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Possibilidade de a Fazenda Pública requerer falência de contribuintes

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12/09/2003 às 00:00
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2ª CORRENTE: ADMITINDO A POSSIBILIDADE DO REQUERIMENTO

A Fazenda Pública, como já demonstrado anteriormente, goza de privilégio, colocando-se à sua frente tão somente o crédito trabalhista.

Desta forma, sendo ela privilegiada, alguns doutrinadores como Amador Paes de Almeida, entendem que a Fazenda não está sujeita às restrições do art. 9º, III, b, da Lei de Falências, qual seja a renúncia do credor com garantia real ao seu privilégio, para a propositura da ação de falência.

Compreende, esta parcela da doutrina, "que nada impede a Fazenda Pública de requerer a falência do contribuinte, por débitos fiscais, desde, obviamente, que o contribuinte seja comerciante" [10], intentando o revestimento de liquidez do crédito fiscal, quer com fundamento no art.1º, caput, da Lei de Falências, quer nos termos do art. 2º deste mesmo diploma, sem renunciar ao seu privilégio que, permanece íntegro e intocável.

Alegam tal liquidez ser decorrente da inscrição da dívida (art. 202 do CTN), enquanto a certidão da inscrição, habilita a Fazenda Pública a ingressar em juízo.

Corroborando a liquidez do título executivo, preceitua o artigo 204, do Código Tributário Nacional, verbis: "A dívida ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova preconstituída".

Corroborando o entendimento elencado, o Ilustre doutrinador Amador Paes de Almeida se posicionou sobre o assunto: "Atendidos os pressupostos mencionados, dúvida não pode haver quanto à faculdade de a Fazenda Pública requerer a falência do contribuinte comerciante, uma vez que atendidas plenamente as exigências do art. 1º da Lei Falimentar.". [11]

Intentam o preenchimento dos requisitos descritos no art. 1º da Lei Falimentar, com base também no artigo 204 do CTN, onde assim, possibilitaria o requerimento por parte da Fazenda da falência do contribuinte comerciante.

Como o crédito fazendário pode ser reclamado no processo falimentar e se a lei só considera legítimos para fundamentar um pedido de falência os créditos que não possam na mesma reclamar (Decreto-Lei 7.661/45, art. 1º, § 2º), resulta claro que a Fazenda Pública é parte legítima para pedir em juízo a falência de seus devedores. Como aduzido acima, a certidão de dívida ativa é título hábil que legitima a execução, portanto, preenche os requisitos do art. 1º da Lei Falimentar.

Com base no artigo 9º, inciso II, letra b do Decreto-Lei 7.661/45, que restringe a renúncia do privilégio, àquele que pedir a quebra, somente ao credor com garantia real, não se admitindo interpretação extensiva, a Fazenda Pública, para peticionar a falência de seu devedor, não precisaria renunciar ao seu privilégio e nem provar que os bens do seu devedor são insuficientes para a solução do crédito tributário.

Desta forma, somente o credor possuidor de garantia real é que, para o requerimento de falência de devedor, terá de renunciar à referida garantia ou provar que os bens não são suficientes para solução do seu crédito.

A Lei de Falências usa a expressão "credor com garantia real", ou seja, os hipotecários, pignoratícios e anticréticos. Assim, particularizada a natureza do privilégio, afastou-se expressamente a hipótese de inclusão, nesta categoria, dos privilégios pessoais.

Neste sentido, assim decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Agravo de Instrumento nº 217.658, verbis:

"A Fazenda do Estado, embora com o privilégio que lhe é reconhecido por lei, não é credora com garantia real. Conforme o ensinamento de Miranda Valverde, o citado dispositivo legal não abrange os privilégios pessoais. Tais credores podem, assim, requerer a falência do devedor, sem que fique prejudicado o privilégio, que só depois dela decretada, adere ao seu crédito (Comentários à Lei de Falências, 3ªed., vol. 86, pág.118). No mesmo sentido o entendimento de José da Silva Pacheco, para quem os credores privilegiados podem requerer a falência (Processo de Falência e Concordata, 2ª ed.,vol 1, pág.270).

Ao tratar do problema da competência, Miranda Valverde admite expressamente a possibilidade da Fazenda Pública requerer a falência de um seu devedor (ob. Cit, vol.1, pág. 103). Também José da Silva Pacheco, que apenas discorda de Valverde no tocante ao foro privativo da União".

Ademais, observa esta parcela doutrinária, que inúmeras vezes a Fazenda Pública não logra êxitos em suas cobranças e isto porque não consegue efetuar a penhora em bens dos citados contribuintes por insuficiência dos mesmos.

Nesse sentido, no intuito de preservar a Fazenda de sonegadores de impostos, a jurisprudência pátria possui alguns julgados consentindo com o requerimento da falência por parte do Fisco, como no Agravo de Instrumento nº 26.466, julgado em 25/08/76 – TJRS.

Por este motivo, muitas vezes, o único modo de cessar o inqualificável comportamento tributário do contribuinte comerciante para com o Erário, seria a completa cessação das atividades de tais fraudadores.

Intentam os defensores desta corrente doutrinária, como o advogado Renan Kfuri Lopes, que "o título executivo constitui título de crédito circundado por obrigação líquida que enseja o manuseio da ação executiva fiscal, satisfazendo ao artigo 10, caput, da Lei de Falências". [12]

Com a falência requerida pela Fazenda, os créditos da Requerente vencidos e vincendos, exigíveis no decurso do processo de falência, classificar-se-iam como encargos da massa falida.

Ademais, não admitem os defensores da corrente em comento, o argumento de que as cobranças das dívidas da Fazenda somente operam-se pela via executiva, não podendo, desta forma,o Erário se utilizar da falência como veículo para as suas reivindicações. Alegam a improcedência deste argumento pelo fato de que o art. 1º do Decreto-Lei 960/38 preceitua que a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública "será feita por ação executiva, na forma desta lei", inexistindo neste decreto ou em qualquer outro diploma legal, dispositivo no teor de que tal cobrança só se faça por via executiva. Ademais, o artigo 1º da Lei de Falências exige precisamente que "legitime ação executiva" o título que consta obrigação líquida, cujo não pagamento, no vencimento, propicia o pedido de falência.

Não obstante o entendimento de que é possível que a Fazenda requeira a quebra, os doutrinadores de ambas correntes não divergem com relação a um ponto, qual seja, a necessidade de se continuar com as funções do contribuinte, colaborando assim, com sua função social, entrando, os próprios defensores da possibilidade do requerimento da falência pela Fazenda em contradição com os argumentos embasadores da tese defendida.


CONCLUSÃO

O cumprimento das obrigações por parte do devedor sempre foi uma preocupação da humanidade. Para tanto, desde o direito quiritário (no Direito Romano), procurou-se formas coercitivas para fazer o devedor cumprir suas obrigações.

Na tentativa de resguardar os direitos do credor, a legislação pátria procurou formas coercitivas para tal cobrança, onde, inicialmente, o próprio devedor respondia pela obrigação, na forma de execução pessoal, onde poderia o mesmo ser privado de sua liberdade. Com o passar dos tempos, bem como a evolução do próprio Direito, esta responsabilidade passou a recair sobre os bens do devedor, regra esta, que vigora até os dias atuais.

Em face da situação econômica em que se encontra a sociedade mundial, tem perdurado uma doutrina de menor coercibilidade nos atos da própria cobrança, isto porque, muitas vezes a impontualidade no cumprimento de obrigações não se dá por vontade do devedor, mas sim, atos que o envolvem, ou até mesmo, alheios à sua vontade.

Neste sentido tem sido várias decisões judiciais, onde julgadores de requerimentos de falências têm emitido pareceres contrários à mesma, face à grande dificuldade que um comerciante tem em se recuperar de um processo falimentar.

Ademais, como a maioria das falências tem gerado a "morte" do devedor comerciante, a doutrina atual prima por outros meios de obtenção de seus créditos. Isto porque, com a paralisação do devedor, o mesmo jamais poderá tentar reerguer-se, bem como gerará desemprego e não mais recolherá impostos aos cofres públicos.

Sem o recolhimento de tributos, a "máquina administrativa" não funciona e a falta de empregos requer um grande investimento do Estado a fim de evitar as privações que tal situação acarreta sobre a vida do povo.

Atualmente, existe uma presunção juris tantum favorável à empresa devedora para que o juiz conceda a medida de reorganização, [13] a não ser que as provas sejam cabais em demonstrar a inviabilidade econômica da empresa.

Mesmo superado o intuito de preservação da empresa que se encontra impontual com seus credores, a falência não pode ser considerada como meio de cobrança de crédito, visto importar um desvio da função específica da Lei de Falências, o que, conseqüentemente, acarreta constrangimento ilícito àquele comerciante.

Ressai hialino, após todo o elaborado, que em nenhuma linha sequer, a Lei de Execuções Fiscais ou o Código Tributário Nacional traçaram um perfil legitimando a Fazenda Pública para reclamar a falência do contribuinte devedor. [14]

Ressalte-se o atual entendimento doutrinário e jurisprudencial, no sentido que seria primordial que a empresa continuasse com suas atividades profissionais, primando pelo princípio do "soerguimento das empresas", manutenção do seu patrimônio, com o atendimento da produção e da preservação do trabalho, o que conclui para os fins sociais e o bem comum. Neste sentido é o que apregoa o Projeto de Lei nº 4376/93, que dispõe sobre falências e concordatas, e que, se editado, substituirá o Decreto-Lei nº 7661/45 e a legislação subseqüente que regem a matéria, claramente vinculado ao sistema francês, a começar pelas denominações dos institutos, recuperação judicial e liquidação judicial.

Tal entendimento, de recuperação empresarial, vem a confirmar a impossibilidade de a Fazenda Pública requerer a falência de um contribuinte comerciante, face à tendência universal. Nestes termos é o que ensina o Ilustre José da Silva Pacheco ao dizer que "verifica-se que a tendência, neste campo, será também, para a busca de soluções amigáveis, para a continuação da empresa, a manutenção do emprego e o prosseguimento da produção competitiva, deixando a falência ou liquidação do patrimônio para os casos em que não haja possibilidade de recuperação". [15]

No mesmo diapasão, a mensagem nº 1014, de 21/12/93, [16] confirma o entendimento de que seria impossível a Fazenda Pública requerer a falência de um contribuinte, uma vez que, seu tópico 14 recomenda que "de acordo com o princípio da unidade do juízo falimentar, todos os créditos devem ser verificados da mesma forma, ainda que tenham preferência. Executam-se os créditos trabalhistas e tributários anteriores à decretação da falência, cujo valor se apurará respectivamente na Justiça do Trabalho e no órgão de competência para esse fim." [17]

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Assim, é o entendimento majoritário que deve prevalecer, no sentido de que falta à Fazenda Pública legitimidade ad causam para efetivar esta pretensão, quer no aspecto legal, como e principalmente, no moral.


NOTAS

01. Amaury Campinho.Manual de Falências e Concordatas. 7ª Ed. Lumen Juris.2001. pg1

02. J.C. Sampaio de Lacerda. Manual de Direito Falimentar.14ªEd. Freitas Bastos Editora. Pg 28

03. Trajano de Miranda Valverde.Comentários à Lei de Falências. Vol.1.4ªEd. pg 43

04. Trajano de Miranda Valverde.Comentários à Lei de Falências.4ªEd.Revista Forense. Pg 44

05. Trajano de Miranda Valverde. Comentários à Lei de Falências.4ªEd. Revista Forense. Pg.45

06. Trajano de Miranda Valverde.Comentários à Lei de Falências.4ªEd.pg.50

07. Carvalho Neto.Tratado das Defesas Falimentares.Vol II. 1967. pg 81

08. Coelho, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário Brasileiro, ed Forense, 1999, p. 754

09. Sacha Calmon. Publicação do Jornal Estado de Minas do dia 07/03/96

10. Amador Paes de Almeida, Curso de Falência e Concordata, 10ª ed, 1991, Saraiva, pág. 59.

11. Amador Paes de Almeida.Curso de Falência e Concordata.Saraiva.10ª Ed. 1991. p.59

12. Artigo retirado na Internet. Site www.falência.com.br escrito pelo advogado Renan Kfuri Lopes

13. Constitui em um procedimento judicial que visa sanear financeiramente a empresa, mantendo sua atividade funcional.

14. Artigo retirado na Internet. Site www.falência.com.br escrito pelo advogado Renan Kfuri Lopes

15. José da Silva Pacheco, Processo de Falência e Concordata, 9ª ed, 1999, pág.8.

16. Mensagem de envio, ao Congresso Nacional, do Projeto de Lei nº 4376/93, para deliberação.

17. Tópico 14 da Mensagem nº 1014, de 27/07/93, assinada pelo Ministro da Justiça Maurício Corrêa.


BIBLIOGRAFIA

Almeida, Amador Paes de. Curso de Falência e Concordata. 10ª Ed. Saraiva. 1991.

Führer, Maximilianus Cláudio Américo. Roteiro das Falências e Concordatas. 15ª Ed. Revista dos Tribunais. 1998.

Valdere, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1º Vol. 4ª Ed. Revista Forense. 1999.

Andrade, Jorge Pereira. Manual de Falências e Concordatas. 5ª Ed. Atlas. 1996.

Requião, Rubens. Curso de Direito Falimentar.1º Vol. 12ª Ed. Saraiva. 1998.

Ruiz, Manoel Olivência. La reforma Del derecho de quiebra. Espanha: p.122. Apud Abrão, op. Cit.p. 32.

Lacerda, J.C. Sampaio de. Manual de Direito Falimentar. 14ª edição. Freitas Bastos Editora. 1999.

Campinho, Amaury. Manual de Falência e Concordata. 7ª Edição. Editora Lúmen Juris. 2001.

Ramalho, Ruben. Curso Teórico e Prático de Falência e Concordata. Saraiva. 1984.

Bastos, Celso Ribeiro de. Curso de Direito Constitucional. Saraiva. 1980.

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Sobre o autor
Jardel Meireles Leão

advogado em Belo Horizonte (MG), especialista em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEÃO, Jardel Meireles. Possibilidade de a Fazenda Pública requerer falência de contribuintes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 71, 12 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4244. Acesso em: 25 nov. 2024.

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