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A poesia do art. 6º da Lei 13.105/2015

22/09/2015 às 14:37
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Ao juiz não basta a direção formal do processo, mas a direção material, devendo ter uma atuação dinâmica e efetiva na busca de justiça. Não cabe mais se cogitar em um juiz inerte, neutro e indiferente ao drama da competição.

O busilis do princípio da cooperação não reside propriamente de suas explicações metafísicas que possam se abrigar em seu conteúdo e nem mesmo em seu neoprocessualismo.

O tema cooperação processual resta impregnado de etiquetas que acabam por traduzi-lo de forma pífia, e até a uma concepção de que o demandante seguirá feliz ou infeliz de mãos dadas com o réu, juntamente com o juiz no caminho tal qual o Mágico de Oz. Onde Dorothy e seus amigos, a saber, o Homem de Lata, o Espantalho e o Leão seguem juntos caminhando em uma estrada de tijolos amarelos.

 Recordando a história na terra de Oz acompanha a trajetória de uma menina de doze anos, chamada Dorothy Gale, que vive com sua família na fazenda no Kansas, mas sonha com lugar melhor, uma vez que ela se sente ignorada por seu tio e tia, que são as pessoas responsáveis por ela.

Depois de ter sido atingida na cabeça e até perder os sentidos no momento em que um tornado leva sua casa para as alturas.

Dorothy e seu cão (Totó) acordam na terra de Oz, após a casa pousar em cima da bruxa má do Leste. Lá a Bruxa Boa do Norte aconselha Dorothy a seguir a estrada de tijolos amarelos para encontrar a Cidade de Esmeralda onde habita o Mágico de Oz que lhe ajudará a retornar a Kansas.

No seu caminho Dorothy encontra o Espantalho, o Homem de Lata e o Leão[1], que se reúnem na esperança de conseguirem o que acha que lhes falta – respectivamente um cérebro, um coração e coragem. Tudo isso enfrentando a Bruxa Má do Oeste que quer os sapatos de mágicos de Dorothy dados pela Bruxa Boa, após Dorothy acidentalmente ter matado a Bruxa Má do Leste, que é irmã da Bruxa Má do Oeste.

Como um bom teosófico, Frank Baum certamente baseou o argumento dessa busca dos personagens em uma frase Madame Blavatski[2]: “não há perigo que a intrépida coragem não consiga conquistar, não há prova que a pureza imaculada não consiga passar, não há dificuldade que um forte intelecto não consiga superar”. Intelecto, pureza de sentimentos e coragem, três elementos que comporiam a nossa “centelha” interior que nos conecta a Plenitude. E a busca dessa descoberta interior inicia em uma jornada espiritual representada pela estrada de tijolos amarelos.

É interessante notar que a estrada começa com uma espiral em expansão, da mesma forma como o tornado conduziu Dorothy a um mundo mágico. No simbolismo oculto a espiral representa a autoevolução, a alma ascendente, da matéria ao mundo espiritual. Além disso, a espiral partilha de uma complexa simbologia do eixo e da verticalidade. Enquanto forma ela enquadra-se perfeitamente no tema da identidade.

Então todos seguiriam a caminho do arco-íris processual, a fim de obter finalmente um efetivo e célere processo, capaz mesmo de produzir resultados justos.

Lembremos que se existe processo, e particularmente na jurisdição contenciosa, é inefável a crise, ou seja, a lide, como conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida e levado à resolução pelo Estado-juiz. Cada sujeito processual assume nele uma diferente função e, portanto, naturalmente representa um diferente interesse.

A total inviabilidade do processo civil do arco-íris resta evidente da análise das posições das partes. É legítimo e, portanto faz parte do jogo, que o litigante não regule sua atuação na busca de uma decisão justa e nem mesmo de uma jurisdição célere.

Especialmente referente aos advogados, cujo Estatuto da OAB, em seu art. 2º, segundo parágrafo deixa expresso que a finalidade é a postulação de decisão favorável ao seu constituinte.

O art. 6º da Lei 13.105/2015 é poético. A cooperação não busca o processo civil, mas configura um limite imposto ao exercício dos direitos processuais, notadamente, ao contraditório. Limite já tão conhecido e velho quando nossa atual e vigente constituição brasileira.

Leonardo Carneira da Cunha foi feliz ao mencionar que a cooperação impõe deveres para todos os intervenientes processuais, para que se produza, no âmbito do processo civil, um procedimento ético tal qual se deu no direito material, ao consagrar as cláusulas gerais como a da boa-fé e do abuso do direito.

A parte deve ser informada e ter efetivas condições de reagir e de influenciar o julgado, mas estes direitos de informação e reação somente podem ser exercidos se guardarem harmonia com os objetivos visados pela Jurisdição.

Evidentemente além das proibições da litigância de má-fé (boa-fé subjetiva), a cooperação exige que o comportamento processual seja pautado nos padrões razoáveis à luz do homo medius e que levem em consideração suas legítimas expectativas estabelecidas em relação aos demais sujeitos processuais (boa-fé objetiva).

Por sua vez, o julgador também tem deveres a observar em sua atuação no contraditório. Tem o poder-dever de impulsionar o processo, de proferir e efetivar uma decisão, mas ao fazê-lo, deve privilegiar uma comunicação clara com os litigantes e usar de modo racional o formalismo processual.

O princípio de cooperação pode ser entendido por um rol não exaustivo como: vedação de conhecer a matéria ex ofício sem antes conceder a oportunidade de manifestação das partes, vide art. 10 da Lei 13.105/2015.

Alertar no mandado de citação, a respeito do prazo de defesa, sob pena de revelia. Em tese não existiria a obrigação de avisar ao demandado. Mas, há muito tempo, por opção legislativa. O dever de alerta é fundamental para existir o potencial contraditório mais seguro e mais efetivo e dinâmico.

Ademais ninguém pode se escusar do conhecimento da norma legal, apenas alegando desconhecê-la, a lei processual com seu caráter eminentemente técnico, não intuitivo, chega até parecer antinatural, daí não ser razoável exigir de todos, a noção de determinados riscos processuais.

Alerta quanto à distribuição do ônus da prova, ou da distribuição dinâmica do ônus da prova. Portanto, produzirá a prova quem melhor tiver condições de fazê-lo. Já tão interpretado preceito pela jurisprudência do STJ. Visa-se evitar surpresas no processo.

A primazia do julgamento de mérito e da instrumentalidade das formas. O que não é inovação, mais serve de parâmetro de cooperação na perspectiva do julgador.

A aprovação do calendário processual pelas partes. Assim a cooperação é limite ao poder de autorregulação das partes. De fato, as partes podem se manifestarem e propor datas, alegar compromissos judiciais, dificuldades na obtenção de dados e informações, assistentes técnicos, bem como apresentar outros motivos relevantes.

Saneamento compartilhado do processo que deve ser motivada, não podendo a parte abusar de seu direito de autorregulação e insistir na produção probatória ou na fixação de ponto controvertido, e do objeto da prova a ser produzida, devendo-se levar em consideração a vontade manifestada pelas partes. E o gestor da balança é o juiz.

Podemos esquematizar um rol não exaustivo dos deveres decorrentes do princípio da colaboração processual: Dever da parte em esclarecer de forma clara e efetiva através de depoimento pessoal, sob pena de confissão; Dever de exibição de documentos, talvez essa seja a mais velha de suas facetas; Dever de manter informações atualizadas e verdadeiras sobre o endereço físico e eletrônico no cadastro da Justiça; Dever do advogado de informar e intimar da audiência a testemunha por ele arrolada; Dever de esclarecimento ou explicação do motivo que motivou a emenda da inicial.

Enfim, a tipificação infraconstitucional dessa projeção do contraditório a que se resolveu chamar de cooperação ou colaboração tem o mérito de chamar a atenção para tema.

Mas, o princípio não pode exigir das partes e nem do magistrado o inexigível ou impossível. De sorte que os litigantes não se desgarrarão de seus objetivos privados para buscarem o etéreo ideal de justiça. Há, pois limitações ou modulações relevantes ao exercício de direitos e poderes-deveres processuais, já existentes em nosso ordenamento e há muito tempo aplicados.

O grande mérito é trazer a cooperação para o centro do debate, carreando uma hermenêutica criativa e construtiva sobre o conteúdo normativo do preceito,

A alegoria da estrada de tijolos amarelos é clara associação com termo do budismo, o caminho dourado, como a jornada da alma para a iluminação...

Afinal, o processo deve ser o caminho que leve até a justiça. Afinal a terra de Oz é o plano astral da humanidade, onde estão expressos de forma arquetípica os conflitos, batalhas e embates do mundo físico. Os conflitos e buscas do Homem-Lata, do Leão e do Espantalho em verdade correspondem aos mesmos dilemas e personalidades comuns da humanidade.

Depois da segunda metade do século vinte, se desenvolveu nova teoria sobre o papel do Direito Constitucional, de maneira que a Constituição deixa de ser uma mera carta de intenções e passa a ser a principal fonte normativa do Direito. E, o DPC passou então a ser estudado com a ideia de que deve prevalecer é o Estado Constitucional, passando a aplicar ao processo as premissas do neoconstitucionalismo.

E, com esse movimento ganha destaque a aplicação dos princípios na relação processo, notadamente o princípio da cooperação ou da colaboração, segundo o qual as partes e o juiz devem cooperar entre si, através de diálogo e comportamento pautado na boa-fé objetiva.

Precisar os contornos do princípio da cooperação na atividade jurisdicional em suas diversas facetas: dever de esclarecimento, dever de consulta, dever de proteção ou prevenção e o dever de auxílio.

E, para tanto é imprescindível partir do princípio contraditório e da visão dialética do processo, para melhor situar a máxima cooperação no processo civil contemporâneo.

Nos séculos 16 e 17 o contraditório deixou de ser visto como mecanismo intrínseco e necessário à investigação da verdade, sendo mesmo rebaixado a um princípio externo e puramente lógico-formal.

A garantida do contraditório passou a ser considerada como mera existência de uma audiência bilateral.

Mas, no século 19, tal concepção de contraditório ganhou destaca, pois o juiz exercia um papel puramente passivo, e sua função precípua era apenas a de verificar e assegurar o atendimento ás regas formas do processo.

Foi ao longo do século vinte já sob o influxo do neoconstitucionalismo que o contraditório passou a abranger outros valores, sobretudo, a necessidade de maior ativismo judicial e ambição de efetividade, com intuito de promover a integração das tradicionais liberdades individuais com os deveres e garantias de natureza social, visando assegurar a igualdade real das partes em face da lei.

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Assim, começa a alterar o alcance do contraditório, deixando de ser mera contraposição à demanda, e passando a assumir a qualidade de atributo inerente a todos os momentos importantes do processo.

O contraditório deve atender às pautas necessárias e requeridas para o desenvolvimento de um processo justo.

Já a partir dos anos cinquenta ganhou destaque a dimensão retórica e a dialética do processo. Buscou-se o valor essencial do diálogo na formação do juízo, como fruto da cooperação das partes com o órgão jurisdicional e deste com os litigantes, segundo as regras formas do processo.

Assim, implicando num julgador mais ativo e colocado no centro da controvérsia, mas a ensejar um caráter isonômico do processo, com a participação ativa das partes.

O diálogo substitui com vantagem a ideia de confronto e oposição, dando relevo ao concurso de atividades dos sujeitos processuais com abrangência tanto na colaboração da pesquisa dos fatos, como também na valorização da causa.

O processo civil como fenômeno cultural e humano, deve estabelecer um meio para atingir suas finalidades essenciais, em razoável espaço de tempo e, principalmente, com justiça.

Ressalte-se que o grau de liberdade concedida ao juiz guarda pertinência com a maior ou menor confiança do cidadão no Poder Judiciário.

A visão social do processo impõe naturalmente um incremento dos poderes do juiz de sorte que o processo deixa de ser substancialmente privado para passar a ser dirigido discricionariamente pelo juiz, com possível comprometimento à igualdade substancial das partes.

Há de se lembrar de que o juiz é um agente politico do Estado, dotado de poder estatal e expressão da democracia, sendo que a extensão de seus poderes-deveres está arraigada função do processo civil, como instrumento na realização de seus objetivos.

Frise-se que o ativismo judicial vem a contribuir para a concreta tutela jurisdicional. O princípio da cooperação, portanto exige, pois um juiz mais ativo que visa buscar restabelecer a isonomia do processo e um ponto de equilíbrio. Havendo assim uma melhor divisão do trabalho entre o juiz e as partes, somente pode ser alcançado por meio do fortalecimento dos poderes das partes, com sua participação mais ativa, leal e proba no processo, de maneira a ajudar mais efetivamente à formação da decisão judicial com ampla colaboração tanto na pesquisa dos fatos como na valoração da causa.

Ao juiz não basta a direção formal do processo, mas a direção material, devendo ter uma atuação mais dinâmica e efetiva na busca de justiça. Não cabe mais se cogitar em um juiz inerte, neutro e indiferente ao drama da competição... E não vige incompatibilidade entre o contraditório e a participação mais ativa do juiz no processo.

Lembremos que a separação entre fato e direito é artificial, posto que no litígio tanto o fato como o direitos estão intimamente ligados e se interpenetram a todo tempo. Conquanto as partes devam trazer os fatos essenciais e constitutivos da causa petendi.

O legislador optou pela possibilidade de o juiz, até mesmo de ofício, levar em consideração fatos secundários que possam contribuir para o desfecho da questão sobre o fato principal, ainda que não sejam alegados pelas partes.

Enfim, o diálogo do juiz com as partes é, na verdade, uma garantia de democratização do processo, portanto exige a aplicação do iura novit curia com olhos na efetiva e correta aplicação do direito e na justiça do caso.


Referências:

MARTINS, Anna Faedrich. O percurso heroico de Dorothy. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article/download/4213/3554  Acesso em 04.09.2015.

MACHADO, Marcelo Pacheco. Novo CPC, princípio da cooperação e processo civil do arco-íris Disponível em: http://jota.info/novo-cpc-principio-da-cooperacao-e-processo-civil-do-arco-%C2%ADiris  Acesso em 03.09.2015.


Notas

[1] Os três companheiros de Dorothy funcionam como um desdobramento simbólico da própria heroína em personagens – Leão Medroso, Homem de Lata e Espantalho. No seu percurso de autoconhecimento e amadurecimento, Dorothy conquistou aquilo que buscava: a coragem, o amor e a razão. As três abstrações ganham forma objetiva, concreta, através das três personificações.

[2] Helena Blavatsky (1831- 1891) mais conhecida como Madame Blavatsky foi uma prolífica escritora russa e responsável pela sistematização da moderna Teosofia e cofundadora da Sociedade Teosófica. Blavatsky surgiu em um momento histórico em que a religião estava sendo rapidamente desacreditada pelo avanço da Ciência e da Tecnologia, e que testemunhou o nascimento de uma série de escolas de ocultismo ou de pensamento alternativo, muitas delas com base conceitual pouco firme ou desenvolvendo práticas apenas intuitivas, que ganhavam grande número de adeptos em virtude do fracasso do Cristianismo em fornecer explicações satisfatórias para várias questões fundamentais da vida e sobre os processos do mundo natural.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele. A poesia do art. 6º da Lei 13.105/2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4465, 22 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42581. Acesso em: 2 nov. 2024.

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