O lúdico e o poder: uma reflexão crítica acerca da educação lúdica nas organizações

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Este artigo a relação existente entre o lúdico e o poder, objetivando fundamentar a reflexão crítica da Educação lúdica nas organizações.

É necessário, num primeiro momento, destacar a dificuldade de se refletir acerca de tal questão. Ela é tão ampla e complexa que foi impossível deixar de considerar aspectos aparentemente não relacionados a ela. Desta forma, a sua construção alcançou uma característica mais ampla das relações contemplando não somente as relações de poder, bem como considera a educação lúdica como a aprendizagem de determinada atitude lúdica na atuação profissional. Ambas, as relações de poder e educação lúdica, estão subentendidas em todas as considerações feitas, não sendo destituídas de suas complexidades.

A questão por mim escolhida, como lidar com a relação de poder na educação lúdica, bem poderia ser, facilmente, o tema de uma dissertação de Mestrado. Alguns conceitos seriam, inevitavelmente, considerados, como poder, organizações (tipos e características), sem falar da Educação Lúdica e a que tipo de intervenção ela está servindo. São tantas variáveis, que qualquer resposta menor, que não as considere, inevitavelmente estaria incompleta.

A primeira atitude que se faz necessária, portanto, é fazer um pequeno recorte, como também certa transformação na natureza desta partilha (o que justifica o título). Proponho que seja renomeada reflexão crítica e que o aspecto central aqui tratado seja sobre como lidar com a relação de poder nas intervenções pontuais em organizações, mais especificamente consultorias e/ou treinamentos. Esta delimitação desemboca na segunda questão proposta pelo nosso grupo: como, por onde e pra quem entra a educação lúdica nas organizações. Para mim, no entanto, acabei passando pelas quatro questões apresentadas pelo grupo

As “organizações” abrangem uma grande amplitude de possibilidades de estruturas. Podem ser públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, podem se prestar a fornecer de educação e saúde a utensílios domésticos e apartamentos. E, a depender de sua natureza e razão social, pode se caracterizar por diferentes culturas, climas que marcariam um uso diferenciado do poder ou formas diferenciadas de administração, gestão.  E é na administração da organização que se centrará a argumentação desta reflexão.

Uma organização não existe sem pessoas. Seus valores e ideologias, seu comportamento, seu clima, suas regras todas são constituintes das e constituídas pelas pessoas que a “animam”, os chamados recursos humanos. E estas pessoas, bem como a organização da qual fazem parte, são, por sua vez, constituintes da e constituídas pelo grupo social do qual fazem parte, logo, são frutos, também, de determinada época e local.

Sua dinâmica acompanha a própria dinamicidade dos grupos humanos e, por que não, do próprio humano. Por isso, há relativamente poucos anos era muito natural que as mulheres não ocupassem cargos de chefia e que fossem rejeitadas ou demitidas por gravidez, que os negros, deficientes físicos e mentais sofressem o mesmo tipo de tratamento. Que as pessoas fossem demitidas sem maiores explicações, que fossem submetidas a cargas horárias abusivas de trabalho. Que uma empresa pudesse chegar em determinada região e comunidade e agir independente dos prejuízos ambientais e sociais que ocasionasse.

E que hoje, seguindo, como grande maioria das organizações dos diversos estados nacionais, a declaração dos direitos humanos e outros tratados internacionais que proponham diretrizes que determinem as formas de intervenção no meio ambiente e do tratamento dos animais, evite agir contrário ao politicamente correto vigente. Não só porque é o “certo” da atualidade, mas porque a imagem de uma organização, nesta realidade globalizada, com as barreiras espaciais e temporais encurtadas pode ser o diferencial que leve a sua derrocada ou ao seu sucesso.

Toda esta humilde tentativa de compreensão das dinâmicas sociais e culturais, portanto, também, das interações homem-sociedade, homem-organização, organização-sociedade, servem para a conclusão, primordial para esta reflexão crítica, que se segue: as organizações, como as pessoas, são contextualizadas, são caracterizadas pelo espaço e tempo que habitam, são dinâmicas, mutáveis e diversas.

As relações de poder de determinada organização são derivadas, portanto, de sua cultura, sua razão social e opção administrativa. E, considerando as diferenças entres esta, cabe ao educador lúdico, antes de qualquer intervenção, compreender quais regras regem a dinâmica da organização na qual irão atuar, que interesses estão envolvidos (implícitos e explícitos), quais problemas se apresentam e porque existem. A partir deste “diagnóstico” inicial, orientar sua prática ou orientar seus “contratantes” acerca dos passos a seguir.

É neste momento que minha questão se encontra com a questão seguinte: a atuação de determinado educador lúdico deverá ser orientada pela demanda apresentada (e também pelas demandas reprimidas dentro desta demanda central) e considerar os diferentes sujeitos envolvidos nesta. O demandante, o chefe ou líder, pode estar mais compromissado ou não com os interesses dos seus subordinados ou liderados e, muito provavelmente, deverá ter como meta reorganização ou melhoria do processo de trabalho com intuito de maior ou melhor produtividade.

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É, em minha opinião, neste passo inicial, que será confrontada a questão das relações de poder e uma boa compreensão desta é indispensável para uma intervenção efetiva e duradoura. Esta atitude, de tentar apreender os interesses de ambas as partes e buscar uma forma de aliar estes, é indispensável ao Educador Lúdico.

São Tomás de Aquino, em seu tratado sobre o brincar, versa sobre os vícios e virtudes do brincar. Numa consideração, que me remeteu a uma atitude antropológica ou empática nas relações com o outro (que aqui pode se considerar uma pessoa, uma organização ou mesmo sociedade e cultura), associa a positividade e a negatividade do brincar ao ato de ouvir e dizer. Vou me apropriar deste ouvir e dizer e colocá-los como as ações interacionais de agir sobre o outro e deixá-lo agir sobre nós, indispensável ao atuar lúdico, uma vez que este depende, para sua efetividade, da ludicidade de cada um.

Compreendendo que uma organização, como um organismo, busca um estado de equilíbrio, “ser saudável”, para uma boa intervenção é necessário que promova um interagir saudável. Esta interação depende de que os sujeitos envolvidos, dentro do aqui e agora que vivenciam, possam usufruir da possibilidade real de se transformar ao mesmo tempo em que transforma sua realidade.

O trabalho com o lúdico, pelo observado durante as aulas da pós, nos exemplos apresentados, funciona como uma brincadeira de dramatizar. A partir do brincar, vivencia-se de maneira simulada, divertida e plena as interações reais e este novo ponto de vista, permite um insight do seu agir e do agir do outro, gerando a compreensão transformadora, a aprendizagem significativa de novos conteúdos. Portanto, a Educação Lúdica, possui, como diz o dito popular, a faca e o queijo nas mãos, basta saber usá-los, usar sua própria ludicidade.

Emerson Elias Merhy, um estudioso da área da saúde, afirma em suas produções, que uma boa intervenção é aquela em que se permite que o ator principal não seja simplesmente a bagagem de técnicas e instrumentos de que o profissional dispõe, mas sim a pessoa ou, neste caso, a organização que busca o seu serviço (cabe aqui lembrar o exemplo que foi dado pelo próprio José Ricardo Grilo durante as aulas da pós, em que foi advertido quanto a não ter atendido de fato a necessidade de seu contratante). O olhar atento, a humildade de se permitir ser orientado pela realidade na qual irá atuar e criar em função desta sua ação garantiria que sua intervenção fosse não só efetiva, como duradoura.

José Pacheco, da escola da Ponte, afirma algo similar, quando diz que não acredita em modelos. Respeitar, pois, as características e demandas locais da organização é o que garantiria uma prática efetiva, na qual pudesse transformar as relações dentro desta e promover o aprendizado a partir do lúdico, orientado pela ludicidade. As relações de poder próprias de cada organização, desta maneira, seja ela extremamente hierarquizada e burocratizada, ou com distribuição horizontal do poder decisório, não se constituirão barreiras e sim matéria-prima para o educador lúdico.

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Sobre a autora
Marília de Azevedo Alves Brito

Psicóloga. Docente do Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FTC), Campus Vitória da Conquista. Especialista em Ludicidade e Desenvolvimento Criativo de Pessoas pela Unyahna/Transludus. Mediadora Judicial de Conflitos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Instrutora em Mediação Judicial de Conflitos (em formação) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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