Investigação de infrações penais:poder de investigação do Ministério Público

25/08/2015 às 15:18
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A Constituição de 1988 não reservou ao Ministério Público o protagonismo da investigação criminal, não se verificando tal competência em norma constitucional expressa, a qual foi conferida às polícias judiciárias, em que pese a recente decisão STF.

     As discussões acerca da possibilidade de investigação criminal exercida diretamente por membros do Ministério Público, instituição à qual foi atribuída a promoção da ação penal pública de forma privativa, nos termos do artigo 129, inciso I, da Constituição Federal de 1988, longe de estarem pacificadas pela recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 593727 – Jairo de Souza Coelho x MPMG, que teria “reconhecido” a competência do Ministério Público para “promover investigações penais por conta própria, desde que respeitados os direitos garantidos pela Constituição, o devido processo legal e a razoável duração do processo”, merecem continuidade, com debates e análises técnico-jurídicas, sobretudo sob o prisma dos parâmetros de persecução penal pré-processual, estabelecidos pela Constituição Federal, em face do Sistema Acusatório de Processo Penal e da necessidade de uma investigação criminal imparcial, destinada não somente à formação da opinio delicti do órgão acusador, mas também a buscar os indícios e elementos de prova a serem utilizados pelas partes antagônicas do processo penal, auxiliando o magistrado na busca da verdade real.

As funções institucionais do Ministério Público são fixadas nos incisos do artigo 129, inserido no Título IV – Da organização dos Poderes, Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça, dentre as quais cumpre ressaltar, em matéria criminal: A promoção privativa da ação penal pública; O controle externo da atividade policial; e a requisição de diligências investigatórias e de instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos, além de outras funções não afetas a área criminal, mas que acabam por ser utilizadas como argumentos favoráveis à investigação direta pelo Parquet, tais como: “VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva”; e “IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade...”.

Em divisão temática diversa, a Constituição da República estabelece as atribuições de investigação criminal no Título V – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, Capítulo III – Da Segurança Pública, disciplinando, nos §§ 1° e 4°, do artigo 144, que a apuração das infrações penais e de sua autoria é atribuição das polícias judiciárias, a saber, Polícia Federal e Polícias Civis dos Estados e Distrito Federal.

A expressa distinção de atribuições do titular da acusação penal e das Polícias Judiciárias não foi estabelecida por acaso pelo constituinte originário, que estabeleceu a separação das funções de Investigação, Acusação, Defesa e Julgamento a distintas personagens que integram a persecução penal desde a fase preliminar.

INQUÉRITO POLICIAL

Considerando a investigação criminal como uma “sequência de ato preliminares direta ou indiretamente voltados à produção e à colheita de elementos de convicção e de outras informações relevantes acerca da materialidade e da autoria de um fato criminoso”[1], o Inquérito Policial é conceituado como “procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria”[2]. Aponta Guilherme de Souza Nucci o objetivo precípuo de formação de convicção do titular da acusação penal pública, mas também o de colheita de provas urgentes, além da composição das provas pré-constituídas que servem de base ao oferecimento da queixa-crime, nos casos de ação penal privada.

O inquérito Policial, com esta denominação e com suas características próprias, teve origem no direito pátrio “a partir do desdobramento e evolução do sumário de culpa elaborado pelos Juízes de Paz à época da promulgação do Decreto n° 4.824, de 22 de novembro de 1871, que regulamentou a Lei n° 2.033, de 20 de setembro do mesmo ano”, sendo há 144 anos o instrumento oficial de persecução penal preliminar ao processo judicial, “mantido como instrumento de garantia do cidadão contra a acusação apressada e, às vezes infundada “[3] no Código de Processo Penal de 1941, tendo seus princípios processuais regentes totalmente recepcionados pela Constituição Federal de 1988, se colocando no sistema jurídico vigente como instrumento de defesa contra a acusação desprovida de fundamentos fáticos e jurídicos suficientes no processo penal, bem como contra eventuais abusos decorrentes de juízos precipitados ou parciais.

Segundo Fernando Capez, além do conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de infrações penais e sua autoria, consoante disciplina o artigo 4°, do Código de Processo Penal, consiste o inquérito policial em procedimento persecutório de caráter administrativo, instaurado pela autoridade policial, tendo por destinatários imediatos o Ministério Público ou o ofendido, na ação penal privada, e como destinatário mediato o juiz, que utilizará os “elementos informativos” apurados no inquérito policial para o recebimento da denúncia ou queixa-crime, e para a formação de seu convencimento quanto à decretação das medidas cautelares[4].

Nesse contexto e com a visão de que o inquérito policial não deve ser diminuído à mera peça informativa de convicção de uma das partes que integrarão eventual relação processual, é imprescindível que a investigação criminal esteja a cargo de órgãos oficiais do Estado, imparciais e desvinculados do processo penal posterior, além de ser presidida por profissional com formação jurídica, que não faça parte da relação processual posterior, concursado, efetivo e com a devida capacitação técnico-jurídica, aliada à especialização relativa aos métodos e técnicas de investigação criminal, figura representada pelos delegados de polícia, no exercício da função de autoridades policiais, constitucionalmente estabelecidos como dirigentes das polícias judiciárias.

ARGUMENTOS PRÓS E CONTRAS – LINHAS GERAIS

A contraposição dos vários argumentos contrários e favoráveis à investigação realizada diretamente pelo Ministério Público pode ser exposta inicialmente e em linhas gerais da seguinte forma, nas correntes contra e a favor, respectivamente:

“1ª.  A investigação criminal foi reservada, pela Constituição Federal, à Polícia Judiciária (Polícia Civil estadual e Polícia Federal), sendo ilegítimo e inconstitucional o desempenho de tal atividade pelos membros do Ministério Público, que assim agindo estariam usurpando atribuição que não lhes foi deferida;

2ª.  Decorre, naturalmente, do papel institucional reservado ao Ministério Público pela Constituição Federal, a função de conduzir a investigação criminal quando entender necessário, mediante procedimento administrativo próprio, sem estar obrigado a requisitar à autoridade policial as diligências investigatórias ou a instauração de inquérito.”[5] (Grifo nosso)

                     

CONTRÁRIOS À INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Acrescentando a exposição sintética das linhas gerais das correntes antagônicas, segundo Barroso[6], os argumentos contrários à investigação pelo Ministério Público se dividem em três grupos: 1°- interpretação sistemática da Constituição Federal e das normas infraconstitucionais; 2°- elementos históricos de interpretação; e 3°- argumentos de natureza metajurídica, relativos a compreensão prática do problema. Se manifestaram a favor dessa posição alguns juristas, tais como José Afonso da Silva, Miguel Reale Júnior, Eduardo Reale  e José Carlos Fragoso.

Relativamente ao primeiro grupo, relacionado à interpretação sistemática da Constituição Federal e das normas infraconstitucionais, se impõe repisar as atribuições das polícias Federal e Civis, para a apuração das infrações penais, conforme previsto no artigo 144, § 1°, incisos I e IV, e § 4°, da Constituição da República, deixando claro ser as referidas polícias judiciárias a autoridade competente para a realização das investigações criminais, em respeito à garantia do Devido Processo Legal, previsto no artigo 5°, LIII, da Lei Maior.

Ainda em relação a esse primeiro grupo e em contrapartida ao supraexposto, conforme já mencionado, a Constituição atribuiu ao Ministério Público a função de exercer o controle externo da atividade policial e o poder de requisição de diligências investigatórias e de instauração de inquérito policial[7] e não de substituir a função da polícia judiciária, forçando concluir que a Constituição de 1988 não permite a figura do promotor-investigador. Na mesma esteira, o poder atribuído ao representante do Ministério Público de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando documentos para instruí-los[8], não se confunde com atos de investigação criminal, estando restritos aos inquéritos civis e procedimentos de natureza administrativa a seu cargo, cumprindo salientar que o inquérito policial é disciplinado em inciso diverso (VIII), que prevê a já mencionada atuação de requisição e não de realização direta da investigação.

No tocante a atribuição de promover com exclusividade a ação penal pública[9], tal atribuição nitidamente não inclui a investigação criminal, que consiste em atribuição diversa, expressamente atribuída pelo constituinte originário a outro órgão, o que afasta a aplicação da dita “teoria dos poderes implícitos”, utilizada como argumento justificador da investigação pela parte acusadora, bem como a relação de meio e fim e de “quem pode o mais pode o menos”, comumente utilizadas, uma vez que a investigação criminal não é um procedimento de menor importância ou apenas um meio para o oferecimento da denúncia e início da ação penal, tem princípios e objetivos próprios, destinados não somente ao convencimento do titular da acusação penal, mas ao juiz e à própria defesa, como já mencionado.

Em relação ao segundo grupo de argumentos, com ênfase nos elementos históricos, não sendo o foco do presente trabalho, cumpre consignar apenas o fato de que no Brasil a competência para a realização das investigações preliminares a ação penal sempre foi da polícia, havendo propostas de conferir tais atribuições ao Ministério Público ao longo dos tempos, desde a tentativa de instituição dos juizados de instrução em 1935, pelo então Ministro da Justiça Vicente Ráo, todas rejeitadas, inclusive na elaboração da Constituição de 1988 pelo constituinte originário e também nos debates relativos às propostas de emendas constitucionais discutidas em 1995 e 1999[10]. Especificamente em relação às discussões da Assembleia Constituinte, o texto aprovado, embora não tenha vedado expressamente a realização direta da investigação criminal pelo Parquet, silenciou de forma eloquente a esse respeito, pretendendo exatamente manter as investigações como atribuição exclusiva da polícia judiciária.

Além do quanto exposto, outros elementos impedem ou desfavorecem a investigação criminal pelo Ministério Público, deixando á reflexão o fato de que a concentração das atribuições de investigação de titularização da acusação penal, como parte no processo penal, prejudica o controle da atividade de investigação nestes termos, compromete a impessoalidade e distanciamento crítico necessário ao não comprometimento com o resultado dessa atividade de forma parcial, bem como sujeita o promotor-investigador a voluntarismos e caprichos pessoais, a que todos estão passíveis por condição humana, diante da ausência de controle.

Ademais, cabe ressaltar que o titular da acusação já possui instrumentos de controle da atividade policial e o poder de requisição, tanto relativa a instauração da investigação por meio do inquérito policial, quanto de diligências que entender necessárias, que torna desnecessária e desaconselhável sua realização direta da investigação criminal.

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FAVORÁVEIS À INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Em contraposto aos argumentos contrários, com base na interpretação sistemática da Constituição Federal e das normas infraconstitucionais, os favoráveis à investigação direta pelo parquet entendem que, na condição de titular da ação penal pública, prevista no artigo 129, I, da Constituição Federal, não é um mero espectador da investigação policial e poderia não apenas requisitar diligências como realizá-las diretamente, mesmo porque doutrina e jurisprudência entenderiam ser facultativo e dispensável o inquérito policial.

Sustentam o poder de investigação, com base na atribuição de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência e no controle externo da atividade policial, concluindo de maneira diversa do já exposto a esse respeito nos argumentos desfavoráveis.

O poder de investigação é fundamentado, ainda, em outras diversas atribuições ministeriais, como na “defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis”[11], no dever de zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos, promovendo as medidas necessárias a sua garantia[12], no inciso IX, que admite o exercício de outras funções compatíveis com sua finalidade e até mesmo na previsão do artigo 144, caput, que indica ser a segurança pública dever do Estado e direito e responsabilidade de todos.

Cumpre mencionar a “teoria dos poderes implícitos”, intimamente ligada à relação de meio e fim, entre investigação e denúncia, e  sustentada como argumento favorável, no sentido de que, sendo o destinatário da investigação criminal, poderia realizá-la diretamente, pois, segundo a mencionada teoria, ao conceder uma função a determinado órgão, a Constituição estaria conferindo, implicitamente, os meios necessários para a consecução desta atividade.

No grupo dos outros argumentos favoráveis, de caráter prático, se diz que a investigação pelo Ministério Público teria caráter subsidiário e seria empregada apenas quando necessário. Afirma-se que o modelo de exclusividade de investigação criminal pelas polícias é anacrônico e contraproducente, podendo a atuação direta do Ministério Público conferir maior celeridade à atividade investigatória, facilitando, inclusive, seu convencimento.

Finalizando os argumentos comuns a este grupo, se entende que diversas situações recomendam a intervenção do parquet na investigação em razão de sua independência em relação aos poderes estatais, bem como em face da possibilidade de envolvimento de policiais com a corrupção e até mesmo com o crime organizado.

ANÁLISE E CONCLUSÃO

Da análise e contraposição dos argumentos, nos parece claro que, sob o ponto de vista do texto constitucional, a atribuição de investigação criminal foi conferida às polícias judiciárias, compreendidas em Polícia Federal e Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal, e tão somente a estas.

A nosso ver, a dispensabilidade do Inquérito Policial e a possibilidade de utilização de provas pré-constituídas ou elementos decorrentes de outras apurações administrativas, ou até mesmo as Comissões Parlamentares de Inquérito, não consiste em argumento válido para a conclusão de que a atividade de investigação pode ser realizada por outros órgãos. De fato o órgão acusador pode utilizar outros elementos para o oferecimento da denúncia, sejam eles provas pré-constituídas ou elementos alcançados em procedimentos administrativos de apuração preliminar, em procedimentos de órgãos técnicos ou em CPIs, entretanto, tal possibilidade não leva à conclusão de que a atividade de investigação criminal pode ser exercida por outros órgãos, eis que tais procedimentos não têm como objetivo precípuo a apuração de infrações penais, muito embora as informações por eles alcançadas possam subsidiar uma acusação penal.

Mesmo as Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs, às quais a Constituição Federal conferiu poderes investigatórios similares ao da autoridade judicial não objetivam diretamente suas investigações na apuração de infrações penais, ou pelo menos não deveriam, mas sim uma eventual quebra de decoro ou a constatação de atos de improbidade administrativa, cumprindo observar que, ao constatar ocorrência de qualquer crime que mereçam outros procedimentos de investigação diversos das oitivas que são tomadas pelas CPIs, os relatórios devem ser enviados à polícia federal, para que se instaure o devido inquérito policial.

“Da mesma forma, o inquérito civil promovido pelo Ministério Público tem por objetivo a elaboração de termo de ajustamento de conduta, que possui nítida natureza civil e não criminal”[13], não permitindo a tomada de medidas de investigação criminal, como prisões cautelares.

Dentre as atribuições institucionais do Ministério Público, previstas no art. 129, da Constituição Federal, além da promoção privativa da ação penal pública, constam aquelas relacionadas com a investigação criminal: “VII – exercer o controle externo da atividade policial...” e “VIII – requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;”.

Como se verifica, a Constituição Federal de 1988 não prevê a possibilidade da realização direta de investigação criminal pelo Ministério Público, mas apenas sua participação por meio de fundamentadas requisições de diligências investigatórias, a serem realizadas pelas policiais judiciárias, bem como a requisição da própria instauração de inquérito policial, além do controle externo da atividade de polícia judiciária, quanto à legalidade e regularidade de seus atos.

Nesse aspecto, um argumento dos mais utilizados pelos defensores da investigação pelo parquet, relacionado à teoria dos poderes implícitos, merece reflexão.

A referida teoria tem sua origem na Suprema Corte dos EUA, em 1819, no precedente Mc CulloCh VS. Maryland”, não se aplicando ao sistema de persecução penal pátrio pelas seguintes razões:

  1. A teoria dos poderes implícitos não pode ser aplicada em matérias que poderes explícitos são atribuídos a outro órgão ou instituição, como é o caso da investigação criminal, atribuída às polícias judiciárias pelo art. 144, 1°, inciso IV, e § 4°, da CF, que reservou um campo de atividade exclusiva, que não pode ser violado por normas infraconstitucionais (como Resoluções, por exemplo);

  1. Embora a investigação criminal oriente o convencimento do titular da acusação criminal, seu objetivo é a de servir à própria justiça[14], tendo por finalidade a perfeita elucidação do crime e suas circunstâncias, concluindo pela necessidade ou não do processo criminal. Dessa forma, a investigação não deve estar vinculada à acusação ou à defesa, mas à justiça, buscando a elucidação isenta dos fatos, por órgão oficial e imparcial, servindo como garantia do investigado de que não será submetido ao constrangimento de um processo criminal desnecessariamente.

  1. A investigação é um procedimento inserido no sistema escalonado de formação da culpabilidade, não cabendo a expressão “quem pode o mais pode o menos”, pois não há distinção de mais e menos no campo da distribuição de competências constitucionais, que têm atribuições complementares, mas diversas, nenhum é mais ou menos. Entendendo de modo contrário, nas ações penais privadas teríamos que conceber a realização da investigação pelo próprio ofendido querelante, por meio de seu advogado ou defensoria pública, com notificações para oitivas de eventuais testemunhas em sua casa ou escritório, sob pena de desobediência e condução coercitiva. Outra contradição ocorreria em relação à lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, que consiste em forma compulsória de instauração do inquérito policial, que então deveria ser realizada também pelo promotor, ao arrepio da lei, que confere tal atribuição às Autoridades Policial e Judiciária.

O Ministério Público, como órgão de acusação e parte no processo criminal não pode ser visto como imparcial, uma vez que possui função de interesse no deslinde da ação, qual seja a condenação do réu, cumprindo ressaltar que nas vezes em que não pede a condenação deste, o faz não em razão da imparcialidade, mas por questões de legalidade.

Entretanto, embora parte, deve ser imposta a imparcialidade ao órgão de acusação, no modelo democrático de processo penal, no que pertine à análise isenta do sujeito da investigação, posteriormente réu, quando da verificação e análise dos elementos alcançados pela investigação, sem vínculo anterior que influencie na necessária isonomia de tratamento dos réus por razões alheias aos elementos e circunstâncias do crime, preliminarmente levantadas por órgão oficial destinado à investigação.

Nesse contexto, podemos verificar que os impedimentos do magistrado, previstos no art. 252, do CPP, que são estendidos ao membro do MP, nos termos do art. 258, do mesmo diploma, valendo consignar que, dentre os impedimentos previstos está o de atuar no processo em que funcionou como Autoridade Policial, forçando concluir que se uma pessoa atuou como Delegado de Polícia em determinado caso, não pode ser o Promotor no mesmo caso. Tal conclusão se relaciona ao Princípio da Imparcialidade e ao Princípio Acusatório Pleno, não admitindo, por óbvio, que um promotor possa investigar e acusar ao mesmo tempo.   

Qualquer pessoa de bem busca o efetivo combate à criminalidade e à corrupção. Indubitavelmente a Constituição Federal confere a independência e as garantias ao Ministério Público que infelizmente não se verificam nas polícias judiciárias, sujeitando seus membros a eventuais pressões e influências, quando do enfrentamento da criminalidade entranhada no poder público e dos crimes de corrupção, que não sofreriam se tivessem as devidas garantias.

Nesse aspecto, é inconcebível em um Estado Democrático de Direito que o órgão incumbido da investigação criminal não tenha as garantias necessárias para tanto, ainda mais inconcebível é, por esse motivo, violar a Constituição Federal, permitindo que outra instituição com maiores garantias usurpe as funções conferidas às polícias judiciárias, ao invés de conferir às mesmas estrutura e garantias mínimas à realização de suas atribuições.

Vale lembrar o recente momento de manifestações populares ocorridos contemporaneamente às discussões do Projeto de Emenda Constitucional n° 37, que expressava a impossibilidade de investigação direta pelo Ministério Público, que a denominou de “PEC da Impunidade”, com o questionamento: “A quem interessa calar o MP?”, colocando a questão como a guerra entre a corrupção e a impunidade. Naquele momento não houve discussão acerca da “paridade de armas” no processo penal, tampouco sobre o devido processo legal e o respeito à Constituição Federal.

Com a rejeição da referida proposta, prosseguiram as reflexões jurídicas no sentido de que, para a constitucionalidade das investigações ministeriais, seria necessária uma proposta de emenda que previsse tal atribuição, da mesma forma que seria imprescindível uma legislação que regulamentasse essa função, estabelecendo alguma forma de controle e até mesmo os casos específicos e excepcionais desta atuação.

  Surpreendendo até os mais calorosos defensores da investigação ministerial, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 593727 – Jairo de Souza Coelho x MPMG, encerrou um capítulo importante dessa história, reconhecendo a competência do Ministério Público para “promover investigações penais por conta própria, desde que respeitados os direitos garantidos pela Constituição, o devido processo legal e a razoável duração do processo”, sem estabelecer casos específicos e procedimentos, por 7 votos a 4, inovando o texto constitucional mediante escassa fundamentação.

Por mais que doravante o Ministério Público efetive sua investigação de forma análoga ao inquérito policial, as atuações não podem se equivaler, inclusive pela forma de controle da atividade, que nos parece aguardar regulamentação.

Por fim, após exposição e reflexão que nos levou a conclusão de que a Constituição de 1988 não reservou ao Ministério Público o protagonismo da investigação criminal, não se verificando tal competência em norma constitucional expressa, a qual foi conferida às polícias judiciárias, em face da recente decisão Supremo Tribunal Federal, nos resta torcer e atuar para que o Ministério Público não passe a desempenhar, de maneira ampla e difusa o papel da polícia e para que a concentração de poder não comprometa a imparcialidade mínima necessária às atividades desempenhadas.

                                                             BIBLIOGRAFIA                                                             

CALABRICH, Bruno. Investigação Criminal pelo Ministério Público, Ed. RT, 2007

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 11 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014

Manual de Polícia Judiciária – Polícia Civil do Estado de São Paulo, 6ª Ed., 2012, p. 47.

CAPEZ, Fernando e CONALGO, Rodrigo Henrique. Código de Processo Penal Comentado, São Paulo : Saraiva, 2015

BARROSO, Luis Roberto. Investigação pelo Ministério Público. Argumentos contrários e a favor. A síntese possível e necessária. Parecer de 22 de janeiro de 2004

SANNINI NETO, Francisco. Inquérito policial e prisões provisórias. 1ª Ed. – São Paulo: Ideias & Letras, 2014


[1] CALABRICH, Bruno. Investigação Criminal pelo Ministério Público, Ed. RT, 2007, p.54.

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 11 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 96.

[3] Manual de Polícia Judiciária – Polícia Civil do Estado de São Paulo, 6ª Ed., 2012, p. 47.

[4] CAPEZ, Fernando e CONALGO, Rodrigo Henrique. Código de Processo Penal Comentado, São Paulo : Saraiva, 2015, p. 19.

[5] BARROSO, Luis Roberto. Investigação pelo Ministério Público. Argumentos contrários e a favor. A síntese possível e necessária. Parecer de 22 de janeiro de 2004.

[6] ibidem

[7] Artigo 129, incisos VII e VIII, da Constituição Federal.

[8] Artigo 129, VI, da Constituição Federal.

[9]  Artigo 129, I, da Constituição Federal.

[10] BARROSO, idem.

[11] Artigo 127, caput, da Cosntituição Federal.

[12] Artigo 129, II, da Constituição Federal.

[13]  SANNINI NETO, Francisco. Inquérito policial e prisões provisórias. 1ª Ed. – São Paulo: Ideias & Letras, 2014, p. 61.

[14] Ibidem, p.64.

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Sobre o autor
Kauê Granatta

Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo, Bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu, com Pós-graduação de Especialização em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e Especialização em Direito Processual Penal, pela Escola Paulista da Magistratura. Atuou como advogado nas áreas Cível, Criminal, Tributária, Direito do Consumidor e Administrativo, entre 2008 e 2011, exercendo o cargo de assessor jurídico da Secretaria de Coordenação das Subprefeituras - Prefeitura do Município de São Paulo de 07/2009 a 04/2012, após o que exerceu o cargo de Delegado de Polícia no Estado do Espírito Santo, até ser nomeado ao cargo de Delegado de Polícia do Estado de São Paulo em 08/08/2012, estando em pleno exercício desde então no Departamento de Polícia da Capital.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Texto elaborado como trabalho de conclusão de módulo no 7° Curso de Especialização "Lato Sensu" em Direito Processual Penal, da Escola Paulista de Magistratura - EPM.

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