O contrato de doação com absolutamente incapaz: estudo de caso à luz da tricotomia do negócio jurídico

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Por meio de um caso concreto, uma pessoa absolutamente incapaz, realiza um contrato de doação. Diante disso, será pormenorizado a invalidade e a ineficácia de um negócio jurídico.

INTRODUÇÃO

O presente artigo se propõe a analisar a realização de um contrato de doação com um absolutamente incapaz.

O estudo de caso que será estudado nesse trabalho será por meio do Código Civil e diversas doutrinas no sentido de demonstras as principais disposições legais que conduzem um negócio jurídico.

Tal situação se revela de grande importância, uma vez que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu pela condenação da Igreja Universal do Reino de Deus a devolver a um fiel portador de enfermidade mental de caráter permanente suas doações realizadas desde 1996, além de danos morais.

Portanto, a partir disso, será destrinchada a tricotomia existência, validade e eficácia, com o propósito de analisar o caso concreto com amparo de doutrinas e do Código Civil de 2002.

1 O NEGÓCIO JURÍDICO

Negócio jurídico é um ato originado através da manifestação de vontades de uma ou ambas as partes envolvidas que provocam efeitos jurídicos. Com isso, Karl Larentz (apud GONÇALVES, 2005, p. 279-280) formula que:

Negócio jurídico é um ato, ou uma pluralidade de atos entre si relacionados, quer sejam de uma ou de várias pessoas, que tem por fim produzir efeitos jurídicos, modificações nas relações jurídicas no âmbito do Direito Privado.

Ademais, para proporcionar maior compreensão e clareza, o Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva reforça a idéia de que negócio jurídico engloba que,

Todos os fatos do homem que se vinculam a existência de um direito, e que podem ter por efeito vir criar uma nova relação jurídica, ampliar, conservar ou proteger um direito já existente. É a manifestação de vontade voltada à produção de efeitos jurídicos.  (SILVA, 2003, p. 951.).

Então, negócio jurídico é um acordo de vontades produzido por meio de uma relação entre indivíduos destinada a produzir efeitos desejados por esta com o reconhecimento do direito, que se tem. De acordo com Venosa (2003, p. 367):

Quando existe por parte do homem a intenção específica de gerar efeitos jurídicos ao adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, estamos diante do negócio jurídico.

Assim, a declaração de vontades tem um fim negocial, Venosa (2003, p. 270) acentua que a doutrina do negócio jurídico é importante na história do Direito e, principalmente, a parte geral do Direito Civil, além de o contrato vir a ser a principal manifestação de um negócio jurídico.

Quanto a isso, Venosa (2003, p. 370) informa que, por existir uma diversidade intensa, o negócio jurídico necessita ser classificado em unilaterais e bilaterais. O primeiro ocorre devido à suficiência de uma única vontade para produzir efeitos jurídicos. Já o segundo depende da manifestação de duas vontades, ou de mais de duas para a se ter os negócios plurilaterais.

É proveitoso esclarecer que, uma vez presentes “todos os elementos essenciais, o negócio existe, e pode passar-se a verificar se é ou não válido” (MOREIRA 2003, p. 223). São naturais “as conseqüências ou efeitos que decorrem da própria natureza do negócio, sem necessidade expressa de menção” (GONÇALVES 2005, p. 307); e são acidentais os que modificam características naturais do negocio jurídico.

Outrossim, sob a perspectiva de Venosa (2003, p. 423), é previsível que o negócio jurídico apresente defeitos, os quais podem se apresentar sob a forma de vícios de consentimento (erro, dolo e coação) ou sociais (simulação e fraude contra credores).

Sob essa análise, o primeiro, o vício de consentimento, são “aqueles em que a vontade não é expressada de maneira absolutamente livre”. (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2009, p. 347). Já o segundo, o vício social, “a vontade manifestada não tem, na realidade, a intenção pura e de boa-fé que enuncia”. (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2009, p. 347.).

Além desse fator, o negócio jurídico, além de poder ficar submetido a determinados elementos acidentais — que atuam no sentido de conter a eficácia do mesmo —, é dividido em três diferentes planos, os quais são: existência, validade e eficácia.

Portanto, o que impulsiona o estabelecimento de um negócio ou um ato jurídico é a manifestação de vontade. Entretanto, se esta for destorcida, de modo a apresentar algum vício ou defeito, provavelmente, há um negócio jurídico anulável, infere Venosa (2003, p. 423.).

2 ESTUDO DE CASO DE UM NEGÓCIO JURÍDICO

Por meio de um caso concreto, será destrinchada a tricotomia de um negócio ou ato

jurídico: existência, validade e eficácia.

Antes disso, porém, cabe explicar as características de um contrato de doação. Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 276) ressaltou alguns traços do contrato de doação, quais sejam:

a) a natureza contratual; b) o animus donandi, ou seja, a intenção de fazer uma liberalidade; c) a transferência de bens para o patrimônio do donatário; e d) a aceitação deste.

Assim, como o autor lembrou a parte da natureza contratual não precisaria ter sido mencionada, pois o Código Civil já trata da doação como uma espécie de contrato, mas o legislador mencionou isto para indicar de maneira clara que seguiu a corrente de que a doação é um contrato, diferente do direito francês. Sendo que, “o animus donandi é o elemento essencial para configuração da doação”, isto é, dar sem ser obrigado, parte de seu patrimônio para outro indivíduo (GONÇALVES, 2010, p. 277.).

Contudo, alguns autores, destacados por Gonçalves (2010, p. 278), não acreditam na existência do animus donandi, como cita Agostinho Alvim (apud GONÇALVES, 2010, p. 278) que “é possível haver doação mesmo que o animus donandi inexista interiormente”. Por isso, alguns autores dizem que a característica da doação é a gratuidade, e não o animus donandi ou a liberalidade.

Nessa polaridade, o caso aqui estudado se refere a condenação da Igreja Universal do Reino de Deus pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais a devolver a um fiel portador de enfermidade mental de caráter permanente suas doações realizadas desde 1996, além de danos morais (Apelação Cível nº 1.0024.03.965628-5/001. Relator: Des. Fernando Botelho).

É importante salientar que o objeto da doação é a transferência de bens ou vantagens de um patrimônio para outro, assim, no caso de Edson Luiz de Melo, o objeto seria o salário doado para a Igreja Universal do Reino de Deus. Por fim, a aceitação aperfeiçoa a doação, que pode ser tácita, expressa, presumida ou ficta.

Nesta convicção, a doação é um contrato, “em regra, gratuito, unilateral e formal ou solene”. (GONÇALVES, 2010, p. 279.). Gratuito porque não é imposta uma obrigação; unilateral, pois é uma obrigação para uma das partes; e formal, devido ao estabelecimento de um acordo de vontades entre as partes, além da observância da forma escrita (GONÇALVES, 2010, p. 279.).

Seguindo tal raciocínio, Gonçalves (2010, p. 277) mostra que, “a doação requer a intervenção de duas partes, o doador e o donatário, cujas vontades hão de se completar para que se aperfeiçoe o negócio jurídico”. Para conferir maior clareza a este texto segue abaixo o caso concreto de contrato de doação:

EMENTA: INDENIZAÇÃO. CONTRADIÇÃO NA SENTENÇA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. DÍZIMO. EMISSÃO DE CHEQUES. AGENTE INCAPAZ. NULIDADE DO ATO. VALOR SUPERIOR ÀS POSSES DO EMITENTE. CULPA DA INSTITUIÇÃO RELIGIOSA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS.

I - Não há contradição na sentença quando o julgador, motivado e coerentemente, interpreta os fatos e avalia as provas dos autos na busca da justa prestação jurisdicional. II - O negócio jurídico praticado por absolutamente incapaz é nulo, mesmo antes da sentença de interdição, se comprovado que, à época da emissão de vontade, o agente não tinha discernimento do ato. III - Declarada a nulidade do negócio jurídico, deve ser restabelecido o status quo ante, não sendo possível, como no caso dos autos, em que os cheques foram colocados em circulação, o agente incapaz deve ser indenizado por todo o montante doado. IV - A instituição religiosa que recebe como doação valor muito superior às posses do doador, sem a devida cautela, responde civilmente pela conduta desidiosa. V - Os honorários sucumbenciais devem ser condizentes com a atividade exercida pelo advogado.

Desse modo, no que tange a contratos de doações, ou seja, contratos que constituem direitos, a Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada no dia 21 (vinte e um) de agosto do ano de 2008 (dois mil e oito) a devolver doações realizadas por Edson Luiz de Melo, fiel, no ano de 1996 (mil novecentos e noventa e seis).

Em suma, o processo foi movido pela mãe de Edson Luiz de Melo, pois este é portador de enfermidade mental de caráter permanente, isto é, incapaz, que passou a frequentar a Igreja Universal do Reino de Deus em 1996. Entretanto, as reuniões de que Melo participava não envolviam somente orações, e sim contribuição financeira. Perante isso, a mãe de Edson Luiz de Melo, a curadora Dulce da Conceição de Mello, recorre da “ação de restituição c/c indenização por perdas e danos e danos morais”, como é dito no inteiro teor do acórdão.

Além disso, Melo, que era zelador na época, passou a doar à Igreja Universal seu íntegro salário, o que o endividou por também ter se afastado de seu emprego. Assim, a mãe de Melo acusa a Igreja Universal do Reino de Deus por fazer promessas em troca de doações financeiras e dízimo.

Todavia, a Igreja Universal do Reino de Deus expõe que, Edson Luiz de Melo, frequentava a Igreja como se fosse uma forma de terapia, como diz o inteiro teor da ação, e que Melo obtinha esperança e calma com as idas à instituição. A partir disso, afirma Moacyr Amaral Santos (p. 32), em seu voto:

Com efeito, na sentença, o juízo primeiro pondera que muito embora o autor tivesse à época das doações feitas à Igreja Ré, "entendimento reduzido" pela enfermidade mental que lhe acometia, os cultos religiosos e a religião em si "... funcionava como uma espécie de terapia, acalmando e dando esperanças, e promovendo a socialização..." do Apelante Adesivo. "Pelo fato de não ter havido incapacidade total e pelo fato de o autor efetivamente ter encontrado algum alívio e refrigério no seio da igreja ré, pelo menos durante algum tempo, o pedido inicial não pode ter deferimento total", deve a Ré restituir o valor doado na proporção de R$5.000,00 (cinco mil reais) (fls. 1.115/1.116).

Constata-se que, na época em que ocorreram as doações à Igreja Universal, Edson Luiz de Melo trabalhava e tinha uma vida normal, além de a Igreja afirmar que Melo ainda freqüenta os cultos pelo fato de gostar. O que faz o pedido inicial não poder ter deferimento total, pois Melo não era acometido por incapacidade total desde o início das doações à Igreja Universal do Reino de Deus.

Além disso, Moacyr Amaral Santos (p. 33) realça que:

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[...] o fato da Apelante Principal não concordar com o dispositivo da sentença não a macula sob enfoque de contradição, pois nela presentes outros tantos argumentos impugnáveis por meios adequados como o deste recurso de apelação.

Posto isso, Moacyr arremata o fato de a Igreja não poder sair impune. Assim, em primeira instância, a Justiça estabeleceu que a Igreja Universal fosse obrigada a devolver o valor das doações desde o ano de 2001, pois foi o período em que a incapacidade de Melo foi constatada, além de a Igreja ter que indenizá-lo em R$ 5 mil, por danos morais.

Diante dos fatos, Fernando Botelho, desembargador e relator do recurso, entendeu que os negócios jurídicos realizados por Melo foram nulos, pois o homem não tinha condições de manifestar sua real vontade.

Pelo exposto, três são os temas a serem abordados, cada um separadamente: existência, validade e eficácia, as quais serão vistas a seguir.

2.1 EXISTÊNCIA

O Código Civil, artigo 538 ensina que: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. Assim, no momento em que Edson Luiz de Melo e a Igreja Universal do Reino de Deus selaram por vontade de ambos, um contrato de doação, este passa a ser existente.

Mais que isso, só há a existência de um negócio jurídico quando este apresenta seus elementos essenciais e, por conseguinte é analisado se é válido ou inválido. Como pode ser observado na citação do texto “Invalidade e Ineficácia de um Negócio Jurídico” de José Carlos Barbosa Moreira:

Importa, pois, identificar os elementos essenciais de cada negócio: faltando algum, o negócio é inexistente; por exemplo, contrato de compra e venda em que não se fixou preço. Presentes todos os elementos essenciais, o negócio existe, e pode passar-se a verificar se é ou não válido (Moreira, 2003, p. 223).

Com relação à existência de um negócio jurídico, retoma-se à ideia de Gonçalves (2010, p. 276) ao afirmar que são necessários quatro elementos peculiares, os quais são: natureza contratual, o animus donandi, a transferência de bens e a aceitação deste. (GONÇALVES, 2010, p. 276.).

No caso analisado, no que tange ao contrato de doação, é possível encontrar todos esses elementos, sendo a natureza contratual, o contrato de doação; o animus donandi, que seria para alguns autores a gratuidade; a transferência de bens, que seria a doação do salário de Edson Luiz de Melo à Igreja Universal do Reino de Deus; e a aceitação da doação.

Pode-se, então, verificar o que é existência jurídica a partir de Plácido e Silva (2003, p. 584) que afirma:

Na técnica jurídica quer significar realidade, a maneira ou razão de ser, segundo os princípios do próprio direito. Em relação às coisas e as pessoas, a existência decorre da consistência (corpo) ou da presença, enquanto que o dos fatos advém de sua realidade, ou de sua certeza.

Já, para Venosa (2003, p. 401), “No exame do plano de existência não se cogita de invalidade ou ineficácia, mas simplesmente da realidade de existência do negócio”, em outras palavras, importa averiguar a manifestação de vontade entre as partes envolvidas. Até por que

[...] a vontade, muito antes de ser unicamente um elemento do negócio, é um pressuposto dele, mas um pressuposto que ora interferirá na validade, ora na eficácia do negocio, já que pode “existir” um negócio jurídico com mera aparência de vontade, isto é, circunstância em que a vontade não se manifestou e houve apenas mera “aparência” de vontade.(Venosa 2003, p. 401).

Nesse contexto, é indispensável à manifestação de vontade para se estabelecer um negócio jurídico. Nesta perspectiva, realça José Carlos Barbosa Moreira (2003, p.223), “se algo não existe, não há negócio”.

Contudo, conforme Gonçalves (2005, p. 430), se há defeito no negócio jurídico como erro, dolo ou coação, por exemplo, o negócio, apesar de existir, é anulável. Mas, se a vontade expressa é de um absolutamente incapaz, o negócio jurídico existe e torna-se nulo.

É inegável que exista o negócio jurídico entre Edson Luiz de Melo e a Igreja Universal do Reino de Deus. Porém há de ser avaliada a validade e a eficácia desse negócio.

2.2 VALIDADE

Há validade quando o negócio jurídico está de acordo com o Ordenamento Jurídico, além de esta proteger as partes envolvidas. Quanto a isso, Moreira (2003, p. 224) leciona que, “se os elementos do negócio, todos eles revestem-se dos atributos necessários, o negócio vale (é válido)”. Nessa intenção, pelo Novo Código Civil, pode-se verificar que os requisitos de validade são:

 Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – Agente Capaz

II – Objeto Lícito, possível, determinado ou determinável

III – Forma prescrita ou não defesa em lei.

Todavia, pode ocorrer uma invalidade jurídica, por falta de observância da lei, isto é uma contrariedade do Ordenamento Jurídico. Nota-se que, o artigo 104, prevê que o agente deve ser capaz, mas, Edson Luiz de Melo, não é, e sim absolutamente incapaz.  Para maior esclarecimento sobre a invalidade no Código Civil de 2002, Gagliano e Pamplona Filho (2009, p. 384) apontam que,

O Novo Código Civil, corretamente, adota a expressão “invalidade” como categoria genérica das subespécies de nulidade: absoluta e relativa, destinando um capítulo próprio para suas disposições gerais (arts. 166 a 184). Todo o ato, pois, absoluta ou relativamente nulo (anulável) é considerado inválido.

Inclusive, a invalidade jurídica apresenta dois vértices os quais o negócio jurídico pode ser classificado: nulo ou anulável. O primeiro ocorre quando a infração ao Ordenamento Jurídico e a sanção são graves, isto é, além de não produzir efeitos, torna-se ineficaz. A nulidade é a sanção imposta por descumprir os pressupostos do negócio jurídico. Por isso, Moreira (2003, p. 225) aduz que

A nulidade pode ser alegada “por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir”, e deve ser pronunciada ”pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes” (art. 168 e seu par. Ún.). 

Nesse mesmo sentido, é possível verificar que o autor dispõe sobre a legitimidade para arguir a nulidade absoluta. Por conta disso, Venosa (2003, p. 570) diz que “a função da nulidade é tornar sem efeito o ato ou negócio jurídico. A idéia é fazê-lo desaparecer, como se nunca houvesse existido”. Nessa mesma vertente, Venosa (2003, p. 570) assegura que, na nulidade absoluta, perdura o interesse social para que o ato ou negócio jurídico não se fortaleça.

Em contraposição, assevera Gagliano e Pamplona Filho (2009, p. 398-399) que a segunda vertente, a nulidade relativa ou a anulabilidade, atinge interesses particulares e só pode ser argüida por via judicial em prazos decadenciais de quatro ou dois anos.

Além desse fator, o negócio jurídico é anulável desde que a infração ao Ordenamento Jurídico seja menos grave e a sanção seja branda, além de lesar somente o interesse de um particular e produzir efeito. Perante a construção de Moreira (2003, p. 225), é concebível que:

A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de oficio: só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade. (art. 177.).

Desse modo, um ato anulável, esclarece Moreira (2003, p. 225), enquanto não for anulado através de julgamento e por interesse das partes envolvidas, continua a produzir efeitos, mas se as partes não forem ao julgamento e o prazo de decadência estiver vencido, o negócio ou ato jurídico torna-se incontestável.

No caso de Edson Luiz de Melo, houve pressupostos os quais o negócio jurídico realizado com a Igreja Universal do Reino de Deus foi inválido. Para aclarar, no Código Civil de 2002, são considerados absolutamente incapazes:

Art. 3. I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Além de o Código Civil, artigo 3, expressar que Melo, o agente, é absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, por ser portador de enfermidade mental de caráter permanente, Edson Luiz de Melo era zelador e doava a Igreja Universal do Reino de Deus grande parte de seu pequeno salário, portanto, verifica-se no inteiro teor da ação, Melo é considerado pródigo, por meio do artigo 4 do Código Civil de 2002.

Além do mais, consoante isso, o Código Civil de 2002 realça, no artigo 548 que, “É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador”. Com isso, Edson Luiz de Melo passou a se endividar por conta das frequentes doações de seu salário à Igreja Universal do Reino de Deus. 

A partir dessas considerações, confirma Gonçalves (2010, p. 292) que, “o excesso é declarado nulo, expressamente, pela lei. Declarado nulo, os bens doados retornam para o doador”.

Acresça-se que a Igreja Universal não manifestou o principio da boa-fé objetiva, que é um princípio fundamental na interpretação de qualquer atividade negocial (GONÇALVES, 2005, p. 301), diante de Melo, pois mesmo sabendo que este passou a doar inteiramente seu salário à Igreja Universal do Reino de Deus, o que demonstrava a insanidade de Edson Luiz de Melo, esta não interveio.

Assim, ensina o Código Civil de 2002, artigo 113, “Os negócios jurídicos devem ser interpretados consoante a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Desde o momento em que Edson passou a doar mais do que a metade de seu salário à Igreja Universal do Reino de Deus, era claro que este tinha incapacidade e, mesmo assim, não foi interditado pela Igreja, o que implica a má-fé desta instituição.

Vale reforçar que um dos requisitos gerais da validade jurídica é a manifestação de vontade livre e de boa-fé (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2009 p. 332), o que não ocorreu por parte da Igreja, pois, desde 1999, como consta no inteiro teor da ação, Edson Luiz de Melo começou o tratamento médico, pode-se observar pelo seguinte trecho:

CONCLUSÕES:

Do histórico coletado e do exame realizado, conclui-se:

* PERMANECE A INCAPACIDADE PARA ATOS DA VIDA CIVIL E TRABALHO.

* BASEADO NOS ELEMENTOS LEVANTADOS PELA PERÍCIA É POSSÍVEL INFERIR QUE EM 1999 O PERICIADO JÁ APRESENTAVA SINAIS E SINTOMAS DAS ENFERMIDADES QUE ORA O ACOMETEM E QUE, CONSEQÜENTEMENTE, CULMINARAM NA INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E VIDA CIVIL.

*A SOMA DAS DOAÇÕES REALIZADAS À IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS POR PARTE DO PERICIANDO, CONSIDERANDO SUA CLASSE SOCIAL, FALAM A FAVOR DE PREJUÍZO NAS CAPACIDADES DE ENTENDIMENTO E AUTODETERMINAÇÃO."

Observa-se, então, que, nos estritos limites da prova técnico-pericial-médica, em razão de comprovada enfermidade mental que o acomete desde "a adolescência e início da idade adulta", o Requerido iniciou tratamento (em 1999 - relatório médico de fls. 19), foi afastado das suas atividades laborais em outubro de 2001 (fls. 17/18) e aposentou-se por invalidez em 02/06/2004 (como noticiado nos autos e não impugnado pela Apelante Principal).

Indene de dúvidas, pois, que, mesmo antes de 1996, ano em que o Autor passou a freqüentar as dependências da Apelante e a fazer-lhe doações, já apresentava grave quadro de confusão mental, capaz de caracterizar sua INCAPACIDADE ABSOLUTA, já que, no laudo pericial, restou consignado que ele não reunia discernimento suficiente para a realização dos atos da vida civil (artigo 3°, inciso II do NCC).

Desse modo, conforme as conclusões expressas acima, o negócio jurídico entre Edson Luiz de Melo e a Igreja Universal do Reino de Deus é inválido, por não preencher os requisitos de validade. O Código Civil de 2002 leciona que,

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I – Celebrado por pessoa absolutamente incapaz.

Como se vê, a lei impõe limites à liberdade de doar para resguardar os interesses sociais e das partes envolvidas. Destarte, o negócio jurídico, feito por Edson Luiz de Melo e a Igreja do Reino de Deus, é considerado nulo, pois o contrato de doação foi selado com uma pessoa absolutamente incapaz (Edson), a Igreja Universal do Reino de Deus agiu de má-fé e houve doação de todo o salário do doador (Edson), o que fez com que Melo se endividasse devido às doações feitas à Igreja Universal.

2.3 EFICÁCIA

Um negócio jurídico é eficaz, quando este produz efeitos. Porém, se um ato ou negócio jurídico for considerado nulo, este não é eficaz, pois, no instante em que foi constatada a nulidade do negócio jurídico, é considerado como se não estivesse existido antes. Acresce Gagliano e Pamplona Filho (2009, p. 403) que o “negócio jurídico é eficaz, ou seja, se repercute juridicamente no plano social”.

É observado no inteiro teor da ação que, “Com a declaração da nulidade do negócio jurídico, este não produz efeito por, estando inquinado de vícios essenciais, ofender princípios de ordem pública”. Assim, desde o momento em que é verificada a nulidade do negócio jurídico, este não produz efeitos. A partir disso, no interior da ação afirma Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:

O negócio nulo não pode produzir nenhum efeito jurídico. Caso tenha produzido efeitos no mundo fático, o reconhecimento judicial dessa nulidade retira esses efeitos, pois esse reconhecimento tem eficácia ex tunc, isto é, retroativa, retroagindo à data da celebração do negócio nulo. Pronunciada a nulidade as coisas voltam ao estado anterior, como se não tivesse sido celebrado o negócio ou ato nulo.

Não obstante os atos ou negócios jurídicos ora são eficazes, ora são ineficazes.  Em virtude disso, Silvio Venosa (2003, p. 569) infere que “O vocábulo ineficácia é empregado para todos os casos em que o negócio jurídico se torna passível de não produzir os efeitos regulares”.

Apesar disso, afirma José Carlos Barbosa Moreira (2003, p. 226) ensina que, por um lado, a invalidade, não é um vício, e sim, uma conseqüência de um vício. Por outro lado,

[...] a ineficácia não é necessariamente conseqüência de um vício. O negócio pode ser perfeito e, não obstante, ineficaz. Em regra, o negócio válido é eficaz e o negocio inválido é ineficaz. Nada, além disso, é possível afirmar.

Assim, o negócio jurídico entre Edson Luiz de Melo e a Igreja Universal do Reino de Deus foi ineficaz, pois não produziu efeitos jurídicos.

Ante disso, Edson Luiz de Melo, absolutamente incapaz, doou todo o seu salário à Igreja Universal do Reino de Deus, que agiu de má-fé. Por meio disso, há a nulidade dos negócios jurídicos produzidos e por a eficácia ter ficado comprometida, logo, não há efeitos jurídicos, assim, volta-se ao status quo anterior ao contrato de doação feito por Melo e a Igreja Universal.

Portanto, a Igreja Universal do Reino de Deus deve pagar indenização por danos morais a Edson Luiz de Melo como consta no inteiro teor do processo.

Assim sendo, é válido ressaltar a importância do negócio jurídico perante a sociedade. Um negócio jurídico surge quando, há manifestação de vontade de dois ou mais indivíduos que passam a declarar seus anseios em um contrato, para estabelecer e garantir a ordem do pactuado.

A partir do momento em que o negócio jurídico gera regulamentação de contratos, confere a estes, existência, validade e eficácia jurídica. Caso haja alguma irregularidade no processo ou má-fé de um dos contratantes, o negócio é declarado nulo ou anulável, para favorecer aos envolvidos, maior segurança jurídica e proteção à real vontade destes.

Em suma, o negócio jurídico proporciona segurança aos indivíduos que regem uma sociedade, nas relações de uns com os outros, para que seus reais interesses sejam realizados e, por isso, é fundamental para que haja, no âmbito jurídico, validade e eficácia.

3 CONCLUSÃO

A doutrina e a jurisprudência elucida que a doação possui natureza contratual e surge com a obrigação do doador em entregar a coisa de forma não onerosa ao donatário.

A partir da análise da tricotomia do negócio jurídico percebe-se que há para um contrato ser válido ele precisa perpassar pela verificação da existência, validade e eficácia.

Assim, ao ser realizado um contrato com uma pessoa absolutamente incapaz, nota-se que há uma nulidade contratual. Diante disso, em muitas ocasiões, pessoas se aproveitam desses indivíduos para conseguir vantagem e é nesse ponto que o presente trabalho se importou em analisar.

O caso concreto analisado foi de um sujeito absolutamente incapaz, por sofrer de uma enfermidade mental. Tal situação o levou a “doar” seus bens à Igreja Universal do Reino de Deus, a qual sofreu condenação pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, devendo ser ressarcido desde 1996, além dos danos morais.

Portanto, percebe-se total coerência do Tribunal ao considerar os atos do incapaz nulos e condenar a Igreja a ressarci-lo devidamente.

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Sobre as autoras
Juliana Zaganelli

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito de Vitoria (FDV). Cursou um período da Faculdade de Direito pela Universidad Castilla La-Mancha (Cuenca, Espanha), por conta de um convênio bilateral entre a FDV e a UCLM (Agosto de 2011/Janeiro de 2012). Estudou Direito Internacional Privado pela The Hague Academy of International Law. Participou do "Doctoral Networking Sessions" of the Hague Academy of International Law. Membro do Grupo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Políticas Públicas, Direito à Saúde e Bioética, coordenado pela Professora Dra. Elda Coelho de Azevedo Bussinguer.

Cristina Pazó

Doutora em Direito na Universidade Gama Filho. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Titular da Universidade Federal da Grande Dourados. Membro do Grupo de Pesquisa Direito, Sociedade e Cultura pela Faculdade de Direito de Vitória.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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