O dever imposto ao credor de mitigar as próprias perdas como decorrência lógica do princípio da boa - fé objetiva

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O artigo tem por objetivo analisar o princípio da boa - fé objetiva e as suas funções, em especial, a sua função de cláusula limitadora ao exercício abusivo de direitos, sob a perspectiva da teoria do teoria do duty to mitigate the loss.

RESUMO: O Código Civil de 2002 está recheado de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, a serem preenchidos pelo intérprete, que deve pautar o seu raciocínio, dentre outros valores axiológicos, de acordo com a eticidade. Esse princípio impõe às partes o dever de honestidade, para que as suas condutas sejam regidas pela lealdade e cooperação. Na prática, contudo, esse comportamento nem sempre é respeitado, motivo pelo qual se torna impositiva a invocação de institutos jurídicos para corrigir eventuais excessos que possam causar injustiças. Dentre esses institutos, encontra-se o duty to mitigate the loss, de origem estrangeira, que impõe ao credor o dever de praticar as condutas necessárias para minimizar os danos que está sofrendo, a fim de evitar os prejuízos a serem suportados pelo devedor. Assim, este artigo objetiva analisar se a aplicação dessa teoria está em consonância com as diretrizes instituídas no Código Civil. O trabalho é desenvolvido através de pesquisa qualitativa, realizada pelo método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental, partindo de premissas genéricas, como o estudo da boa-fé objetiva e os seus fundamentos, para se chegar à análise das razões utilizadas para justificar a recepção da teoria do duty to mitigate the loss pelos Tribunais brasileiros. Seguindo esse raciocínio, é possível concluir que o instituto vai ao encontro da boa-fé objetiva e que a sua função primordial é limitar o exercício de direitos subjetivos e promover a lealdade e a cooperação do credor diante do devedor, a fim de evitar o agravamento de danos.

PALAVRAS-CHAVE: Boa-fé objetiva. Eticidade. Abuso do direito. Duty to mitigate the loss.

1 INTRODUÇÃO

Uma das grandes evoluções elencadas pela doutrina, de forma ampla, com o advento do Código Civil (CC) de 2002, foi a inclusão de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados em seu corpo normativo.

Dentre essas cláusulas gerais, situa-se a boa-fé objetiva, que serve como fundamento ético para reger as relações jurídicas, cuja inobservância acarretará consequências jurídicas, de acordo com o caso concreto.

Em virtude da importância atribuída à boa-fé objetiva, o presente estudo visa a analisar, de forma sucinta, qual é o seu fundamento de aplicação no Código Civil de 2002, os seus principais desdobramentos e, principalmente, qual é a relação que essa cláusula geral estabelece entre o abuso do direito e a teoria estrangeira do duty to mitigate the loss.

O artigo será desenvolvido por meio de pesquisa qualitativa, realizada pelo método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental, partindo de premissas genéricas, como o estudo da boa-fé objetiva e os seus fundamentos, para se chegar à análise das razões utilizadas para justificar a recepção da teoria do duty to mitigate the loss pelos Tribunais brasileiros.

A partir desse roteiro e através da interpretação sistemática, será possível analisar que efetivamente se justifica a limitação ao exercício de direitos subjetivos em decorrência do dever imposto ao credor de mitigar as próprias perdas, como manifestação da boa-fé objetiva.

Para cumprir essa finalidade, o primeiro capítulo do desenvolvimento destinar-se-á a identificar quais foram as principais diretrizes instituídas pelo legislador quando da criação do Código Civil de 2002. O segundo, por sua vez, terá em vista demonstrar as principais facetas do princípio da boa-fé objetiva. Por fim, o terceiro será destinado ao estudo do instituto denominado duty to mitigate the loss (dever do credor em mitigar as próprias perdas), através do exame de seus fundamentos e aplicação pelos Tribunais, como se apresenta a seguir.

2 AS DIRETRIZES INSTITUÍDAS PELO LEGISLADOR PARA A APLICAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002: UMA VISÃO ELEMENTAR DOS SEUS FUNDAMENTOS

O Código Civil de 2002 é lastreado de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados que, desde a sua promulgação, tem o seu significado delineado pela doutrina e pela jurisprudência, com o intuito de irradiar a legislação vigente, fazendo com o direito deixe de ser estático e passe a ter vida, aproximando-se cada vez mais do calor que exala das relações humanas.

Segundo Tepedino (2003), as cláusulas gerais são que definem parâmetros hermenêuticos como referência interpretativa, a fim de oferecer ao intérprete valores que limitam e que orientam a aplicação das leis.

No mesmo sentido, Martins-Costa (1999), Nery Junior e Nery (2002) entendem que as cláusulas gerais têm a importante função de permitir a abertura e a mobilidade do ordenamento jurídico, fazendo com que o sistema fique vivo para acompanhar e se adaptar às novas realidades sociais que surgem diariamente.

Quando da interpretação dessas cláusulas e conceitos imiscuídos no corpo legal, contudo, deve-se sempre ter em mente as três diretrizes elaboradas pelo jurista Miguel Reale (1998), supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, sem as quais a aplicação do Direito Civil não seguiria os próprios fundamentos de sua existência: a eticidade, a socialidade e a operabilidade (AMARAL, 2008).

Essas três “pedras de toque, aproveitando-se expressão utilizada no âmbito do Direito Administrativo pelo jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 55), carregam consigo o conteúdo imprescindível à compreensão dos institutos e das novas teorias que vêm sendo aplicadas na seara do Direito Civil, motivo pelo qual se faz necessária, antes de prosseguir, a análise dos seus significados.

2.1 Princípio da eticidade

O princípio da eticidade, segundo Gonçalves (2014, p. 37), “funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores. Prioriza a equidade, a boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos”, ou seja, trata “[...] da valorização da ética e da boa-fé, principalmente daquela que existe no plano da conduta de lealdade das partes (boa-fé objetiva) [...]” (TARTUCE, 2014b, p. 39).

Esses critérios éticos estão diretamente relacionados com a noção de comportamento moral, que pode ser conceitualmente determinado como um comportamento aceitável, suportável e honesto, naquele momento histórico de uma sociedade (FARIAS, 2008).

2.2 Princípio da socialidade

O princípio da socialidade, por sua vez, veio para alterar a antiga concepção individualista do Código Civil de 1916, com o objetivo de funcionalizar todas as categorias civis (TARTUCE, 2014b, p.39), para fazer “[...] prevalecer os valores coletivos sobre os individuais” (REALE, 1998, p. 22).

A socialidade, em verdade, é representada pela manifestação da função social dos institutos do Direito Civil e visa humanizar o direito para fazer prevalecer o interesse social sobre os interesses privados (SILVA, 2012).

2.3 Princípio da operabilidade

Por fim, o princípio da operabilidade visou a tornar o Código Civil um corpo de leis mais claras, deixando de lado o tecnicismo jurídico outrora impregnado no CC/16, em busca da simplicidade (TARTUCE, 2014a). Além disso, a operabilidade relaciona-se ao sentido de efetividade ou “concretitude” do direito (REALE, 1998).

Essa mudança de paradigma no CC/02 veio ao encontro do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1°, III da Constituição Federal de 1988, pois, ao acabar com os excessos de formalidades que impediam tratamentos diferenciados das pessoas, levando em conta as suas peculiaridades, promoveu-se o tratamento igualitário, permitindo-se ao juiz conceder a tutela jurisdicional de acordo com os envolvidos no caso concreto (FARIAS, 2012).

3 AS DIVERSAS FACETAS DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

A inspiração para a inserção da boa-fé objetiva no art. 422 do Código Civil brasileiro advém do princípio denominado Treu und Glauben, que significa “lealdade e confiança”, consagrado no § 242 do Código Civil Alemão[1], de 1900 (ROSENVALD, 2013)

Como visto anteriormente, uma das diretrizes do Código Civil é a eticidade, que tem como consequência lógica a boa-fé, que “[...] incide sobre todas as relações jurídicas na sociedade. Configura cláusula geral de observância obrigatória, que contém um conceito jurídico indeterminado, carente de concretização segundo as peculiaridades de cada caso” (PEREIRA, 2007, p.20).

Antes de prosseguir, contudo, é conveniente analisar o conceito da boa-fé objetiva e as principais formas que essa cláusula geral se manifesta no ordenamento jurídico.

3.1 A boa-fé objetiva como norma de interpretação, de controle e de proteção

Para Martins-Costa (1999, p. 411), a boa-fé objetiva se revela como um “[...] modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo [...] agindo como agiria [...] um homem reto: com honestidade, lealdade e propriedade”.

Levando em conta esse conceito, a doutrina elenca três principais funções exercidas pela boa-fé objetiva: função de interpretação, de proteção e de controle:

a) função de interpretação

A função de interpretação se manifesta através da hermenêutica desenvolvida pelo operador do direito, que, ao aplicar a lei, deverá observar “aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, conforme o artigo 5° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012).

Essa função está presente no art. 113 do CC, que preceitua que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, ou seja, “[...] a boa-fé é consagrada como meio auxiliar do aplicador do direito para a interpretação dos negócios, da maneira mais favorável a quem esteja de boa – fé” (TARTUCE, 2014b, p. 583).

A função de interpretação torna possível que o sentido literal da linguagem não prevaleça sobre a real intenção, quando da declaração de vontade, a fim de preservar “[...] o interesse social da segurança das relações jurídicas [...]” em especial, se as partes agiram de acordo com a “[...] lealdade, retidão e probidade [...]” (DINIZ, 2009, p.155), na formação, execução e até mesmo após a extinção do ato negocial (função de integração, prevista no art. 422 do CC).

b) função de criação de deveres jurídicos anexos ou de proteção

A boa-fé objetiva, como exigência de conduta leal entre as partes, impõe a criação, dentre outros, dos seguintes deveres de conduta, vistos pela doutrina como principais: (i) lealdade e confiança recíprocas, (ii) assistência, (iii) informação e (iv) sigilo ou confidencialidade (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012).

Esses deveres anexos, portanto, não precisam sequer estar descritos em eventual relação jurídica, visto que, implicitamente, eles já estão previstos, devendo, portanto, produzir seus regulares efeitos (MARTINS-COSTA, 1999).

c) função de controle ou função delimitadora do exercício de direitos subjetivos

A função de controle decorre diretamente da previsão contida no art. 187 do CC, que prevê que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

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O enunciado n° 37, do Conselho da Justiça Federal (CJF), aprovado na I Jornada de Direito Civil, elucida que “a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico” (AGUIAR, 2005), o que evidencia que o exercício irregular de um direito quebra a confiança e as legítimas expectativas de uma parte perante a outra, violando, consequentemente, a boa-fé objetiva (NEGREIROS, 2006, p.141).

3.2 Decorrências lógicas da boa-fé

Visando a dar maior concretude ao princípio da boa-fé objetiva, que é a cláusula que impõe a exigência de comportamento leal das partes, como visto, diversas teorias foram abarcadas pelo ordenamento jurídico, oriundos do Direito alienígena, todas elas amplamente aplicadas pelos Tribunais de Justiça Estaduais e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a exemplo das teorias da supressio[2] e da surrectio[3], do tu quoque[4], da exceptio doli[5] e a venire contra factum proprium[6].

Entre essas teorias, inclui-se o instituto do duty to mitigate the loss, que será objeto de estudo específico e mais aprofundado no item seguinte.

3.3 Relação existente entre a boa-fé o exercício regular de direitos

O abuso de direito, previsto no art. 187 do CC, “[...] pode ser entendido como o fato de se usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do que razoavelmente o Direito e a sociedade permitem” (VENOSA, 2013, p. 564).

Para a sua configuração, segundo Duarte (2013), é desnecessário que se demonstre o elemento subjetivo ou a real intenção de prejudicar. A finalidade para a qual uma norma foi criada é violada quando houver o mero exercício distorcido do direito, que, por si só, já configura o abuso da conduta.

Tamanha é a importância do instituto que a sua força axiológica se espraia para além do Direito Civil, aplicando-se aos mais diversos “ramos do direito”[7]: (i) no Direito do Consumidor, através da vedação à publicidade abusiva; (ii) no Direito do Trabalho, através da vedação à greve abusiva; (iii) no Direito Processual Civil, através da vedação aos abusos no exercício do direito de ação, previstos nos arts. 14 a 16. É justamente por esse motivo, por exemplo, que o sistema jurídico brasileiro veda a prática de atos emulativos, já que são predestinados a prejudicar terceiros, independentemente de o praticante ter em vista obter algum tipo de vantagem pela prática do ato (TARTUCE, 2014b).

Havendo exercício irregular de um direito, haverá, consequentemente, o abuso no exercício de um direito, logo, o agente responderá objetivamente, independentemente da existência de dano, já que se configura categoria jurídica autônoma em relação à responsabilidade civil, conforme Enunciado 539[8] da VI Jornada de Direito Civil, do CJF.

Evidenciado o abuso do direito, portanto, deve-se impor, ou não, o dever de indenizar, a depender das circunstâncias do caso concreto. É nessa seara que o abuso no exercício de um direito se revela compatível com o dever de o credor mitigar as próprias perdas, sob o fundamento da ausência de boa-fé, estampada no art. 187 do CC.

Diante disso, a interpretação sistemática entre os dispositivos e valores axiológicos impostos pelo princípio da boa-fé objetiva; e, da leitura do art. 187 do CC, constata-se que a boa-fé, constitui, sim, um limite ao exercício dos direitos subjetivos, cuja inobservância é passível de proteção jurídica.

4 O DUTY TO MITIGATE THE LOSS

O dever de honestidade, para que as condutas das partes sejam regidas pela lealdade e cooperação, nem sempre é respeitado no quotidiano, motivo pelo qual se torna impositiva a invocação de institutos jurídicos para corrigir eventuais excessos que possam causar injustiças. Dentre esses institutos, encontra-se o duty to mitigate the loss, Assim, o objetivo desta seção será estudar o instituto denominado duty to mitigate the loss (dever do credor em mitigar as próprias perdas), através do exame de seus fundamentos e aplicação pelos Tribunais.

4.1 Considerações históricas

O instituto do duty to mitigate the loss (dever de mitigar o prejuízo) é oriundo do direito anglo-saxônico (FARIAS, 2014, p.192), cuja proposta de inserção no direito brasileiro foi da gaúcha Véra Maria Jacob Fradera (TARTUCE, 2014b, p.192), através da publicação do artigo intitulado “Pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo” (FRADERA, 2014) e da elaboração do Enunciado 169 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.

O objetivo primordial dessa teoria é fazer com que o credor de uma obrigação colabore com o devedor, sendo-lhe imposto que tome todas as medidas cabíveis para evitar a ocorrência do dano ou para minimizar os seus efeitos, para que atinja menores proporções possíveis (GARCIA, 2010).

Apesar de os Tribunais terem implementado a sua aplicação recentemente, é importante observar que a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias já revelava, ainda em 1980, o espírito do duty to mitigate the loss, na previsão contida no texto do seu art. 77[9].

Inspirado nessa lição que adveio o Enunciado 169 do Conselho da Justiça Federal, aprovado no ano de 2004, na III Jornada de Direito Civil, que previu expressamente que “o princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo” (AGUIAR, 2005, p. 168), demonstrando, portanto, que o dever de cooperar deve estar presente nas relações jurídicas, sob pena de exercício irregular de um direito.

4.2 A aplicação pelos Tribunais brasileiros

Essa marcha evolutiva na interpretação da boa-fé objetiva fez com que o Superior Tribunal de Justiça, de forma inteligente, inserisse o dever de o credor mitigar as próprias perdas no âmbito jurisprudencial, no intuito de resguardar o princípio da boa-fé (FARIAS, 2014).

O primeiro julgamento a cunhar expressamente o instituto foi o Recurso Especial n° 758.518-PR[10], julgado em 17 de junho de 2010, cuja relatoria ficou ao encargo do Excelentíssimo Ministro Vasco Della Giustina (FARIAS, 2014, p.193).

A matéria debatida nesse leading case[11] trata de um pedido de reintegração de posse cumulado com pedido de indenização, ajuizado pelo promitente vendedor em face do promitente comprador.

O acórdão narra que o promitente comprador deixou de adimplir as prestações referentes ao contrato de compra e venda ainda em 1994, e, apesar da inadimplência, abandonou o imóvel somente em setembro de 2001.

Nesse lapso temporal de aproximadamente sete anos, contudo, o promitente vendedor não efetuou nenhuma diligência para reaver o seu imóvel, tendo ajuizado ação indenizatória pelo inadimplemento contratual somente em outubro de 2002. Em seu pedido, o promitente vendedor requereu a fixação de indenização para compreender a totalidade do período contratual em que o promitente comprador teria ficado na posse do imóvel, que seria por quase sete anos.

Julgando o caso, a Corte entendeu que o Credor teria direito a ser indenizado pelo uso do imóvel pelo devedor pelo período equivalente a apenas 15 meses e 25 dias, que foi o período compreendido entre o ajuizamento da ação e do cumprimento do mandado de reintegração de posse.

Nas razões desse entendimento justificou-se que o credor não poderia ter permanecido inerte durante todo esse tempo em que se estendeu o inadimplemento, pois demonstra que preferiu ver o agravamento do próprio prejuízo ao invés de tomar as medidas necessárias para cessar a conduta lesiva. Foi com base nesse raciocínio que o Relator, aplicando a boa-fé objetiva, concluiu que “a parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano, pois a sua inércia imporá gravame desnecessário e evitável ao patrimônio da outra, circunstância que infringe os deveres de cooperação e lealdade” (BRASIL, 2010, p. 06).

            Em outro caso recente[12], o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul julgou improcedente a pretensão de indenização por danos materiais e morais. Nesse julgamento, um dos autores da demanda havia litigado, em processo anterior, com a empresa ré, sendo que essa foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais, em razão da inscrição indevida do nome do autor no cadastro de inadimplentes. Apesar da condenação no processo anterior, a empresa ré manteve o nome do autor nos cadastros negativos.

O autor da ação, mesmo sabendo que o seu nome ainda estava negativado, segundo o acórdão, dirigiu-se, juntamente com a sua companheira, à agência bancária, no intuito de buscar financiamento, ainda que soubesse que isso seria empecilho à liberação do crédito para a aquisição do imóvel desejado em seu nome.

Segundo a inicial, o impedimento à obtenção do financiamento em nome do autor da demanda, fez com que o financiamento tivesse que ser feito em nome de sua companheira, e, em função da aplicação de taxas de juros diferenciadas, o financiamento teria se tornado mais oneroso, em valor superior à R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais). Apesar dessa situação, o Tribunal entendeu que os autores “[...] assumiram a posição de vítimas, o que, neste caso, restaria afastada a obrigação de indenizar [...]” uma vez que os autores, “[...] quando iniciaram as tratativas para a compra do imóvel, já sabiam que o autor estava com o nome cadastrado. E o que é comum, poderia haver empecilho ao financiamento [...]”.

Aduziram, ainda, como fundamento da aplicação do duty to mitigate the loss, que os autores poderiam ter tomado outras medidas com a finalidade de excluir a anotação indevida, ainda que de modo provisório, visto que é comum a concessão de tutela liminar na Justiça Estadual para remoção do nome do cadastro negativo. Ainda, sugeriu que poderiam ter feito depósito do valor em juízo, já que o valor do débito seria de R$ 9,77 (nove reais e setenta e sete centavos).

Com base nisso, mostra-se plenamente evidente a possibilidade de recepção da teoria do dever do credor em mitigar as próprias perdas pelo princípio da boa-fé objetiva, justamente porque o ordenamento jurídico não pode permitir que uma pessoa fique inerte para ver a “falência” do outro, ainda mais quando poderia e deveria contribuir para evitar o agravamento da situação.

Confirma-se, assim, que a boa-fé, como cláusula geral, serve de ponte entre o sistema jurídico e a realidade social, e constitui uma ferramenta destinada a permear as relações jurídicas, regulando os excessos e os abusos de direito, a fim de equilibrar os interesses e promover a justiça (APARICIO, 2006).

Nesse sentido, já havia se manifestado anteriormente a inteligente jurista Martins-Costa (2003, p. 199), ao dispor que a boa-fé objetiva sistematiza todas as outras normas do ordenamento jurídico, operando como (i) “função de otimização do comportamento contratual”; (ii) como norma que possui a “função de limite” ao exercício de direitos subjetivos; e (iii) como “função de reequilíbrio” do contrato”.

Nesses dois casos apresentados, percebe-se claramente que o instituto vem sendo utilizado para isentar ou reduzir a responsabilidade do devedor pelos prejuízos sofridos pelo credor, de acordo com as provas que serão produzidas no processo, ante as circunstâncias do caso in concreto.

Se ficar explícito que o dano só ocorreu em virtude da conduta exclusiva do credor, é certo que o “devedor” ficará isento de responsabilidade. Se ficar comprovado que o dano ocorreu em maiores proporções por desídia do credor, o quantum debeatur deverá ser reduzido, diante do evidente abuso de direito[13].

Imagine-se, por exemplo, que caia uma vela sobre o piso da casa e, de pronto, começa um pequeno incêndio no tapete. Nesse caso, o agente deverá imediatamente apagar o fogo (dever de mitigar as próprias perdas) e não poderá ficar olhando as chamas se espalharem, sob o argumento de que o seguro irá cobrir os prejuízos sofridos. Essa conduta, evidentemente, é abusiva, pois não releva uma conduta ética e moralmente aceitável pela sociedade, violadora, portanto, da boa-fé objetiva.

Da mesma forma, utilizando o exemplo, se ficar demonstrado que a casa pegou fogo e o agente tinha condições de apagar parte dele e minimizar o prejuízo do devedor, nesse caso, o devedor responderá somente de forma proporcional ao prejuízo efetivamente ocorrido, e não pelo prejuízo causado pela inércia do próprio credor.

Com efeito, percebe-se, também, a sistematização da boa-fé com as lições contidas nos artigos 944 e 945 do Código Civil[14], que preveem que a indenização será paga de acordo com a extensão dos danos, levando em consideração a análise de eventual colaboração da vítima para a sua ocorrência, afinal, se a vítima (credor) agravou a situação danosa, não há porque se beneficiar desse “comportamento imoral”.

No caso concreto, portanto, deve-se sempre estar atento ao bom senso e a conduta que razoavelmente poderia ser exigida das partes diante das condições fáticas, visando a apurar os fatos da forma que melhor reflita a boa aplicação do direito, tendo em vista respeitar a eticidade, que serve como norma delineadora de todo o sistema.

5 CONCLUSÃO

A aplicação do duty to mitigate the loss no ordenamento jurídico brasileiro tem se tornado cada vez mais corriqueira, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência, o que demonstra a rigidez dos aplicadores do direito em tornar efetivos os efeitos decorrentes da eticidade.

Além disso, como cláusula geral, a boa-fé objetiva tem a função precípua de oxigenar o sistema jurídico, adaptando o texto da lei às novas circunstâncias que surgem em decorrência da evolução humana. Esse fenômeno permite que o mesmo artigo de lei, embora antigo, possa ainda ser atual, mesmo que decorridos diversos anos de sua criação.

Considera-se que esse posicionamento reforça o princípio da boa-fé, na medida em que prestigia os deveres de solidariedade e cooperação, que devem estar presentes nas relações jurídicas, desde a fase pré-contratual, até a fase pós-contratual. Por outro lado, repudia as ações e as omissões que visem a prejudicar ou beneficiar determinadas pessoas que se colocam deliberadamente em situação de prejuízo para enriquecerem indevidamente às custas de outras.

A boa-fé objetiva vai ao encontro da imposição ao credor de mitigar o própria dano, exercendo, com maestria, a sua função de cláusula geral, impondo sanções e limites ao exercício irregular de direitos, com aplicação conforme o caso concreto.

A recepção dessa teoria só demonstra o acerto da inserção da boa-fé objetiva como cláusula geral. A velocidade com que se desenvolvem as relações jurídicas nessa etapa história requer muito mais do que cláusulas estanques, que pré-determinam condutas e que impossibilitam interpretações maleáveis, afinal, não vivemos mais no tempo em que o juiz era a mera “boca da lei”.

Com base nessa análise, portanto, ainda que sucinta, pode-se concluir que o duty to mitigate the loss nada mais é do que uma manifestação legítima do princípio da boa-fé objetiva, sobretudo através da função de controle, limitando o exercício de direitos subjetivos, em razão de seu exercício irregular.

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Sobre os autores
Lucas Brustolin Pezzi

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Univates. Especialista em Direito Civil e Direito Constitucional (2015) pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Advogado. E-mail: [email protected].

Renato Sedano Onofri

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (2008). Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (2012). Doutorando em Direito Civil (subárea: História do Direito) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É professor de Direito Civil no Centro Universitário UniFieo, em Osasco, e do Curso de Especialização em Direito Civil da Universidade Anhanguera-Uniderp. Atua como Professor-Tutor em EaD no Curso de Pós-Graduação em Direito Civil da Universidade Anhanguera-Uniderp. Advogado em São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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