julgamento, 10 votos a 1.

Diante disso, as instituições bancárias não tiveram mais a quem recorrer, e, desta forma, não houve alternativa, senão a submissão às regras do CDC.


4. Hipóteses de exclusão da responsabilidade do banco

O banco pode afastar o dever de indenizar caso prove que o prejuízo não decorreu de um defeito do serviço por ele prestado, com base no art. 14, §3°, I e II do CDC, que assim estabelecem: “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I- que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste.; II- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”
Cabe ao fornecedor provar que o serviço prestado não foi defeituoso, respeitando assim a aplicação do ônus da prova, aplicada às ações de consumo. Assim, enquanto o fornecedor não prova a inexistência de defeito, prevalece a presunção de que ele exista. Para a vítima é difícil, senão impossível produzir prova técnica ou científica do defeito, enquanto que para o fornecedor é perfeitamente possível, por ter prestado o serviço, e ter o domínio da máquina, conhecimento do serviço prestado, dentre outras condições que lhe favorecem a produção da prova.

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A segunda hipótese traduz-se na culpa exclusiva da vítima, na qual a própria pessoa causa o dano, sem intervenção de nada nem ninguém. A dificuldade está na demonstração de que o prejuízo se deu exclusivamente por conduta da própria vítima, pois se houver concorrência de causas, haverá mitigação da culpa, e não o total afastamento. Faz-se necessário cautela na apreciação da culpa exclusiva da vítima.
Ao fato de terceiro também deve haver cautela quanto à apreciação, devendo ser igualmente restritiva. Deve ser o terceiro, pessoa estranha ao fornecedor do serviço, não podendo ser considerado terceiro um funcionário do banco, ou contratado para a prestação de algum serviço terceirizado para o banco.


Ainda há hipóteses em que o banco tem sido responsabilizado, mesmo quando o prejuízo é causado por terceiro, quando, por exemplo há falsificação de documento, uso indevido de conta corrente; situações em que o banco deve exercer o dever de vigilância e fiscalização para assegurar a segurança dos correntistas.
Essa responsabilidade dos bancos tem sido aplicada com base no risco do empreendimento, reafirmado pelo STJ


5. Conclusão

Por todo o exposto, conclui-se que a atividade bancária assume os contornos de prestação de serviços e é inquestionável que deva estar submetida aos ditames do CDC, que fixará os requisitos para a existência de responsabilidade civil do fornecedor e que, ao mesmo tempo, definirá as excludentes dessa responsabilidade.
O alcance dessas excludentes, portanto, tem apresentado interpretação restritiva, porém as excludentes existem, e devem ser aplicadas quando necessário para que se evite injustiças.
Não paira qualquer dúvida quanto à aplicação do CDC aos contratos bancários, embora grande tenha sido o esforço dos bancos para estarem livres da aplicação do CDC às suas relações.


É sem dúvida, uma grande conquista do consumidor, ter a ingerência do código específico à proteção dos seus interesses, em contratos bancários, proporcionando assim maior equilíbrio a essa relação naturalmente desigual.
Bem caminharam os tribunais superiores ao sustentar a aplicabilidade do CDC aos contratos bancários. Não fosse assim, seria tarefa difícil, senão impossível, provar o prejuízo sofrido, pois a regra no direito é de que a prova cabe a quem alega. Como no direito do consumidor, há a prerrogativa da inversão do ônus da prova em favor do consumidor, parte hipossuficiente, fica mais fácil responsabilizar os bancos por irregularidades dos serviços prestados, tendo em vista que a estes se aplica o Código de Defesa do Consumidor.

Referências Bibliográficas
CALIXTO, Marcelo Junqueira. “Estruturação Normativa da Responsabilidade Civil dos Bancos.” Cap. 5
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª Ed. Ed.Atlas. São Paulo. 2012
NERY, Ana Rita de Figueiredo. Revisão Judicial dos Contratos Bancários e Responsabilidade Civil. Cap. 17
WALD, Arnold. “O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras.” RT 7/17 

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Sobre o autor
Natália Araujo Roque

Advogada especialista em Direito do consumidor, com pós graduação em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil pela UNESA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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