A chamada Reforma do Código de Processo Civil teve início com a Lei 8.455, de 24.08.92 e, um pouco mais adiante, com as Leis 8.637, de 31.03.93; 8.710, de 24.09.93; 8.178, de 14.10.93; 8.898, de 29.06.94.
No final do ano de 1994, um conjunto de novas leis (8.950, 8.951 e 8.952, todas de 13.12.94) deu prosseguimento ao mencionado projeto de reforma, com introdução de várias inovações de enorme relevância prática.
Dentre elas, inquestionavelmente, as mais importantes foram as alterações dos artigos 273 e 461, § 3º, por meio da Lei n. 8.952, de 14.12.94, que generalizou a possibilidade de concessão de tutela antecipada. O artigo 273 disciplinou a antecipação de tutela inominada e geral, enquanto o artigo 461, § 3º, a antecipação de tutela específica de obrigações de fazer ou não fazer:
"Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:"
"Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(...)
§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada."
As novidades vieram em boa hora, como forma de contribuir para a efetividade da atuação jurisdicional e na tentativa de evitar os males que o tempo poderia acarretar em determinadas situações específicas.
Com a tutela antecipatória, o que se pretende é o próprio direito, sem haver preocupação com sua conservação, daí ser satisfativa, buscando proteger o aparente titular do direito disputado.
Por isso é que esse novo instituto mereceu aplausos de toda a doutrina. O Professor CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO melhor esclarece:
"A técnica engendrada pelo novo art. 273 consiste em oferecer rapidamente a quem veio ao processo pedir determinada solução para a situação que descreve, precisamente aquela solução para situação que descreve, precisamente aquela solução que ele veio ao processo pedir. Não se trata de obter medida que impeça o perecimento do direito, ou que assegure ao titular a possibilidade de exercê-lo no futuro. A medida antecipatória conceder-lhe-á o exercício do próprio direito afirmado pelo autor. Na prática, a decisão com que o juiz concede a tutela terá, no máximo, o mesmo conteúdo do dispositivo da sentença que concede a definitiva e a sua concessão equivale, mutatis mutandis, à procedência da demanda inicial – com a diferença fundamental representada pela provisoriedade." [1]
Pela lição de Dinamarco já se evidencia que a tutela antecipada é completamente distinta do procedimento cautelar, uma vez que este, ao contrário daquela, visa à conservação do direito, isto é, à garantia de seu exercício futuro, sendo meramente preparatório de uma ação futura e, por isso, inadmissível conter caráter satisfativo, mas exclusivamente instrumental.
Com o pedido de antecipação de tutela, busca-se o próprio direito material perseguido; o direito é entregue sem preocupação direta em sua conservação. A tutela cautelar, ao contrário, deve estar adstrita a viabilidade da realização do direito afirmado, ao passo que a tutela sumária satisfativa não restringe a tanto, visando ao exercício do próprio direito.
Já convictos dos benefícios oferecidos pelo instituto da antecipação provisória da prestação jurisdicional e cientes dos pontos que o distinguem do procedimento cautelar, resta-nos averiguar acerca do seu cabimento no processo do trabalho.
O tema deve ser pesquisado à luz do artigo 769 da CLT que dispõe que o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho nos casos em que a CLT for omissa, mas desde que seja compatível com os princípios do processo do trabalho. A aplicação subsidiária do CPC, portanto, está vinculada à harmonia com a sistemática adotada pela legislação consolidada.
"Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título."
Nesse conseguinte, a indagação que deve surgir é se a CLT possui norma sobre a matéria a que se pretende buscar do processo civil e, constatando-se eventual omissão, se ela é compatível com os princípios informadores do processo laboral.
CAMPOS BATALHA faz ressalva importante:
"Cumpre, entretanto, salientar – e a advertência é de Jaeger – que o recurso às normas do direito processual civil não têm cabimento quando a um instituto, regulado pelo direito processual do trabalho, pareçam faltar determinadas normas, porque, nesse caso, a lacuna deve ser preenchida através do mecanismo autônomo do sistema." [2]
Com efeito, é de se reconhecer o avanço rumo à autonomia técnica do processo do trabalho, considerando, inclusive, que este, há muito, conta com regra própria sobre antecipação de tutela jurisdicional, afastando, com isso, a atuação supletiva, e muitas vezes incômoda, das normas do processo civil.
Registre-se que, atento às necessidades práticas do processo do trabalho, o legislador, pela Lei 6.203/75, já havia criado uma hipótese de antecipação de tutela ao introduzir inciso IX no artigo 659 da CLT, admitindo a concessão de liminar para suspensão de transferência de localidade unilateral de empregado:
"Art. 659. Competem privativamente aos juízes do trabalho, além das que lhes forem conferidas neste Título e das decorrentes de seu cargo, as seguintes atribuições:
(...)
IX – conceder medida liminar, até decisão final do processo, em reclamações trabalhistas que visem a tornar sem efeito transferência disciplinada pelos parágrafos do art. 469 desta Consolidação;"
Não resta dúvidas que o inciso IX do artigo 659 da CLT contempla hipótese de liminar satisfativa e, como salienta JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO, "...sempre que o juiz conceder uma cautela jurissatisfativa do direito, estará, em verdade, concedendo uma antecipação da tutela." [3].
Mais adiante prossegue o jurista baiano: "Assim afirmamos porque o inciso IX do art. 659 da CLT foi, pela primeira vez entre nós, normatizada uma situação de antecipação de tutela, que passou despercebida da consciência do legislador e da análise dos juristas." [4].
Ademais, como se não bastasse, por meio da Lei n. 9.270, de 17.04.96, foi criada mais uma hipótese de admissibilidade de antecipação de tutela no processo do trabalho, introduzindo-se o inciso X no rol do artigo 659 da CLT, prevendo a possibilidade de concessão de liminar satisfativa para reintegrar no emprego dirigente sindical afastado, suspenso ou dispensado pelo empregador:
"X – conceder medida liminar, até decisão final do processo, em reclamações trabalhistas que visem reintegrar no emprego dirigente sindical afastado, suspenso ou dispensado pelo empregador."
Observe-se, como fato de extrema importância, que quando foi editada a Lei n. 9.270, há muito já estava em vigor a Lei n. 8.952/94 que alterou a redação dos artigos 273 e 461, § 3º, do CPC para admitir a antecipação da tutela, como se o legislador trabalhista quisesse inviabilizar, de uma vez por todas, a aplicação das regras do processo comum.
Parece claro que o inciso X do artigo 659 da CLT afastou por completo, se é que já não estava afastada com o inciso IX, a aplicação subsidiária dos artigos 273 e 461, § 3º, do CPC. Se naquele momento em que foi criada mais uma hipótese de admissibilidade de antecipação de tutela no processo do trabalho fosse possível a aplicação daqueles dispositivos legais do CPC, não haveria mais necessidade do advento do inciso X do artigo 659 da CLT.
Em síntese, pretende-se concluir que se o legislador, já conhecendo as hipóteses de cabimento de tutela antecipada no processo civil, pelas quais seriam hipoteticamente viáveis as concessões de liminar, e, ainda assim, quis criar mais uma específica para o processo do trabalho, extinguiu qualquer intenção de aplicação, no particular, do direito processual civil.
A CLT, portanto, não é omissa, apenas é restrita quanto às hipóteses de cabimento da antecipação de tutela. E se não é omissa, inviável aplicar aquelas respectivas regras do CPC, a teor do artigo 769 da CLT.
Convém reconhecer que a doutrina pátria, unanimemente, contempla a aplicação subsidiária dos artigos 273 e 461 do CPC ao direito processual do trabalho, o que, todavia, não nos impede de poder discordar, principalmente porque, sobre o assunto, o Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, já suscitou dúvida, conforme seguinte passagem transcrita de Acórdão da sua lavra:
"..., que a Consolidação da Lei do Trabalho não é omissa sobre a possibilidade de chegar-se a antecipação provisória da prestação jurisdicional. O fato atrai, inclusive, fundadas dúvidas quanto à aplicabilidade do disposto no artigo 273 do Código de Processo Civil ao processo trabalhista. O preceito o inciso IX do artigo 659 da Consolidação apenas prevê a possibilidade de o juiz conceder medida liminar, a viger até decisão final do processo, em reclamação trabalhista..." [5]
Tampouco seria razoável argumentar que as hipóteses da CLT teriam correlação apenas com o artigo 461, § 3º, do CPC, porquanto ambas comportam hipóteses de ações condenatórias de obrigação de fazer ou de não fazer, e, com isso, querer afastar apenas a aplicação subsidiária desta regra, mantendo a do artigo 273 que, diversamente, se refere às ações condenatórias em obrigação de dar.
O que se deve ter em mira é que o estatuto consolidado contém normas expressas sobre antecipação dos efeitos de tutela pretendida. Seja obrigação de dar, de fazer ou de não fazer, a natureza do instituto é uma só, antecipação provisória da prestação jurisdicional. O fato de o CPC tratar do instituto em artigos separados, não importa em distinguir a natureza jurídica de ambas, que é única.
Não pretendemos, de forma alguma, negar a contribuição que as referidas normas do processo civil poderiam trazer para o processo trabalhista. Não nos cabe, todavia, ignorar os mandamentos legais que assim impede. Temos é que clamar pela sua adequação, rumo à efetividade da prestação jurisdicional trabalhista, para viabilizar a importação das regras pertinentes do processo civil ou para a criação de outras semelhantes naquela seara.
O direito processual do trabalho, que nos últimos anos vem influenciando o direito processual civil (oralidade, celeridade, imediatidade, aumento dos poderes do juiz na produção e apreciação das provas), deve, agora, seguir o exemplo e copiá-lo também.
Estas breves considerações não servem apenas para alimentar o gosto pela controvérsia. Têm o objetivo de proporcionar reflexão sobre o tema, que parece não incomodar nossos doutrinadores, intocado até então.
Notas
01. Cândido Rangel Dinamarco, "A Reforma do Código de Processo Civil", São Paulo : Malheiros, 1ª ed., 1995, p. 139/140.
02. Wilson de Souza Campos Batalha, "Tratado de Direito Judiciário do Trabalho", São Paulo, LTr, 1977, p. 141.
03. José Augusto Rodrigues Pinto, "Processo Trabalhista de Conhecimento:...", São Paulo:LTr, 6ª ed., 2001, p. 265
04. José Augusto Rodrigues Pinto, ob. Cit., p. 267.
05. Informativo STF N. 56, RE 162.309-PE, rel. Min. Marco Aurélio, 03.12.96.