O Estado, em seu sentido lato, compreendendo as quatro esferas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), para encher seus cofres, não pode abusar do poder de tributar, que é limitado pela ordem constitucional, sob pena de se tornar usurpador da propriedade do contribuinte, sujeito passivo que, na relação tributária, é o maior responsável pela manutenção Estatal.
Preceitua a Constituição Federal (CF), em seu o art. 150, que “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] IV - utilizar tributo com efeito de confisco;”.
O confisco que se combate é aquele decorrente da carga tributária imposta ao contribuinte, inviabilizando sua atividade e consumindo parte considerável de seu patrimônio, isso porque a Constituição Federal prevê a possibilidade de confisco em outras hipóteses, como a de terras utilizadas para o plantio de substâncias psicotrópicas. Nesse caso não se fala em tributo confiscatório, mas em imposição de sanção por ilícito penal (CF, art. 243).
Como o tributo não é sanção de ato ilícito, conforme definição do Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 3º, fica a vedação de utilizá-lo como meio confiscatório.
Ainda não chegamos a pacificar qual o limite da carga tributária caracterizaria confisco. Doutrinadores e julgadores se debruçam sobre esse tema tão subjetivo. Certo é que, para o Estado, o tributo nunca é confiscatório.
Quando se fala em IPTU, por exemplo, a Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), em seu art. 7º, § 1º, estabeleceu que, no caso do IPTU progressivo no tempo, as alíquotas podem chegar ao dobro do valor do ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento. A justificativa do Estado para essa elevação de alíquota é de que, se a medida mais gravosa imposta pelo inciso III do § 4º do artigo 182 da CF é a desapropriação com indenização justa em títulos da dívida pública, com prazo de resgate em até dez anos, assegurados o valor real da indenização e os juros legais, a medida menos gravosa, que é a elevação da alíquota, não pode ter natureza confiscatória.
O raciocínio é equivocado, pois não é o fato mais ou menos gravoso que baliza o fundamento da natureza confiscatória do tributo, mas a parcela do patrimônio do contribuinte que está sendo absorvida pelo Estado e, ainda, sua capacidade de suportar essa carga. O Estado não pode ser sócio do contribuinte em seu patrimônio.
Parte da doutrina, à qual nos filiamos, entende que a alíquota em patamar de quinze por cento nesse caso já teria natureza confiscatória.
É inquestionável que o IPTU progressivo no tempo previsto no art. 7º do Estatuto da Cidade tem natureza extrafiscal, ou seja, visa intervir em situações sociais e econômicas, e não apenas arrecadar recursos ao Estado. Ocorre que, mesmo os tributos de natureza extrafiscal não podem ter caráter de confisco, já que, segundo Aliomar Baleeiro, os tributos confiscatórios absorvem todo o valor da propriedade, aniquilam a empresa ou impedem o exercício de atividade lícita e moral.
Como tributo é gênero, abarcando os impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e demais contribuições especiais, cada uma das suas espécies deve ser analisada de forma diferente para se verificar a ocorrência ou não de efeito confiscatório.
O imposto de grandes fortunas, por exemplo, se vier a ser exigido, não pode absorver parcela considerável da fortuna do contribuinte de modo que o Estado abocanhe fatia maior que a do contribuinte. A contribuição de melhoria não pode ter o valor total da obra rateado entre os beneficiários, mas apenas parcela dela. O empréstimo compulsório não pode deixar de ser restituído nem privar o contribuinte de seu patrimônio, como vimos acontecer no Governo Collor. As contribuições especiais não podem inviabilizar o exercício das profissões, o caráter contributivo e o exercício da atividade econômica, mas somente limitar e regular essas atividades.
Por fim, as taxas que por sua natureza têm caráter prestacional, ou seja, visam remunerar uma atividade específica do Estado prestada ao contribuinte ou colocada à sua disposição, não pode ter o seu valor superior ao custo dessa atividade Estatal e, ainda, têm de obedecer ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade para não inviabilizar a prestação ao contribuinte.
Quanto às multas moratórias, que são espécies de sanção por atraso de pagamento ou de obrigação acessória, o princípio do não confisco também é aplicável a elas, analisado sob o aspecto da razoabilidade e proporcionalidade. Neste sentido se manifestou o Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. MULTA MORATÓRIA DE 30%. CARÁTER CONFISCATÓRIO RECONHECIDO. INTERPRETAÇÃO DO PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO À LUZ DA ESPÉCIE DE MULTA. REDUÇÃO PARA 20% NOS TERMOS DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. 1. É possível realizar uma dosimetria do conteúdo da vedação ao confisco à luz da espécie de multa aplicada no caso concreto. 2. Considerando que as multas moratórias constituem um mero desestímulo ao adimplemento tardio da obrigação tributária, nos termos da jurisprudência da Corte, é razoável a fixação do patamar de 20% do valor da obrigação principal. 3. Agravo regimental parcialmente provido para reduzir a multa ao patamar de 20%. (AI 727872 AgR, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 15-05-2015 PUBLIC 18-05-2015)
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ISSQN. INCIDÊNCIA. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. SUBITEM 14.5 DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR Nº 116/2003. MULTA FISCAL MORATÓRIA. LIMITES. VEDAÇÃO AO EFEITO CONFISCATÓRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. QUESTÕES RELEVANTES DOS PONTOS DE VISTA ECONÔMICO E JURÍDICO. TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. (RE 882461 RG, Relator: Min. LUIZ FUX, julgado em 21/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 11-06-2015 PUBLIC 12-06-2015 )
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PUNIÇÃO APLICADA PELO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DEVER INSTRUMENTAL RELACIONADO À OPERAÇÃO INDIFERENTE AO VALOR DE DÍVIDA TRIBUTÁRIA (PUNIÇÃO INDEPENDENTE DE TRIBUTO DEVIDO). “MULTA ISOLADA”. CARÁTER CONFISCATÓRIO. PROPORCIONALIDADE. RAZOABILIDADE. QUADRO FÁTICO-JURÍDICO ESPECÍFICO. PROPOSTA PELA EXISTÊNCIA DA REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL DEBATIDA. Proposta pelo reconhecimento da repercussão geral da discussão sobre o caráter confiscatório, desproporcional e irracional de multa em valor variável entre 40% e 05%, aplicada à operação que não gerou débito tributário. (RE 640452 RG, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 06/10/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 06-12-2011 PUBLIC 07-12-2011 RT v. 101, n. 917, 2012, p. 643-651)
Assim, tanto os tributos, seja qual for sua espécie, quanto as multas, não podem ter caráter confiscatório.
O confisco, porém, somente é permitido nos casos especificados na Constituição e na Lei, decorrente de ilícitos penais, como plantio de plantas psicotrópicas, mercadorias contrabandeadas, objeto ou produto do crime — ressalvando o direito de terceiros, o que é bem distante de tributo.
Diante disso, fica a indagação: e na oneração da folha de salários recentemente aprovada no Congresso Nacional, elevando em mais de 100% algumas alíquotas para determinados setores, foram obedecidos os princípios do não confisco, da razoabilidade e da proporcionalidade?
E o que falar da tentativa de elevação da alíquota máxima do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações de 8% para 20%, ou seja, uma majoração de 150%. E a elevação da COFINS? E a possibilidade aventada pelo Governo Federal de se retomar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF e partilhá-la entre estados e municípios?
E a elevação da alíquota do ICMS em alguns Estados para 29%, como em Goiás, sobre energia elétrica e telefonia, superior a outros produtos supérfluos, quando os de necessidades básicas ficam em média na casa dos 17%?! Energia e telefonia no mundo de hoje seriam supérfluos?
Quanto ao ICMS, o STF já se posicionou nos seguintes termos:
REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 714.139 SANTA CATARINA RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO.
EMENTA: IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ENERGIA ELÉTRICA – SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO – SELETIVIDADE – ALÍQUOTA VARIÁVEL – ARTIGOS 150, INCISO II, E 155, § 2º, INCISO III, DA CARTA FEDERAL – ALCANCE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia relativa à constitucionalidade de norma estadual mediante a qual foi prevista a alíquota de 25% alusiva ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços incidente no fornecimento de energia elétrica e nos serviços de telecomunicação, em patamar superior ao estabelecido para as operações em geral – 17%.
É certo que o Estado, em tempos de crise, sempre busca aumentar sua arrecadação de tributos, desconsiderando que isso impacta de forma direta e imediata na economia, já que a crise não atinge só o Estado, mas todos os contribuintes e, com isso, inviabiliza a atividade do empreendedor, que passa a demitir para reduzir custos, eleva os preços, torna-se inadimplente por falta de capacidade de honrar os pagamentos, sem falar na situação calamitosa em que vive o contribuinte consumidor final que carrega no lombo todo o repasse dessa carga tributária que consome parcela considerável de seu patrimônio, quando ainda tem algum.
Já passou a hora de se colocar um basta nessa voracidade tributária.