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Guarda compartilhada: Lei 13.058/14

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Guarda Compartilhada e Guarda Alternada

Conforme dito anteriormente, ao modificar a redação do § 2º do art. 1.583, determinando que os genitores tenham uma divisão equilibrada de tempo de convívio com os filhos, o legislador deu margem a interpretações conflituosas e a possíveis confusões entre os institutos da guarda compartilhada e da guarda alternada (não albergada pelo ordenamento jurídico pátrio). Esta última, refere-se à modalidade de guarda na qual o filho permanece em quantidade igual de tempo com o pai e com a mãe, preconizando-se uma custódia física dividida.

Ademais, com o devido respeito ao pensamento contrário, a este colunista a novel legislação traz outros sérios problemas. O principal deles é a menção a uma custódia física dividida, o que parece tratar de guarda alternada e não de guarda compartilhada. Continuamos a seguir a ideia de que a guarda alternada é aquela em que o filho permanece um tempo com o pai e um tempo com a mãe, pernoitando certos dias da semana com o pai e outros com a mãe. A título de exemplo, o filho fica sob a custódia do pai de segunda a quarta-feira; e da mãe de quinta-feira a domingo. Essa forma de guarda não é recomendável, eis que pode trazer confusões psicológicas à criança(...).[21]

O argumento que poderia sanar parcialmente esta questão seria o de que esta nova lei não faz referência expressa à alternância de residências, muito embora as decisões sejam tomadas conjuntamente e os filhos estejam sob a responsabilidade simultânea e isonômica de ambos os pais.

Tal instituto possui similaridades com o modelo americano da shared custody[22], o qual prevê uma igual divisão de tempo de convívio dos genitores com os filhos, ressaltando ser esta a modalidade ideal para ser adotada nos casos em que os pais morem próximos e sejam capazes de cooperar e acordar sem conflitos.


Interesse dos Filhos Menores e a Guarda Compartilhada

A Constituição Federal de 1988 preocupou-se em consolidar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, uma vez que valorizou ainda mais o instituto da família, conforme se observa no caput do seu art. 226, o qual define família como sendo a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado, assegurando assim os direitos e garantias especiais destes indivíduos em fase de desenvolvimento.

Juntamente com outros diplomas legais, o Estatuto da Criança e do Adolescente também prevê a proteção do menor, a fim de que este possa se desenvolver física, mental, moral, espiritual e socialmente, gozando de prerrogativas como a liberdade e a dignidade[23].

Como ocorre com os demais princípios, dado o seu caráter subjetivo, o legislador, ao decidir a respeito da guarda, deverá observar as peculiaridades inerentes a cada caso concreto, visando garantir uma aplicação justa e condizente do instituto de acordo com o melhor interesse da criança. Critério este, que deverá ser utilizado como fundamento norteador pelo(s) detentor(es) da guarda, responsáveis pela educação deste menor.

Por isso, a imposição da guarda compartilhada como regra há que ser analisada com cuidado, tendo em vista o aspecto do bem-estar do filho, pois este estará inserido num contexto familiar no qual o poder decisório acerca dos mais diversos aspectos de sua vida estará dividido entre dois pais que, em muitos casos, não são capazes de conviver de maneira harmônica.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. AÇÃO DE DECLARAÇÃO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. GUARDA COMPARTILHADA. Em se tratando de discussão sobre guarda de criança, é necessária a ampla produção de provas, de forma a permitir uma solução segura acerca do melhor interesse da infante. Mostra-se correta a decisão que indeferiu o pedido de guarda compartilhada, diante da tenra idade da criança. Para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para a filha, é imprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem conflitos, mas, no caso, diante da situação de conflito e, especialmente pela idade da filha, a guarda compartilhada é totalmente descabida. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. (Agravo de Instrumento Nº 70064853344, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 19/05/2015).[24]

Compreende-se, todavia, que a convivência familiar é também preceito constitucional, consta do Estatuto da Criança e do Adolescente e a sua supressão pode acarretar danos no desenvolvimento do menor. Contudo, a própria doutrina ressalva “(...) o direito de a criança conhecer e conviver com seus pais, a não ser quando incompatível com seu melhor interesse;”[25].

Neste diapasão, faz-se necessário salientar que também é possível que nesta modalidade de guarda os filhos percam o referencial de lar, de rotina, de autoridade, vindo a desenvolver problemas de ordem psicológica, bem como presenciar ainda mais conflitos entre os pais, afinal, na maioria dos casos de indivíduos divorciados, o diálogo e o comum acordo é ainda mais difícil do que quando casados.

Nada obstante, o instituto não apresenta apenas desvantagens. Nos casos das famílias que são capazes conviver pacificamente, estudos mostram que os reflexos sociais e psicológicos na vida dos filhos são bastante positivos, pois estes pais são capazes de abstrair da educação dos filhos os seus eventuais problemas de relacionamento que levaram ao fim do relacionamento conjugal.

A convivência com ambos os pais é fundamental para a construção da identidade social e subjetiva da criança. A diferença das funções de pai e mãe é importante para a formação dos filhos, pois essas funções são complementares e não implicam hegemonia de um sobre o outro.[26]

Considerando a realidade apontada acima, a guarda compartilhada aparece como sendo um modelo no qual se observa uma boa convivência entre os pais refletindo na criança e no adolescente.

Seria necessário, portanto, que fosse avaliada a hipótese de aplicação da guarda compartilhada apenas quando houvesse uma mediação harmônica evidenciada em Juízo. Alguns doutrinadores ressaltam que, na impossibilidade da adoção desta modalidade de guarda, seria mais seguro e mais proveitoso optar-se pela guarda unilateral, sem prejuízo para o genitor não guardião.


Considerações Finais

Inicialmente, entendeu-se que a modalidade de guarda a ser determinada como regra deveria ser a guarda unilateral, de modo que a adoção da guarda compartilhada se desse apenas nos casos nos quais restasse comprovada a possibilidade de convivência harmônica e pacífica entre os ex-cônjuges, para que não houvesse conflitos acerca da educação dos filhos ou reflexos negativos na sua criação e desenvolvimento.

Contudo, estabelecendo-se critérios de aplicabilidade bem definidos, a guarda compartilhada poderia trazer mais benefícios do que prejuízos, desde que fossem observados, em primeiro plano, os interesses dos filhos menores em cada caso concreto.

Deste modo, o presente estudo constatou algumas possíveis soluções que resguardariam o melhor interesse dos filhos, sem afetar o exercício do poder familiar por ambos os genitores, garantindo, também, maior segurança jurídica na tomada de decisões acerca dos regimes de guarda pelo magistrado.

A primeira delas seria a revogação do § 2º do art. 1.583, que fora inserido pela Lei 13.058/14, para que não houvesse qualquer possibilidade de se depreender desse texto a hipótese de exercício de uma custódia física dividida em conflito com o real significado de guarda compartilhada.

Outra proposta seria modificar o texto do § 2º do art. 1.584, para que fosse aplicada a modalidade de guarda mais benéfica ao interesse dos filhos, quando da ausência de acordo entre os genitores aptos ao exercício do poder familiar no tocante à modalidade de guarda a ser adotada.

Conclui-se, portanto, que o legislador não deveria preconizar uma modalidade de guarda específica como regra, pois, conforme apresentado no presente trabalho, cada caso concreto demanda uma solução mais efetiva à atenção do melhor interesse do menor, considerando suas necessidades, seu contexto social, familiar e cultural.


Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Vade Mecum Saraiva, 12ª ed. atualizada e ampliada. Saraiva, 2011;

BRASIL. Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Vade Mecum Saraiva, 12ª ed. atualizada e ampliada. Saraiva, 2011;

BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Vade Mecum Saraiva, 12ª ed. atualizada e ampliada. Saraiva, 2011;

BRASIL. Lei nº. 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera os art. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm. Acesso em: 17 mar.2015;

DELFINO, Morgana. O Princípio do Melhor Interesse da Criança e o Direito à Convivência Familiar: Os Efeitos Negativos da Ruptura dos Vínculos Conjugais. 2009. Disponível em: http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2009_1/morgana_delfino.pdf. Acesso em: 10 jun. 2015;

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

DIAS, Maria Berenice. Guarda compartilhada, uma novidade bem-vinda! Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/1_-_guarda_compartilhada%2C_uma_novidade_bem-vinda.pdf. Acesso em: 10 jun. 2015;

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – 5. Direito de Família. 24ª ed. Reformulada. Saraiva, 2009;

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 11ª ed. Saraiva, 2014. V. 6;

MADALENO, Rolf. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais; WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf (Coord). Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2004.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. V. 5;

PEREIRA, Clóvis Brasil. A Guarda Compartilhada, entre o desejável e o possível. Revista Prolegis, 17 fev. 2015. Disponível em: http://www.prolegis.com.br/a-guarda-compartilhada-entre-o-desejavel-e-o-possivel/. Acesso em: 20 mar. 2015.


Notas

Guarda Compartilhada: Lei 13.058/14.

Mariana Patrocínio Ramos de Almeida[1]

Aleksandro de Mesquita Brasileiro[2]

[1] Graduanda em Direito pela Universidade Católica do Salvador.

[2] Professor Orientador Mestre em Direito.

[3] Joint Custody vs. Shared Custody. Disponível em: http://divorce.lovetoknow.com/joint-custody-vs-shared-custody. Acesso em: 08 jun. 2015.

[4] Art. 1.584, § 2º, CC/02: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada...”.

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[5] Pesquisa IBGE. Disponível em: http://brasileiros.com.br/2012/12/ibge-brasil-registra-taxa-de-divorcios-recorde/. Acesso em: 25 mai. 2015.

[6] Cunha Gonçalves, Direitos de Família e Direitos das Sucessões, p. 307.

[7] Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro – 5. Direito de família, p. 553.

[8] Art. 226, § 5º, CF/88: “ Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

[9] MADALENO, Rolf. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In: WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf (Coord). Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2004, p. 347.

[10] Art. 226, § 6º, CF/88: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher” e primeira parte do art. 229, CF/88: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores...”.

[11] Shared Custody vs Joint Custody: “Joint custody focuses more on the tasks and responsibilities of each parent (…) is a more general term that refers to a basic division of child-rearing tasks between the parents.” Disponível em: http://www.legalmatch.com/law-library/article/shared-custody-vs-joint-custody.html. Acesso em: 09 jun. 2015.

[12] AMARAL, Jorge Augusto Pais de. Do Casamento ao Divórcio. 1997, p. 169.

[13] Art. 1.703, CC/02: “Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos.”

[14] TJ-RS - AC: 70058323130 RS , Relator: Alzir Felippe Schmitz, Data de Julgamento: 16/10/2014, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 20/10/2014.

[15] IBDFAM. Entrevista: guarda compartilhada e obrigação alimentar. 2013. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/noticias/5103/Entrevista%3A+guarda+compartilhada+e+obriga%C3%A7%C3%A3o+alimentar. Acesso em: 17 mar. 2015.

[16] TJ-RS - AI: 70058925074 RS , Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Data de Julgamento: 28/05/2014, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/06/2014.

[17] TJ-SC – AC: 20130294119 SC 2013.029411-9 (Acórdão), Relator: Eládio Torret Rocha, Data de Julgamento: 19/06/2013, Quarta Câmara de Direito Civil Julgado, Data de Publicação: 01/07/2013 às 08:14. Publicado Edital de Assinatura de Acórdãos Inteiro teor   Nº Edital: 6205/13 Nº DJe: Disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico Edição n. 1661 - www.tjsc.jus.br. Acesso em: 17 mar. 2015.

[18] Art. 1.584, § 2º, Lei 11.698/08: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai

[19] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. V. 5. p. 292.

[20] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 8ª ed. Saraiva, 2011. V. 6. P. 295.

[21] TARTUCE, Flávio. A Lei da Guarda Compartilhada (ou Alternada) obrigatória – Análise crítica da lei 13.508/2014 – Parte I. Publicado em 25 de fevereiro de 2015. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI215990,51045-A+Lei+da+Guarda+Compartilhada+ou+alternada+obrigatoria+Analise. Acesso em: 17 mar. 2015.

[22] Shared Custody vs Joint Custody: “Shared custody means each parent receives roughly equal amounts of time spent with the child (…) each of the parents should live in near one another (…) is ideal when the parents are able to cooperate and agree on basic decisions without confrontations.” Disponível em: http://www.legalmatch.com/law-library/article/shared-custody-vs-joint-custody.html. Acesso em: 09 jun. 2015.

[23] Art. 3º, Lei 8.069/90: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”

[24] TJ-RS - AI: 70064853344 RS , Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 19/05/2015, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/05/2015.

[25] AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. A criança no novo direito de família; In: WELTER, Belmiro Pedro (coord.). Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegres: Livraria do advogado Editora, 2004, p. 283.

[26] FURQUIM, Luis Otávio Sigaud. Os filhos e o divórcio. In: Revista IOB Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 9, n. 47, abr-mai, 2008, p.80.

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Sobre o autor
Mariana Patrocínio Ramos de Almeida

Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PATROCÍNIO, Mariana Ramos Almeida. Guarda compartilhada: Lei 13.058/14. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4450, 7 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42203. Acesso em: 19 nov. 2024.

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Trata-se de artigo confeccionado a título de trabalho de conclusão de curso de graduação em Direito, ao qual foi atribuída a nota máxima.

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