Corrupção e fraude nas relações de trabalho

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04/09/2015 às 18:29
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Pela dificuldade de se levantar prova e para não ter o nome da empresa envolvido em escândalos optava-se por esconder os desvios. Mas, com a expansão da economia e preocupação com a concorrência, passou-se a acompanhar com mais rigor esse tipo de falta.

I – Corrupção e fraude nas relações de trabalho

1. Prática de fraudes no mercado de trabalho

A imprensa[1] tem noticiado casos de corrupção e fraude praticadas por empregados contra seus empregadores. Em geral a título de suborno típico, mas  há casos em que o agente desenvolveu táticas mirabolantes. Por exemplo, diretor de investimentos industriais, detentor de informações sobre locais em que a empresa iria se instalar, comprava terras em nome de "laranjas", esperava sua valorização e revendia à própria indústria.

Numa fábrica de cosméticos, supervisor alterou endereço de entrega de mercadorias solicitadas por vendedoras para que fossem remetidas à casa de seus comparsas, desviando mais de dois milhões de reais[2].

Em outra situação inusitada, empregado de telefonia, chefe de serviço de atendimento, alterava nomes de clientes no cadastro incluindo palavrões entre seus sobrenomes. Esses clientes agiam em conjunto com o empregado: munidos da fatura, com respectivos nomes alterados, processavam a empresa, alegando indignação. Lucro obtido com a indenização era dividido entre o empregado e os supostos clientes[3].

Há casos em que desvios somaram 40 milhões de reais. A situação não é nova nem exclusividade do Brasil. Na Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos, a prática vem ocorrendo com frequência. Nos EUA, o problema, que envolve fraudes no mercado de ações, é investigado até pelo FBI[4]:

“Segundo estimativas oficiais do FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, empresas americanas veem escorrer para o bolso de funcionários desonestos e seus comparsas 400 bilhões de dólares por ano, mais da metade do PIB brasileiro. As estatísticas são menos precisas no Brasil, mas calcula-se que o prejuízo anual das companhias privadas atinja várias dezenas de bilhões de dólares. A impunidade, outro perverso subproduto da corrupção estatal, é ainda mais presente no mundo das empresas privadas.”

2. Corrupção e fraude: responsabilidade trabalhista

Boa parte desses ilícitos é praticada por empregados que têm acesso a informações privilegiadas da empresa; em geral, executivos, altos empregados, os que, em termos juslaborais, exercem altos poderes de mando e gestão.

Diante das dificuldades de se levantar provas sobre esse tipo de ilícito, principalmente para não ter o nome da empresa envolvido em escândalos, grandes empresas brasileiras, diante da descoberta de delito envolvendo corrupção, preferiam adotar procedimento clássico[5]: “esconder os desvios, com base na convicção de que sua revelação prejudicaria a imagem da companhia.”

Com a expansão da economia e preocupação com a concorrência, empresas passaram a acompanhar com mais rigor esse tipo de prática. Empresários de São Paulo e Rio de Janeiro se reuniram para desenvolver cartilha antifraudes, sendo principais premissas[6]: “fiscalização contínua, tolerância zero com corruptos, colaboração com órgãos de investigação e incentivo a boas condutas.” Atualmente, empregados que adotam conduta delituosa são sumariamente demitidos.

Mecanismos de controle para apuração de fraudes e corrupção são vários e o mais utilizado é monitoramento por vídeo, Internet e telefonia. Outra prática é a premiação de empregados que contribuem para a descoberta de irregularidades, com a finalidade de criar cultura de indignação com atos ilegais.

A ideia é conscientizá-los de que o dinheiro furtado não é prejuízo apenas para o patrão, mas aos próprios empregados, pois comprometem os salários em razão dos prejuízos sofridos pelo desfalque causado por maus empregados.

Não há dúvida sobre a importância de se criar no âmbito da empresa um Código de Ética. Contudo, há meios jurídicos tradicionais para resolver esse problema. No que interessa mais diretamente ao âmbito trabalhista, a consequência para o empregado que se envolve em atos de corrupção ou fraudes, devidamente provados, é a penalidade máxima: demissão por justa causa.

Esses ilícitos, aliás, são caracterizados por ato único[7], não exigindo sanções precedentes. Significa dizer: fundamentada a alegação de falta cometida, a dispensa por justa causa deve ser imediata. 

O delito em questão não envolve somente o âmbito trabalhista, mas crimes, como, por exemplo, os previstos no Título II, do Código Penal, “Dos Crimes Contra o Patrimônio”. E são vários: furtodanoapropriação indébitaestelionato, inclusive os ligados às sociedades por ações e os crimes contra a Administração Pública (respectivamente, arts. 177 e 312, do Código Penal). Sem prejuízo de indenizações referentes à responsabilidade civil, isto é, empregados que cometem tais delitos devem indenizar o empregador por danos.

3. Delação premiada no âmbito trabalhista

A delação premiada[8], conquanto possa encontrar respaldo ético, dependendo do ângulo que se a enfoque, a acusação indevida, engendrada por companheiro de trabalho, é de responsabilidade do empregador, nos termos do artigo 932, III, Código Civil[9].

A figura jurídica da delação premiada vem sendo criticada pela doutrina penal, como explica Ronaldo Batista Pinto, porque apoiada na traição, deslealdade e mentira, valendo-se o Estado de meios imorais para efetivar a justiça criminal, o que demonstraria, quando menos, sua ineficiência. Porém, como indica o mesmo autor, é um dos meios efetivos de se combater a criminalidade[10].

O fato é que se o empregado acusa indevidamente o colega de trabalho, eventualmente para obter premiação, a carga indenizatória recairá sobre o empregador.

Não está descartada a hipótese de o delator cometer crimes de calúnia ou difamação, previstos respectivamente nos artigos 138 e 139 do Código Penal.

A medida não tem previsão expressa na legislação trabalhista, mas pode ser objeto de contrato, inclusive mediante Código de Ética criado pelo empregador (regulamento de empresa).

Dispositivo desse jaez causa estranheza porque é diferente, por exemplo, da delação para efeitos penais, em que, no geral, o delator age para “salvar a própria pele”. No caso trabalhista ganha outro tipo de conotação.

4. Responsabilidade contratual pela prática de fraudes

Corrupção, no sentido léxico, significa: s.f. Ação ou efeito de corromper, de fazer degenerar; depravação. Ação de seduzir por dinheiro, presentes etc., levando alguém a afastar-se da retidão; suborno.

Fraude: s.f. Todo artifício empregado com o fim de enganar uma pessoa e causar-lhe prejuízo. A fraude traduz a intenção de procurar uma vantagem indevida, patrimonial ou não. O Código Penal Brasileiro, nos artigos 171 e seguintes, prevê diversas modalidades de fraude, comparáveis ao estelionato.

Ambos os termos, embora comumente utilizados no universo empresarial – sendo a corrupção mais relacionada a delitos cometidos por funcionário público[11] –, não são usuais no âmbito trabalhista, do ponto de vista jurídico, porque no Direito Privado a figura se enquadra na violação da lealdade contratual, isto é, na afronta ao princípio da boa-fé objetiva, conforme artigo 422 do Código Civil.

Dever de lealdade, decorrente do princípio da boa-fé, é comum a todos os contratos. Conforme Alice Monteiro de Barros[12],“os atos de improbidade traduzem obtenção dolosa de uma vantagem de qualquer ordem”. Vantagem que se caracteriza pela má-fé, por violação do elemento confiança.

Objeto contratual protegido é relativo ao patrimônio, em sentido amplo, abrangendo bens materiais e imateriais[13], que não se restringem ao empregador. Pode ocorrer, por exemplo, de o empregado furtar objeto de colega de trabalho, o que, também, lhe dá a característica de ímprobo[14], fundamento para a penalidade trabalhista[15].

Quanto aos elementos da falta, devem estar presentes o material e o intencional, respectivamente, atentado aos bens do empregador e ato intencional do empregado, isto é, sua desonestidade; daí divergir a doutrina entre teoria subjetiva e objetiva[16].

Para a corrente subjetivista, prepondera o elemento intencional: qualquer prática que denote intenção do empregado caracteriza a improbidade, ainda que não resulte em dano. Para os objetivistas, ao contrário, deve haver efetivo dano[17].

4.1. Corrupção e fraude: ato de improbidade e demissão por justa causa

Enquanto fundamento para demissão por justa causa, a espécie se enquadra no artigo 482, “a”, da CLT.

Improbidade é a conduta faltosa que cause dano ao patrimônio do empregador, terceiros, ou mesmo companheiros de trabalho; objetivo é alcançar vantagem para si ou para outrem. É ato desonesto, imoral, antiético.

Para configuração dessa falta, doutrina tradicional exigia elemento dolo[18]. Entendimento de acordo com a construção jurisprudencial acerca do art. 462 da CLT: responsabilização do empregado só é válida se este agiu com culpa grave ou dolo[19]; fora disso, o agir estaria inserto nos riscos do negócio (princípio da alteridade).

Considerando que essa falta é caracterizada pela má-fé, por ato desonesto, está completamente dissociada da assunção dos riscos do negócio pelo empregador. É contrária ao próprio desenvolvimento da atividade empresarial.

Por suas características, a culpa dificilmente poderia ser considerada fundamento da improbidade trabalhista. Na lição de Carlos Roberto Gonçalves[20]: imprudência é o agir sem cautelas necessárias; negligência, a falta de atenção, deixando o agente de prever resultado que podia e devia ser previsto; imperícia, a inaptidão técnica, falta de conhecimentos para prática de ato, ou omissão quanto à providência necessária para evitar dano.

Em algumas figuras penais correlatas à espécie, especialmente no concurso de pessoas (p. ex., peculato culposo art. 312, § 3º, do Código Penal), poderia, em tese, haver elemento culpa. Dependerá do caso concreto e da viabilidade de se considerar para a falta trabalhista conceitos e institutos de direito penal[21].

“O ilícito trabalhista – atos faltosos – não se confunde com o ilícito penal – crimes e contravenções –, pois os pressupostos da justa causa são menos rigorosos do que os do crime. Assim, se todos os crimes contra o patrimônio praticados pelo empregado constituem  improbidade, o inverso não é verdadeiro: nem todos os atos de improbidade configuram crime. Não obstante possa haver justa causa de improbidade sem que se caracterize o crime, o fato é que, na prática, o comportamento faltoso do empregado tem também, na grande maioria dos casos, todos os aspectos da ação criminosa.”[22]

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Exemplo típico de improbidade: empregado vende produto para cliente do empregador, por preço abaixo da média do mercado, em detrimento de outras ofertas vantajosas lançadas por outros clientes, recebendo pagamento ou brinde concedido pelo comprador que se beneficiou. Há vários outros exemplos: furto ou roubo de produto do empregador, falsificação de documentos (inclusive atestados médicos), etc.

Diante da complexidade que normalmente envolve esse tipo de falta, circunstâncias que a cercam devem ser consideradas em conjunto, que, conforme o caso, podem obstar a despedida mesmo havendo evidência da conduta ímproba do empregado. “O furto famélico pode ser bem tomado como exemplo disso[23].

4.2. Demissão por justa causa e ônus da prova

Nos casos envolvendo corrupção ou fraude, as empresas estão enveredando diretamente para a penalidade máxima trabalhista. Contudo, é preciso se tomar cuidado com esse tipo de medida, pois enseja prova robusta.

Ônus da prova sobre falta grave cometida pelo empregado é do empregador. Trata-se de fato extintivo do direito: “a prova das alegações incumbe a quem as fizer” (artigo 818 da CLT).

Na aplicação da justa causa toda cautela é necessária porque graves as consequências dessa penalidade, que, não raro, deixa marcas na vida profissional do empregado.

A justa causa deve estar bem fundamentada em fatos e provas, sob pena de não ser reconhecida pelo Poder Judiciário e, conforme o caso, com negativas consequências ao empregador; p. ex., ser condenado por danos morais em razão de acusação indevida.

Não é a dispensa pura e simples que enseja pleito indenizatório reverso, mas a sanção infundada, destituída de prova, lançando o acusado à execração pública ou mesmo causando mácula em seu foro íntimo.

5. Responsabilidade civil pela improbidade do empregado

Além da responsabilidade trabalhista, o empregado que agir com improbidade pode ser condenado a reparar civilmente o empregador, conforme art. 186 do Código Civil.

Como assente na jurisprudência, o empregado só pode ser responsabilizado civilmente, nos termos do art. 462 da CLT, se agir com culpa grave, que é equipada ao dolo.

Como é característica desse falta o dolo, a possibilidade de o empregado ser responsabilidade por dano causado ao empregador é iminente.

Pode haver, inclusive, reparação por prejuízo que o ato tenha causado a pessoas fora do âmbito contratual, pois o contexto da improbidade envolve responsabilidade também em face de terceiros[24] (art. 932, III, o Código Civil).

O empregado não estaria coberto, nesse caso, pelo manto da alteridade, porque esse tipo de ilícito ultrapassa completamente o âmbito de responsabilidade do empregador pelos riscos do negócio. 

II – Monitoramento do empregado para apuração de fraudes

1. Direito à privacidade do empregado

Monitoramento das atividades do empregado, por vídeo, Internet ou telefonia, está ligado ao direito de intimidade e privacidade, conforme artigo 5º, X, da Constituição Federal. Aliás, nos termos do inciso “V”, do mesmo dispositivo, a todo agravo cabe indenização por dano material, moral ou à imagem. Não há previsão expressa na CLT.

Por outro lado, é prerrogativa do empregador fiscalizar atividades do empregado. Trata-se do poder diretivo que a norma lhe confere. O que o Direito não permite é o abuso de direito (art. 187 do CC).

Se o interesse do empregador é regular o desenvolvimento das atividades do empregado – se este utiliza computadores da empresa, p. ex., para assuntos pessoais durante a jornada de trabalho –, é lícito o monitoramento.

O direito à reserva de intimidade (privacidade) impede o empregador de adentrar em aspectos da vida pessoal, familiar e afetiva, do trabalhador. Se o empregado está autorizado a usar equipamentos da empresa, para assuntos pessoais, tem direito à confidencialidade de suas mensagens eletrônicas[25].

Por força do poder de fiscalização, o empregador também está autorizado a utilizar meios de vigilância eletrônicos, como câmeras de vídeo, para “controlar o desempenho, o comportamento e a atividade profissional do trabalhador[26].

Empregadores têm monitorado seus empregados com a finalidade de evitar fraudes. Entretanto, para evitar ilegalidade do ato é importante que esse tipo de controle esteja expressamente previsto no contrato[27].

Monitoramento por correio eletrônico (e-mail) é aceito na doutrina e jurisprudência se o equipamento utilizado pertença ao empregador. Por meios audiovisuais, a restrição é para momentos e espaços reservados à intimidade do empregado, no local de trabalho.

Talvez, o monitoramento mais polêmico seja mediante telefonia, porque envolve “escuta telefônica”, em geral feita clandestinamente.

2. Monitoramento e poder diretivo do empregador

A jurisprudência vem se inclinando a admitir possibilidade de monitoramento, com fulcro no poder diretivo do empregador, desde que o empregado tenha prévio conhecimento e o local monitorado seja efetivamente onde se exerça atividades laborais (excluídos, pois, banheiro, vestiários e refeitório)[28].

O poder diretivo em questão é o fiscalizatório, pelo qual o empregador pode acompanhar e vigiar a prestação de serviços; p. ex., controle de portaria, revistas, monitoramento audiovisual e digital, controle de horário e frequência, etc. Esse poder visa ao bom desenvolvimento do processo produtivo, sem o qual sofreria manifestos prejuízos o empregador[29].

Tendo a prerrogativa de dirigir a prestação de serviços, criando regras e impondo disciplina na execução do contrato, para controlar e tornar efetivo o processo produtivo, o empregador pode estabelecer regras ligadas à monitoração do empregado, no ambiente da empresa.

Na prática, maus empregadores utilizam essa prerrogativa “como instrumento de intimidação com o fantasma do desemprego”, como diz Lélia Guimarães Carvalho Ribeiro[30]. Por isso, respeito a direitos fundamentais, notadamente a intimidade do empregado, deve ser o ponto de partida para o exercício da vigilância pelo empregador[31].

Essa reserva não é absoluta. Mesmo porque o empregado, ao firmar contrato de trabalho, abdica de sua autonomia em nome da subordinação inerente a esse pacto e, por extensão, se sujeita ao poder de vigilância que detém o empregador[32].

“Não por acaso o legislador ordinário, português, ao tratar do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, em seu art. 80, n. 2 CC, estabelece: ‘A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas’”[33]. [grifo no original].

2.1. Monitoramento e prova

A jurisprudência vinha reconhecendo, mas o art. 154 do CPC, alterado pela Lei 11.419/06, autoriza expressamente utilização de meios eletrônicos como meios de prova.

A reserva jurídica diz respeito à ilicitude desses meios, isto é, a forma como o empregador os obteve. Não pode, então, utilizá-los se violam direitos fundamentais do empregado.

Quanto ao ônus da prova, o ato é positivo; portanto, fato constitutivo do direito do empregador, cabendo-lhe respectivo ônus. Se o ato é objeto de ação judicial intentada pelo empregado, pleiteando anulação da prática engendrada pelo empregador, ou mesmo indenização por violação do seu patrimônio moral, essa situação não se altera. Alegação de ilícito pelo empregador caberá a este respectivo ônus.

Quanto ao pedido indenizatório formulado pelo empregado, a respeito de violação de sua intimidade, privacidade ou direito à imagem, por se tratar da reserva de direitos fundamentais, mais coerente com o sistema seria recair o ônus da prova também sobre o empregador, ainda que o fato constitutivo do direito seja alegado pelo empregado.

Não tem sido assim na jurisprudência, que resiste até mesmo em reconhecer culpa presumida na violação do direito à segurança e saúde do trabalhador, apesar de decorrer do próprio contrato de trabalho, que, diante da teoria geral da responsabilidade civil, tem a função de inverter o ônus da prova a favor da vítima[34].

Considerando, entretanto, que fraude ou corrupção no agir do empregado podem fundamentar demissão por justa causa, por improbidade, o ônus da prova recairia, de qualquer forma, sobre o empregador, porque assim é na alegação da penalidade máxima trabalhista, conforme consagrado na jurisprudência.

Diante da insuficiência das normas processuais existentes, a doutrina deu novos contornos à distribuição do ônus da prova, resultando no instituto denominado princípio da aptidão da prova.

No processo do trabalho, é o empregador quem tem aptidão para a prova, principalmente pelo controle que detém sobre a execução do contrato: documentação, espaço destinado ao labor, atividades, maquinário, facilidade em convocar testemunhas, custear perícias, etc.

2.2. Espécies de monitoração

Dentre as espécies de monitoração, destacam-se a audiovisual, telefônica (escuta telefônica) e telemática (correio eletrônico e Internet). As três têm sido utilizadas na apuração de fraudes no contrato de trabalho.

Dependerá do ambiente laboral em que a atividade é exercida. Nos ilícitos que envolvam trabalho intelectual, o monitoramento mais comum envolve telemática, já que nesse tipo de atividade a utilização de computadores prevalece sobre as outras.

No trabalho industrial a monitoração mais utilizada é a audiovisual, porque mais corriqueira a atividade manual. Nas telecomunicações, prevalece a telefônica, mas podem ser utilizadas outras formas; sucessivamente, para as outras atividades porque cada situação envolverá um tipo de monitoramento ou todos eles ao mesmo tempo.

2.2.1. Monitoramento telefônico (“escuta telefônica”)

Escuta telefônica é muito utilizada na apuração de fraudes, notadamente nas atividades que envolvam altos executivos, cargos de confiança, pela liberdade contratual que possuem esses profissionais. Dos tipos de monitoração, a escuta é que mais envolve resistência, diante do art. 5º, XII, da Constituição Federal.

A CLT não trata da matéria, de modo que o fundamento legal tem sido a lei 9.296/96, que admite a escuta telefônica[35].

A jurisprudência brasileira tem tolerado a escuta telefônica como meio de prova, desde que autorizada previamente pelo juiz[36].

A questão é se a escuta telefônica deve ser restrita ao ambiente de trabalho. Pensamos que, sim, sob pena de inconstitucionalidade. A situação é a mesma do monitoramento por meios telemáticos: se no caso do correio eletrônico a jurisprudência só o admite se equipamentos utilizados sejam do empregador, o mesmo se diz para o monitoramento telefônico.

Como a hipótese está inserta no poder diretivo do empregador, desnecessária autorização judicial, indispensável apenas em situações excepcionais, isto é, que envolvam escutas em ambientes fora do local de trabalho[37].

O empregado precisa ter ciência prévia dessa monitoração. Contudo, profissionais que atuam nessa área, empresas e profissionais liberais, revelam o quanto pode ser inócuo esse tipo de controle caso o infrator dele tenha conhecimento.

2.2.2. Monitoramento audiovisual

Especialmente na apuração de fraudes na indústria, o monitoramento audiovisual tem destaque. Assim é porque envolve delitos penais mais comuns contra o patrimônio do empregador: roubo, furto, apropriação indébita.

“Os aparelhos de controle mais utilizados nas empresas são os meios audiovisuais, que normalmente servem para captar e gravar as imagens e os sons. Entre eles destacam-se as filmadoras em câmeras de televisão e os circuitos internos que permitem exercer o controle sem ser vistos pelos trabalhadores.”[38]

Câmeras de televisão são importantes na vigilância do empregado. Restrição é para a monitoração clandestina, como as câmeras escondidas, por exemplo.

Para apuração de fraudes, o problema é o mesmo da monitoração por escuta telefônica: se as câmeras estão à vista do possível infrator, este dificilmente praticará o ato. Presta-se, quando menos, como fator preventivo.

Direito fundamental a se proteger, principalmente, é a imagem do trabalhador, também constitucionalmente garantido. Por isso, devem ser observados limites para esse tipo de monitoração: idoneidade, necessidade e proporcionalidade da fiscalização realizada pelo empregador[39].

No cotejamento entre direito de o empregador proteger patrimônio e direito à intimidade e à privacidade do empregado, deve haver equilíbrio, para que um interesse não prepondere sobre outro[40].

2.2.3. Monitoramento por telemática

Monitoramento por telemática utiliza Internet, fixa e móvel, sobretudo correio eletrônico. A restrição envolve a natureza da correspondência ou comunicação por meio digital, se pessoal ou para o trabalho.

Conforme posição dominante, não se caracterizaria correspondência pessoal se remetida mediante computador da empresa. O instrumento utilizado no envio do e-mail, ou informações pela Internet , retira-lhe a característica de pessoalidade, não se lhe aplicando a proteção do artigo 5º, XII, da Constituição Federal.

Falta de prévia comunicação ao empregado sobre essa monitoração, fragiliza juridicamente o fundamento da vigilância. Mas, para apuração de fraudes, o mesmo problema das outras monitorações: ciente o possível infrator sobre o controle, dificilmente utilizará esse meio para cometer fraudes. Por isso, o elemento preventivo, inibidor, traduz melhor a relevância desse controle.

De qualquer forma, a mente humana é capaz de elaborar situações que escapam a análises mais racionais; não é impossível que o infrator, mesmo sabendo que está sendo vigiado, utilize meios telemáticos para praticar atos de corrupção ou fraude, ainda mais se imaginar que meios tecnológicos disponíveis possam camuflar seus atos.

Do mesmo modo que há formas para mascarar práticas ilícitas por métodos tecnológicos, há formas de “desmascará-las” com a própria tecnologia. Daí, também por esse ângulo, a importância da monitoração por telemática, que pode envolver redes sociais, muito utilizadas atualmente pela maioria dos trabalhadores.

3. Monitoramento como fator preventivo às fraudes

Com a nova organização do trabalho, que tem como principal ferramenta equipamentos tecnológicos, o monitoramento eletrônico tem sido crucial. Utiliza-se, inclusive, revista eletrônica dos empregados, sempre objeto de polêmicas, mas admitida pela doutrina desde que não seja abusiva[41].

A jurisprudência do TST, sobre a revista dos empregados, está dividida: há entendimentos no sentido de que seja ilícita porque fere a privacidade do trabalhador, como há posicionamentos considerando-a lícita, desde que respeitados direitos fundamentais[42].

“Nosso entendimento a respeito é no sentido de que, em tese, tem o empregador o direito de proceder a revistas nos pertences dos empregados, sob o fundamento da organização do local de trabalho e resguardo do seu patrimônio. Existe, então, a possibilidade e necessidade de controle”[43].

Como ainda assinala Manus[44], revistas devem ser caracterizadas pela impessoalidade, isto é, em todos os empregados, evitando perseguição a trabalhador determinado; a revista deve evitar expor o trabalhador ao ridículo, a situações constrangedoras.

Dois direitos básicos, então, devem ser respeitados no monitoramento para apuração de fraudes:

a) confidencialidade – especialmente no que diz respeito às mensagens eletrônicas[45];

b) preservação da honra e da imagem[46] do trabalhador, individual e coletiva.

Utilização de equipamentos tecnológicos aumentou exponencialmente o poder de fiscalização do empregador – por Internet, correio eletrônico, videocâmeras, telefonia, webcam, etc. –, repercutindo no comportamento do empregado, causando-lhe, em muitos casos, pressão psicológica e alguns transtornos fisiológicos[47], como a prática tem demonstrado[48].

Uso indevido de monitoramento tem sido notório causador de situações de stress e, consequentemente, doenças do trabalho, como burnout e depressão no trabalho, porque expõem o trabalhador a pressões psicológicas.

Ainda assim, considerando que a lei não veda métodos audiovisuais, telemáticos ou telefônicos, para monitoração, as empresas[49] podem utilizá-los para apuração de fraudes ou atos de corrupção, estes, sobretudo, no serviço público, respeitados direitos fundamentais do empregado. 

Conclusões

Melhor atitude é a prevenção. Afinal, evitar o delito é melhor que permitir sua prática, sob os mais diversos aspectos, inclusive para obstar ocorrência de dano.

Prevenção pode, aliás, evitar acusações indevidas ao empregado e demissões por justa causa sem fundamento.

Cuidados especiais devem ser tomados na elaboração de Boletins de Ocorrência, junto à autoridade policial, para evitar constrangimento ilegal do empregado, passível de revés judicial pleiteando-se indenização por danos morais e materiais.

Quanto à delação premiada, o patrão responde por atos de seus empregados e a acusação falsa pode lhe trazer consequências negativas. Empregado participante do programa deve também se precaver para que não cometa, eventualmente, crime de calúnia ou difamação.

Demissão por justa causa, com fulcro na improbidade do empregado, exige prova robusta, que recai sobre o empregador. Por envolver atos graves, a improbidade deve ser cuidadosamente apurada, decorrendo na penalidade máxima apenas se devidamente fundamentada.

Monitoração tecnológica, pelos meios audiovisuais, telefônicos e telemáticos, é importante ferramenta para evitar fraudes. Porém, não pode ser utilizada amplamente porque sofre limitações em relação a direitos fundamentais do trabalhador.

Na prática, a monitoração pode ter efeitos restritos porque a exigência da comunicação prévia ao empregado pode inibi-lo de praticar o ato. Mas, é daí, justamente, sua importância: prevenção de fraudes, evitando uma série de consequências danosas a empregado e empregador. 

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Sobre o autor
Marcos Fernandes Gonçalves

Advogado Especialista em Direito e Processo pela PUC-SP. Áreas de Atuação: Direito do Consumidor, Indenizações, Pequenas Causas e Direito do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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