O delito de formação de quadrilha praticado pelos sócios na violação da ordem tributária

31/08/2015 às 15:42
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O presente trabalho objetiva analisar a impossibilidade de imputação objetiva do crime de quadrilha em face dos sócios que regularmente constituem uma sociedade empresária ante a ausência de estabilidade para práticas ilícitas

O presente artigo tem por finalidade a análise da imputação do delito de formação de quadrilha ou bando, tipo delineado no art. 288 do Código Penal Brasileiro – e, substitutivamente, o crime de organização criminosa definido hodiernamente pela Lei nº 12850/2013-, especialmente se os agentes regularmente reunidos em sociedade empresária, vale dizer, previamente constituída, podem figurar no polo passivo da referida imputação criminal e ainda, acaso seja o tributo objeto de adimplemento antes do recebimento do libelo acusatório, subsiste a referida espécie autônoma apta a amparar a ação penal em desfavor dos sócios.

I. INTRODUÇÃO

O Sistema Tributário Nacional previsto na Carta Política de 1988, a partir do art. 145, encontra-se concertado na seguinte tríade: competência para instituir tributo, imunidades tributárias e repartição de receitas. Por se tratar de atividade exclusivamente estatal que se imbrica com a própria existência do Estado e com o provimento dos recursos necessários ao seu funcionamento, o legislador ordinário estabeleceu uma série de normas de caráter repressivo com objetivo de proteger este imprescindível mister, criando mecanismos aptos a coibirem a sonegação em suas diversas formas, o que atualmente, em sede de responsabilidade criminal, encontra-se aduzido na Lei nº 8137/90, diploma que trata dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.

Na indigitada Lei, há a previsão das materialidades a ensejarem a aplicação da sanção estatal, pautando-se nos verbos suprimir ou reduzir tributos. Somente a título de registro, impende registrar a atecnia do art. 1º da norma, que estabelece a supressão ou redução de tributos ou contribuição social, pois esta é espécie daquele gênero, consoante a consagrada teoria pentapartite, defendida por HUGO DE BRITO MACHADO1 e pela doutrina majoritária. No STF, esta teoria tem balizado a jurisprudência daquele Sodalício2, que entende serem as contribuições espécies tributárias autônomas, ostentando natureza jurídica própria que as distingue dos impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Vale ressaltar, não se busca nestas linhas um exame aprofundado sobre as elementares do tipo de sonegação fiscal e seus liames com o Estado Intervencionista, seu avanço sobre as liberdades individuais, a tentativa de definição exata do que é o patrimônio público tutelado e seus limites, ou mesmo aclarar a subsistência da característica patrimonial do Estado brasileiro ante as garantias fundamentais. O que se pretende, por outro turno, é averiguar a subsunção do crime de quadrilha ou bando ante a existência do crime contra a ordem tributária – ou até, mediante pagamento integral do crédito tributário, incidir a extinção da punibilidade-, notadamente se a antecedente e regular reunião de sócios pode implicar na aplicação das elementares daquele tipo.

A Exposição de Motivos nº 88, de 28/03/1990, que acompanhou o projeto de lei que culminou com o diploma repressivo, pretendeu implementar estratégias mais severas de reforço à arrecadação tributária, coibindo com maior efetividade a sonegação e a evasão, sem, contudo, trazer uma proteção mais abstrata do Erário, tendo em vista a previsão da extinção da punibilidade no caso do recolhimento do tributo antes do oferecimento da denúncia pelo Parquet. Com efeito, preocupou-se o legislador em fomentar o ingresso de recursos nos cofres públicos, intenção que expõe a função utilitarista da norma em contraposição do desvalor da conduta e ao próprio bem jurídico protegido.

Há que se ressaltar, no entanto, a distinção entre o delito contra a ordem tributária tipificado no art. 1º do diploma penal, que são crimes materiais ou de resultado, sendo o elemento essencial a obrigação tributária definitivamente constituída na esfera administrativa; e o crime de formação de quadrilha ou bando – ou de organização criminosa -, entidade delituosa formal e autônoma, que na doutrina de CEZAR ROBERTO BITTENCOURT, define-se nos seguintes termos:

Com efeito, o crime de bando ou quadrilha, com sua natureza de infração autônoma, configura-se quando os componentes do grupo formam uma associação organizada, estável e permanente, com programas previamente preparados para a prática de crimes, reiteradamente, com a adesão de todos. 3

A elucidativa definição evoluiu após o julgamento da famosa Ação Penal 470, que em sede de apreciação dos Embargos Infringentes, expressamente consignou que, além da reunião de mais de três agentes, deve subsistir uma condição específica, um plus, para a caracterização do injusto, conforme salientou em seu voto a Ministra Rosa Weber:

O ponto central da minha divergência é conceitual. Não basta que mais de três pessoas pratiquem delitos. É necessário mais. É necessária que se faça para a específica prática de crimes. A lei exige que a fé societatis seja afetada pela intenção específica de cometer crimes.4 grifo do original

Em outras palavras, resta necessário que a reunião permanente de mais de três pessoas tenha como objetivo, ab initio, a prática livre e deliberada de delitos, sem que seja necessário o cometimento de qualquer outro crime, o que difere, como será abordado adiante, de uma reunião para fins negociais legais, como, v.g., aduzido na assunção conjunta de sócios para uma empreitada empresarial, no bojo de um regular ato constitutivo registrado na Junta Comercial, conforme estabelece o art. 997 do CCB, ou o art. 94 da Lei nº 6404/76.

Há que se ressaltar a instituição do tipo de organização criminosa, não obstante ser ainda incipiente- mas que, especialmente nos crimes de natureza econômica, tem substituído aquela imputação-, a precisa lição de LUIZ REGIS PRADO acerca deste instituto:

As organizações ou associações criminosas, como já se afirmou, não apresentam uma definição ou conceituação pacífica, tampouco de fácil apreensão. Em linhas gerais, costuma-se conceituá-las a partir dos elementos que a caracterizam. Assim, são apontadas como principais características da criminalidade organizada: a) acumulação de poder econômico; b) alto poder de corrupção; c)alto poder de intimidação; d) estrutura piramidal. 5

II. A FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL E A REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS DEFINIDA NA LEI Nº 9430/96

Como se sabe, a complexa teia de normas tributárias materiais prevê uma miríade de infrações administrativas, quer sejam de natureza principal – o não recolhimento do tributo-, quer sejam acessórias – o não cumprimento de obrigações que recaem nas obrigações de fazer e que não guardam conexão direta com o pagamento do tributo-, o que exige da fiscalização o exame de livros e documentos comerciais e fiscais, com vistas a aferição das condutas engendradas pelo contribuinte.

Neste passo, a legislação tributária – aqui vale o exato conceito encartado no art. 96 do CTN, isto é, as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes – aduz um rol taxativo de infrações tributárias, as quais podem dar azo ao tipo penal previsto na Lei nº 8137/90, a depender do enquadramento da conduta ao tipo e a caracterização da materialidade e autoria.

Ocorre que o legislador pátrio elegeu uma série de infrações por presunção legal, pois a incidência de fatos análogos, a partir de uma amostragem, implicaram no reconhecimento da materialidade de infrações à ordem tributária. Neste contexto, tem-se, no que pertine à apuração do imposto de renda e seus reflexos, os depósitos bancários de origem não comprovada, as compras não contabilizadas, o saldo credor de caixa e o passivo fictício, instituídos pela Lei nº 9430/96 e regulamentados no Decreto nº 3000/99(Regulamento do Imposto de Renda).

A presunção juris tantum inverte o ônus da prova, cabendo ao acusador somente a verificação da existência do pressuposto a ensejar a aplicação da norma que, por probabilidade, indica a incidência da infração, o que, por consectário, diante da ausência de prova em contrário, a ser produzida pelo contribuinte, produz a sanção patrimonial.

Diante da constatação de uma infração, a atividade de polícia administrativa na qual se baliza a fiscalização tributária, com o advento do art. 83 da Lei nº 9430/96, inovou a atuação da autoridade fiscal, pois obrigou tout court a comunicação ao Ministério Público, titular da ação penal, mediante instrumento denominado representação fiscal para fins penais, a existência de fatos que, em tese, possam caracterizar crime contra a ordem tributária definidos na Lei nº 8137/90.

Vale dizer, a obrigatoriedade de indigitada comunicação não exige que o agente fiscal produza quaisquer elementos que tenham o condão de aquilatar, ainda que em juízo de delibação, a materialidade e a autoria do crime, bastando somente que haja, em tese, indícios que apontem para a prática do delito. Dito de outro modo, parece que o legislador determinou a adoção de um ato administrativo objetivo para a comunicação do delito, o que colide frontalmente com a garantia constitucional do in dubio pro reo, que no dizer do mestre italiano LUIGI FERRAJOLI, pode ser explicitada como presunção de inocência jungida a um princípio fundamental de civilidade, fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, mesmo que isto acarrete na impunidade de algum culpado, pois, ao corpo social, basta que os culpados sejam geralmente punidos, sob o prisma de que todos os inocentes, sem exceção, estejam a salvo de uma condenação equivocada6. Ou seja, a garantia fundamental contraposta a qualquer tentativa de imputação objetiva na seara do Direito Penal.

Se não bastasse a desnecessidade de acervo probatório apto a configurar o delito – e muitas vezes a configuração da infração com espeque na presunção legal-, não se consegue encartar uma leitura teleológica do dispositivo em comento, pois a complexidade de práticas desta natureza, a despeito da titularidade do Parquet na ação penal, exigem(ou deveriam exigir) uma verdadeira investigação a ser concertada pela autoridade administrativa, que tem a sua disposição uma base de dados acurada sobre praticamente todas as operações financeiras e econômicas dos contribuintes, com vistas a individualizar no iter crimins a participação de cada agente na suposta atividade criminosa. Somente à título de ilustração, nos Estados Unidos as investigações são conduzidas no âmbito da Internal Revenue Service -IRS), órgão administrativo que detém a competência inquisitiva inclusive com poderes típicos de polícia judiciária.7

III. A FORMAÇÃO DE QUADRILHA E A NECESSIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO SUBJETIVA DOS SÓCIOS

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Conforme dito acima, a despeito da comunicação dos órgãos fiscais, inexiste qualquer obrigação acerca da constatação de um eventual crime de quadrilha ou bando, de onde se depreende que a denúncia abarcando este injusto se dá pela via do órgão de acusação, na maioria das vezes, desprovida de elementos fáticos a suportarem o libelo, mas tão somente com base na reunião dos investigados formalmente em contrato social ou outro meio de constituição societária, procedimento que, embora tenha o caráter de estabilidade, tem como pressuposto a realização de fins lícitos.

Registre-se que esta reunião se diferencia, v.g., da constituição de uma empresa que materialmente não tem como escopo qualquer objeto social, mas se presta somente para fins de ilicitude, como a lavagem de dinheiro oriundo de tráfico de drogas ou de crime contra a Administração Pública, conduta que merece toda a reprimenda do Estado, desde que, por óbvio, respeitando-se as garantias fundamentais, demonstre-se a culpabilidade dos envolvidos.

No campo da teoria do crime pacificamente adotada no ordenamento jurídico pátrio, a culpabilidade é composta de três requisitos, quais sejam: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade conduta diversa. No que tange à consciência da ilicitude, necessário que o agente tenha racionalmente a convicção de que sua conduta pessoal pode vir a ter o condão de produzir um resultado gravoso a um bem jurídico tutelado pela norma, o que afasta de plano a objetividade de um eventual dano praticado, que pode ser caracterizado como infração administrativa, mas que não se cinge ao elemento do tipo penal.

Explica-se. É sabido que no Direito Tributário elegeu-se, regra geral, a responsabilidade objetiva por infrações, consentâneo art. 136 do CTN, como maneira de proporcionar maior efetividade à proteção ao Erário. Tal previsão não se coaduna com a responsabilidade pessoal que baliza o Direito Penal. Neste sentido, ensina LUIZ FLÁVIO GOMES:

No âmbito do Direito Penal, a responsabilidade é pessoal, impedindo que alguém seja responsabilizado por uma conduta de outrem, O só fato de ostentar a condição de sócio, por exemplo, de uma empresa, não significa que sempre haverá responsabilidade penal. O Direito Penal é direito de fato concreto. Cada um deve ser responsabilizado pelo que faz e na medida de sua culpabilidade. Se um determinado sócio não pratica atos de gerenciamento ou de administração da empresa, não há dúvida que ele deve ser afastado da responsabilidade penal.8

Se, v.g., no curso de um procedimento de fiscalização, a autoridade administrativa constata, após a devida intimação, que o contribuinte não realizou a correta conciliação entre suas contas bancárias, enseja tal lapso o lançamento de ofício por presunção, da infração capitulada como depósitos bancários de origem não comprovada. Ou ainda, esquecendo-se de baixar obrigações do seu passivo já pagas, configura-se a existência de um passivo fictício. Ambas, portanto, omissão de receitas com reflexo na apuração do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

Após a constituição definitiva do crédito tributário administrativamente, avia-se a respectiva representação fiscal para fins penais e, posteriormente, a denúncia genérica narrando os crimes contra a ordem tributária e a formação de quadrilha de todos os sócios da empresa, administradores e quotistas.

Em primeiro lugar, há que se fazer um exame se houve, em algum momento do procedimento, a verificação da existência de dolo por parte especialmente do sócio-administrador, responsável pela administração ou gerenciamento das operações da sociedade, pois, se assim houve, deveria haver a lavratura do competente termo de sujeição pessoal do sócio, com base em provas colhidas no curso do devido processo administrativo, em cumprimento ao art. 135 da Legislação Complementar tributária. Neste sentido, em sede de responsabilidade pessoal dos sócios, destaca-se a lição da pena de REGINA HELENA COSTA:

(…) tem-se responsabilidade pessoal desses terceiros. Em verdade, o art. 135 do CTN, contempla normas de exceção, pois a regra é a responsabilidade da pessoa jurídica, e não das pessoas físicas dela gestoras. Trata-se de responsabilidade exclusiva de terceiros que agem dolosamente, e que, por isso, substituem o contribuinte na obrigação, nos casos em que tiverem praticado atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.9

Em outro giro, sendo negativa a assertiva indigitada, não há falar em responsabilidade pessoal e, com efeito, na posterior imputação do crime contra a ordem tributária e no crime de quadrilha ou bando aos sócios, pois sequer se cogitou no devido processo administrativo a existência de responsabilidade pessoal a redirecionar a cobrança do crédito tributário.

Secundariamente, se, por erro ou mesmo, somente por argumentação, dolo do responsável pela contabilidade da empresa, a omissão de receitas em tela foi levada a efeito, nada sabendo os sócios sobre tal ato infracional, como responsabilizá-los acerca desta conduta, se não há qualquer liame que os inclua no suposto iter criminis? Não há espaço para que se fundamentar a exordial acusatória, mormente uma constatação de coparticipação delitiva, pois a atividade empresária se desenvolveu de modo sublime, sem abuso de poder ou fraude, tendo a permanência dos sócios somente com um único objetivo, qual seja, a prática de operações com vistas a auferir lucro.

A aceitação da responsabilidade dos sócios em casos desta natureza só seria possível se restasse consolidada na doutrina e na jurisprudência a teoria do domínio do fato, cunhada pelo jurista alemão CLAUS ROXIN, um dos ícones do Direito Penal moderno, que, em recente passagem por território nacional para receber o título de Doctor Scientiae et Honoris Causa da Universidade Mackenzie, em São Paulo, rechaçou a aplicação de sua doutrina em crimes empresariais, e, à guisa de exemplo, declarou ser impossível a tentativa de punir um presidente de empresa pelo crime cometido por um funcionário, sob o argumento de que o presidente é responsável por dar o comando. Afirmou que o presidente da companhia não está em uma situação de ilicitude. Quando ele passa uma tarefa, não pode ser responsabilizado pela atuação do funcionário, a não ser que ele tenha conhecimento que a ordem será cumprida de forma ilícita, isto é, o domínio da vontade a ligá-lo à autoria mediata do evento delituoso.

Em verdade, com o fito de analisar a imputação da responsabilidade objetiva do crime de quadrilha ou bando aos sócios de uma sociedade empresária previamente constituída para fins lícitos, há que se sopesar, ainda que haja a interdependência entre as esferas administrativa e penal, a validade da denúncia genérica em detrimento do exposto no art. 41 do CPP.

O Superior Tribunal de Justiça, acertadamente, tem razoavelmente se posicionado acerca da impossibilidade de se acolher denúncia genérica em situações análogas, conforme se observa o aresto abaixo transcrito:

PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. EXTINÇÃO DA AÇÃO PENAL. CRIME-MEIO PARA O DESCAMINHO. AÇÃO PENAL EXTINTA QUANTO A ESTE DELITO POR AUSÊNCIA DE PRÉVIA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. ABSORÇÃO DO FALSUM PELO CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA QUE NARRA A FALSIDADE COMO INSTRUMENTO PARA A SUPRESSÃO DE TRIBUTOS. ABSORÇÃO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE SEUS ELEMENTOS. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. O princípio da consunção resolve o conflito aparente de normas penais quando um crime menos grave é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro mais nocivo. Em casos que tais, o agente só será responsabilizado pelo último. Para tanto, é imprescindível a constatação de nexo de dependência das condutas a fim de que ocorra a absorção daquela menos grave pela mais danosa. 2. Narra a denúncia que a falsidade teria sido praticada mediante desígnios autônomos, não podendo, por conseguinte, ser considerada crime meio para o descaminho. Todavia, a mesma denúncia também consignou que o falsum - ocultação do nome da empresa AGIS EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS DE INFORMÁTICA LTDA - fora praticado com o fito de resguardar a empresa da atuação da Receita Federal, tendo em vista que as operações de importação tidas como fraudulentas seriam feitas por meio de pessoa jurídica interposta. 3. No caso, a acusação relativa ao crime de falsidade ideológica está indissociavelmente ligada a descrição do crime contra a ordem tributária, cuja apuração se apresentou carente de justa causa dada a ausência de constituição definitiva do crédito tributário na esfera administrativa. A conduta descrita no art. 299 do Código Penal, se realmente foi praticada, o foi com o propósito deliberado de iludir o Fisco, não podendo, na espécie, ser tratado como delito autônomo. As Declarações de Importação tidas como ideologicamente falsas somente poderiam ser utilizadas para iludir o pagamento dos tributos, ou seja, a potencialidade lesiva de tais documentos, por assim dizer, se esgotaria em tal conduta. 4. Relativamente ao crime do art. 288 do Código Penal, a denúncia não expõe, quanto aos recorrentes, a finalidade específica da associação. A inicial apenas indicou que os acusados "todos previamente acordados e conscientes da ilicitude de suas condutas, associaram-se para o cometimento de crimes". Não há, na formação de sociedade empresária, ao menos em princípio, o desígnio de cometer crimes. 5. Recurso provido a fim de extinguir a Ação Penal Nº 2007.70.00.016026-7 - Terceira Vara Federal Criminal de Curitiba.10 Grifo não consta no original Não obstante a existência de vozes dissonantes, principalmente em alguns julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, urge a necessidade de que sejam apontados indícios e provas, a serem colhidos no curso da auditoria fiscal pela autoridade administrativa, que o agente tenha praticado uma conduta delitiva, pois ele não pode ser punido pelo que é(sócio ou administrador), mas sim pelo que faz(participação livre e deliberada na actio). Dito de outro modo, deve haver estrita subsunção dos fatos individualmente, de molde a acoimar a responsabilização subjetiva dos sócios pela ocorrência do crime de quadrilha ou de organização criminosa, na medida do desvalor da efetiva conduta contrária ao Estatuto repressor de regência, pois, embora seja uma das funções do Direito Penal no Estado Democrático de Direito o combate aos ilícitos contra a ordem tributária, o que dentro de uma visão mais ampla, garante a própria existência do financiamento do Estado e suas instituições, não há minimamente espaço para que seja encetada a responsabilidade objetiva aos participantes de uma atividade empresária regularmente constituída para fins lícitos, somente pelo fato de se encontrarem aquelas pessoas reunidas para o exercício da livre iniciativa. E mais, não se pode surpreender os sócios ou gestores desta sociedade sobre a referida imputação mesmo após extinta a punibilidade pelo adimplemento do crédito tributário.

IV. CONCLUSÃO Pelo acima exposto, possível compendiar que o crime de formação de quadrilha ou bando previsto no art. 288 do CP, bem como o hodierno tipo de organização criminosa introduzido pela Lei nº 12850/2013 são categoricamente espécies autônomas, a ensejarem a imputação criminal quando presentes os pressupostos de estabilidade e o dolo de violar a paz pública, configurados dentro do contexto da responsabilização subjetiva, princípio caro no Direito Penal brasileiro., inexistindo qualquer chance de haver uma imputação criminal em razão da simples presença do agente do quadro societário de uma regular e antecedente sociedade empresária, criada para intentar atividades legais adstritas ao princípio constitucional da livre iniciativa. Bibliografia consultada:

1 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

2 Recurso Extraordinário nº 111.954/PR, DJU 24/06/1988, e as contribuições especiais (AI-AgR 658576/RS, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgamento em 27/11/2007; AI-AgR 679355/RS, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgamento em 27/11/2007)

3 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, parte especial, vol. 4, Ed. Saraiva, 2010, pg. 384.

4 Embargos Infringentes na Ação Penal 470, Pleno, Rel. Min Luís Roberto Barroso. DJe de 23/09/2013.

5 PRADO, Luiz Regis, Direito Penal Econômico: ordem econômica, relações de consumo , sistema financeiro, ordem tributária, sistema previdenciário , lavagem de capitais e crime organizado. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. Pag. 381

6 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 441.

7 Atividades desempenhadas pelos Agentes de Investigação Criminal e Cumprimento da Lei, componentes da Divisão de Investigação Criminal(CI) da Iternal Revenue Service(IRS)

8 GOMES, Luiz Flávio. Coordenador: MACHADO, Hugo de Brito. Sanções Penais Tributárias. São Paulo: Dialética, 2005, p. 513.

9 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p.205.

10 Recurso em Habeas Corpus Nº 29.028/ Pr, 6ª Turma, Rel. Min. Celso Limongi(Desembargador convocado do TJ/SO), julgamento de 02/08/2011.

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Sobre o autor
Glauco Octaviano Guerra

Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ), aprovado no exame da OAB, especialista em Direito Público e Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes(UCAM/RJ), especialista em Direito Administrativo pelo Centro de Estudos Jurídicos 11 de agosto (CEJ), mestrando em Direito Tributário - FGV/SP, auditor fiscal da Receita Federal do Brasil.

Informações sobre o texto

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