A problemática da transição legal nos crimes falimentares e a contagem da prescrição

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08/09/2015 às 10:14
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[i] Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945.

[ii] HAKIM, Paulo Kaham Mandel; PODVAL, Roberto.  Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005. Páginas  616 e 617.

[iii] OLIVEIRA, Celso Marcelo. Comentários à nova lei de falências. 1ª Edição. São Paulo: Editora IOB Thomson, 2005. Página 587.

[iv] Art. 185. Recebida a denúncia ou a queixa, observar-se-á o rito previsto nos arts. 531 a 540 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

[v] SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Comentários à nova LEI DE FALÊNCIAS e RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS Doutrina e Prática. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005. Páginas 296 e 297.

[vi] Art. 394.  O procedimento será comum ou especial. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 1o  O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo:

I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; 

II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;

III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei. 

[vii] Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos

[viii] Art. 190. Será punido com detenção, de um a dois anos, o juiz, o representante do Ministério Público, o síndico, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro que, direta ou indiretamente, adquirir bens da massa, ou, em relação a êles, entrar em alguma especulação de lucro.

[ix] STJ- AgRg no Habeas Corpus Nº 72.770 - RJ (2006⁄0277132-5) – Rel. Min Nilson Naves, julgado em 29 set 2009, dje 30 nov 2009.

Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=916365&num_registro=200602771325&data=20091130&formato=PDF Acesso 30 mar 2015.

Habeas corpus. Inquérito judicial falimentar. Decreto-Lei 7.661⁄45. Peça de investigação inquisitória e preparatória para instruir a ação penal. Ausência de contraditório. Aplicação do artigo 106 do Decreto-Lei 7.661⁄45. Prazo que corre em cartório, independentemente de publicação ou intimação. Artigo 204 do mesmo diploma legal. Nova lei de falências, nº 11.101, de 09⁄02⁄2005, que prevê possibilidade do M.P. dispensar o inquérito para instaurar a ação penal. Ausência de constrangimento ilegal. Denegação da ordem.'

Alega-se, em síntese, que 'foi validado processo crime irremediavelmente nulo, posto que feita letra morta do art. 106 da Lei Falimentar e, assim, cerceado o direito do impetrante de contestar as arguições feitas pelo Síndico da Falência e de produzir provas no momento próprio'. Sustenta-se, ainda, ausência de fundamentação da decisão de recebimento da denúncia por crime falimentar, nos termos da Súmula 564⁄STF.

Ouvido, o Ministério Público Federal (Subprocuradora-Geral Deborah Macedo) opinou pela denegação da ordem.

Decido.

Giram os acontecimentos deste habeas corpus em torno de norma falimentar (revogada pela Lei nº 11.101⁄05) segundo a qual, 'nos cinco dias seguintes, poderá o falido contestar as arguições contidas nos autos do inquérito e requerer o que entender conveniente' (art. 106 do  Decreto-Lei nº 7.661⁄45).

No RHC-16.181 (DJ de 9.5.05), tive a oportunidade de assinalar que, 'técnica, lógica e processualmente, o inquérito judicial representa mais do que o inquérito policial'. Se, para mim, era relevante aquele inquérito, quero crer que também o era para os Ministros Carvalhido e Laurita quando relataram, respectivamente, os RHCs 10.219 (DJ de 6.5.02) e 15.723 (DJ de 11.9.06), de ementas seguintes no que interessa:

'A Lei de Falências, na letra de seus artigos 106 e 109, parágrafo 2º, afora gravar o inquérito judicial com o contraditório e o direito de defesa, podendo o falido contestar as arguições nele insertas e requerer o que entender de direito, faz também induvidoso que o Juízo Falimentar tem o dever de motivar o despacho de recebimento da denúncia.'

'Na hipótese dos autos, a denúncia contra a falida foi oferecida antes de aberto o prazo previsto no art. 106, da antiga Lei de Falências, para que pudesse apresentar as impugnações que entendesse necessárias ao inquérito judicial, caracterizando, assim, a nulidade do processo-crime movido em seu desfavor, desde o recebimento da denúncia, inclusive.' 

No RHC-15.723, a Relatora se valeu, também, do HC-82.222 (DJ de 6.8.04), Ministro Pertence, desta ementa:

'Crime falimentar: contraditório prévio à instauração do processo (LF, arts. 105 e 106), à falta do qual são inadmissíveis o oferecimento e o recebimento da denúncia, tanto mais quanto se exige a fundamentação deste (LF, art. 107).'

Na espécie, no prazo para a manifestação do falido (art. 106 do Decreto-Lei nº 7.661⁄45), já estava em vigor a Lei nº 11.101⁄05.  Assim, à primeira vista, seriam inaplicáveis os dispositivos da lei anterior, visto que processuais.

Como se sabe, o legislador pátrio adotou o princípio da aplicação imediata das normas processuais penais, não havendo efeito retroativo, visto que, se tivesse, a retroatividade anularia os atos anteriores, o que não ocorre, pois os atos processuais realizados sob a égide da lei anterior se consideram válidos.

Todavia não é raro que as normas jurídicas possuam natureza processual e material concomitantemente. Assim, se a norma processual penal possuir também caráter material, aplicar-se-ão, quanto à sua disciplina intertemporal, as regras do art. 2º e parágrafo único do Cód. Penal; noutras palavras, serão irretroativas quando desfavoráveis ao réu.

Pode-se dizer, então, que a norma processual terá caráter material quando versar sobre o direito de punir do Estado, criando-o, extinguindo-o ou modificando-o. A Lei nº 11.101⁄05 trouxe, em seu texto, novas disposições, extinguindo o inquérito judicial e os direitos a ele correlatos. Como se pode notar, foram introduzidas disposições mais gravosas, pois suprimidas essenciais oportunidades de exercício do direito de defesa.

Cuidando-se de norma processual com reflexos penais concretos e prejudiciais, só vale para delitos ocorridos a partir de sua entrada em vigor, que data de 9 de fevereiro de 2005. Aos crimes ocorridos anteriormente, aplicam-se as regras do Decreto-Lei nº 7.661⁄45.

Dessarte, no caso, são nulos os atos processuais desde o oferecimento da denúncia, mas vou além, porque reconheço também, na hipótese, a ocorrência da prescrição.

O Decreto-Lei nº 7.661⁄45 previa, nos termos do art. 199, o prazo prescricional de dois anos. Com a Lei nº 11.101⁄05, o tema passou a ser regido pelo Cód. Penal. Nesse ponto, mais uma vez, a lei nova é desfavorável, portanto não retroage. Na espécie, os atos fraudulentos descritos na denúncia foram perpetrados em 2001. Com a declaração de nulidade do recebimento da denúncia, desapareceu o marco interruptivo. Sendo, pois, de dois anos o prazo de prescrição, a contar da decretação da falência (5.4.02), ele já ocorreu.

À vista do exposto concedo a ordem a fim de anular os atos processuais desde o oferecimento da denúncia e de declarar extinta a punibilidade pela prescrição."

[x] § 1º. Salvo caso de força maior, devidamente provado, o processo da falência deverá estar encerrado 2 (dois) anos depois do dia da declaração.

[xi] Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: 

I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

[xii] A decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial

[xiii]STJ. Recurso Especial Nº 1.114.053 - SP (2009/0082226-0), Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 09 set 2009, dje 18 set 2009. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=6210404&num_registro=200900822260&data=20090918&formato=PDF Acesso em 30 mar  2015.

O Superior Tribunal tem afirmado que "o termo inicial da prescrição da ação em crimes falimentares, ao tempo de vigência do Decreto-lei 7.661/45, dizia com o termo do processo falimentar (que deveria durar, no máximo, dois anos), nos moldes do art. 199 do referido diploma normativo" (RHC-18.063, Ministra Maria Thereza, DJe de 1º.11.08). Com a mesma compreensão, assim ementei o RHC-20.880 publicado em 9.3.09):

"É antigo o entendimento conforme o qual 'a prescrição de crime falimentar começa a correr da data em que deveria estar encerrada a falência' (Súmula 147/STF, do ano 1963). Assim, o marco inicial da prescrição nos crimes falimentares é a data do provável encerramento da falência".

Não obstante, dúvida não tenho de que é cabível retroagirem, em benefício do réu, as disposições benéficas introduzidas na nova Lei de Falências, especificamente aplicáveis a este caso, ou seja, é possível ter por marco inicial do prazo prescricional a data da decretação da falência.

A mesma solução temos aplicado em situação semelhante, a saber, nos casos de aplicação do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 em condenações por tráfico de entorpecentes praticado sob a égide da Lei nº 6.368/76.

Para reforçar esse entendimento, trago o HC-85.147

(Desembargadora convocada Jane Silva, DJ de 5.11.07):

"Os temas de direito material penal tratados na nova legislação devem respeitar a retroatividade da lei penal mais benéfica, sendo que, deste modo, as disposições de caráter penal tratadas na Lei n.º 11.101/05, as quais de qualquer modo beneficiem o réu, devem retroagir para atingir casos anteriores à sua vigência."

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Está escrito no acórdão que a quebra ocorreu em 24.4.00 e a denúncia foi recebida em 17.2.04, de sorte que, observados o marco inicial da Lei nº 11.101/05 (art. 182) e o prazo prescricional previsto no art. 199, caput, do Decreto-Lei nº 7.661/45, operou-se a prescrição da pretensão punitiva.

Assim, dou provimento ao recurso especial (art. 557, § 1º-A, do

Cód. de Pr. Civil, aplicado analogicamente, por força do art. 3º do Cód. de Pr. Penal) para declarar extinta a punibilidade do fato.

[xiv]TJRJ, Recurso em Sentido Estrito nº. 2008.051.0033, Rel. Desembargadora Leony Maria Grivet Pinho, julgado em 26 fev 2009, dje 17 mar 2009. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=200805100337 Acesso em 30 mar  2015. Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público contra a r. decisão de fls. 08 do Juiz de Direito da 37ª Vara Criminal da Comarca da Capital que, verificando a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, declarou extinta a punibilidade do crime falimentar atribuído aos recorridos.

A exordial acusatória foi recebida em 24.01.2004 (fls. 07), tendo ocorrido a decretação da quebra em 14.03.2001 (fls. 05/06). Em suas razões a fls. 10/11, o recorrente se insurge contra a combinação do Decreto-Lei nº 7.661/45 com a Lei nº 11.101/05, argumentando que a decisão atacada nada mais é do que a criação de "terceira lei".

A defesa técnica apresentou contra-razões a fls. 70/73, prestigiando a r. sentença recorrida, pugnando por sua confirmação.

A fls. 74 o eminente Magistrado manteve a decisão guerreada.

A Procuradoria de Justiça, em parecer de fls. 78/82, da lavra da Dra. Maria Teresa de Andrade Ramos Ferraz, opinou pelo improvimento do recurso ministerial.

É o relatório.

VOTO

Conforme visto no relatório, pretende o recorrente a reforma da decisão amparado em corrente doutrinária que visualiza a impossibilidade de combinar dispositivos de duas leis que conflitem no tempo, favoráveis aos réus, opondo-se ao entendimento de que a combinação de dispositivos é possível para beneficio do réu, face ao que dispõe o artigo parágrafo único, do Código Penal e artigo XL, da Constituição da Republica Federativa do Brasil.

Ocorre que independentemente do acirrado debate entre asduas correntes, o delito já se encontra fulminado pela prescrição.

Com efeito, trata-se de crime falimentar, previsto no art. 188, VIII, da antiga Lei de Quebras, sendo certo que o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento, na esteira do Colendo Supremo Tribunal Federal, consoante as Súmulas 147 e 592, respectivamente, no sentido de que o prazo prescricional, nos delitos falimentares, é de dois anos, começando a correr da data do trânsito em julgado da sentença que encerrar a quebra ou de quando deveria estar encerrado o procedimento falimentar (art. 132, § 1º e parágrafo único do art. 199, ambos do Decreto-lei nº 7.661/45).  

De acordo com os autos, a falência da empresa da qual os recorridos eram sócios foi decretada em 14 de março de 2001. Assim temos o prazo prescricional iniciando-se em 14 de março de 2003, operando-se a prescrição dois anos após, ou seja, em 14 de março de 2005.

Todavia, o recebimento da denúncia, que se deu em 24 de janeiro de 2004, interrompeu o lapso prescricional, recomeçando daí a contagem de novo prazo, que restou concretizado em 24 de janeiro de 2006.

Pela segunda corrente, em sendo a falência decretada no dia 14 de março de 2001, dessa data inicia-se o prazo prescricional, segundo a nova Lei de Falências, e aplicando-se prazo de dois anos previsto no Decreto-Lei 7.611/45, a prescrição dar-se-ia em 14 de março de 2003, antes do primeiro março interruptivo, qual seja, o recebimento da denúncia, em 24 de janeiro de 2004.

Como se vê, qualquer que seja a corrente doutrinária adotada, os crimes estão prescritos, razão pela qual nego provimento ao recurso ministerial e mantenho a decisão atacada.

[xv] STJ, Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.114.053, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 13 out 2009, dje 18 dez 2009.  Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=919683&num_registro=200900822260&data=20091218&formato=PDF Acesso em 30 mar 2015.

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Agrava o Ministério Público Federal da decisão de fls. 988⁄989, alegando que "não há falar em combinação do prazo prescricional fixo do art. 199, da Lei nº 7.661⁄45 (sic), com o marco inicial da contagem da prescrição estabelecido no art. 182, da novel Lei Falimentar", porquanto a aplicação da lei nova mais benéfica não deve, em matéria penal, ser "fragmentada, isto é, realizada de modo a desmembrar as normas editadas pelo Poder Legislativo, para que sejam combinadas, produzindo-se, assim, um terceiro texto legal, distinto dos (...) anteriores". Sustenta, ainda, que, "sendo a lei nova mais benigna do que a revogada, deverá ser aplicada, na sua totalidade, e não, apenas, em parte, sob pena de desintegrar-se a estrutura da norma criada pelo legislador ordinário, provocando, até mesmo, afronta ao princípio da separação dos poderes". Colaciona julgados do Supremo Tribunal e doutrina pátria para sustentar sua tese e pede seja exercido juízo de retratação ou levado o feito a julgamento na 6ª Turma.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Dois são os princípios aplicáveis a este caso, ambos informadores das garantias individuais previstas no art. 5º da Constituição: o primeiro deles é o da retroatividade da lei mais benéfica, o segundo, em corolário, o da irretroatividade da lei mais gravosa.

Esta é a situação com a qual nos defrontamos: a antiga Lei de Falências estabelecia, em seu art. 199, que o lapso temporal da prescrição da pretensão punitiva era de dois anos. No entanto, em seu parágrafo único, estabelecia como marco inicial a data do encerramento do processo falimentar. Já a nova Lei de Falências (Lei nº 11.101⁄05) é mais benéfica no que diz respeito ao termo inicial da prescrição, a saber, a data da decretação da falência, e mais gravosa quanto ao prazo prescricional, que elevou, em hipóteses como a dos autos, a quatro anos.

Não se trata, ao que cuido, de criar uma terceira lei, mas de conferir eficácia àqueles princípios aos quais me referi, isto é, trata-se de afirmar a incidência, no caso concreto, de ambas as disposições mais benéficas em favor do réu. É caso, portanto, de dar vigência ao art. 2º, parágrafo único, do Cód. Penal para fazer valer a aplicação da lex mitior, ainda que sobre fatos anteriores decididos por sentença transitada em julgado.

Nos casos aos quais me referi na decisão agravada, vinculados à causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343⁄06, assim tem decidido a 6ª Turma – veja-se, por todos, o REsp-1.105.287 (Ministro Og Fernandes, DJe de 3.8.09): "... as disposições benignas contidas na Lei nº 11.343⁄06, incluindo o disposto no seu art. 33, § 4º, aplicam-se aos crimes cometidos na vigência da Lei nº 6.368⁄76, nas hipóteses em que o réu for primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas, e nem integrar organização criminosa." Há, também, no Supremo Tribunal, decisões no mesmo sentido. Trago, a propósito, além do AgRg no RE-597.341 (Ministro Eros Grau, DJe de 29.5.09), o HC-95.435 (Relator para o acórdão Ministro Cezar Peluso, DJe de 7.11.08): "A causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343⁄2006, mais benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no art. 12, caput, da Lei nº 6.368⁄76." Do último julgado colho a seguinte passagem do voto vencedor:

 "Por fim, acresceria que a vedação de junção de dispositivos de leis diversas (que não ocorre no caso) é apenas produto de interpretação da doutrina e da jurisprudência, sem apoio em texto constitucional. Talvez nem seja esta a leitura mais curial do princípio da retroatividade da lei mais benigna, pois acaba por limitar-lhe o alcance."

 Também eu penso assim. No HC-96.521, publicado em 12.5.08, escrevi o seguinte:

 "De tão salutar que é o princípio do benefício, que adotamos o da retroatividade para beneficiar: 'a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu', é o que se lê hoje, como alhures era antes lido, no inciso XL. Quero crer que haveremos, hei eu, principalmente, de extrair dessa norma, que também se encosta em outros princípios tão caros como o da liberdade e o da dignidade, conseqüências as mais amplas. É segundo essa compreensão de normas e princípios, talvez até mais de princípios, que me dispus a entender, respeitando doutas opiniões em contrário, que, tratando-se, por exemplo, a meu ver, de norma benéfica, o tão referido § 4º tem aplicação aos fatos verificados na vigência da lei de 1976. E o tem com todas as implicações benéficas – por benéficas, hão de ser todas as condições que, de fato, beneficiam, sob pena, a meu juízo, de não estarmos acolhendo todos os princípios que giram em torno do princípio maior inscrito no indicado inciso XL. Por isso é que a redução se faz a maior, também não se pode impedir seja uma pena substituída por outra. Isso não significa que duas leis tenham sido juntadas para que daí surgisse uma terceira, ou que se esteja colhendo benefícios daqui e dali. O que se está mesmo fazendo, repito, faço-o respeitosamente, é extraindo conseqüências de um bom, se não excelente, princípio, que cumpre ser preservado para o bem do Estado democrático de direito."

[xvi] TJRS- Apelação Nº 70034633149

A prescrição não aconteceu.

A denúncia foi recebida em 26 de setembro de 2006, já na vigência da Lei nº 11.101/05, que prevê:

“Art. 182 - A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial.

(...)

Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945”.

Nesse sentido é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

“CRIMINAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. OMISSÃO. CRIMES FALIMENTARES. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO PARCIAL DA LEI N.º 11.101/2005. MANUTENÇÃO DO PRAZO DE 02 ANOS. IMPOSSIBILIDADE. LEGISLAÇÃO NOVA QUE NÃO ALCANÇA OS PROCESSOS AJUIZADOS ANTES DE SUA VIGÊNCIA. OMISSÃO, OBSCURIDADE, AMBIGÜIDADE OU CONTRADIÇÃO DO ACÓRDÃO NÃO DEMONSTRADAS. EMBARGOS REJEITADOS. I. Hipótese na qual se sustenta que, com a entrada em vigor da Lei n.º 11.101/2005, a qual beneficiaria o paciente, esta deveria ter sido aplicada à hipótese, tendo em vista ter regulado de forma diversa a matéria dos autos, referente à prescrição dos crimes falimentares. II. Com o advento da nova legislação, não deve mais ser aplicado o prazo prescricional de 02 anos para os crimes falimentares, pois a Lei nº 11.101/2005, determinou que a prescrição de tais crimes passa a ser regulada pelas disposições do Código Penal. III. Se a Lei nº 11.101/2005 define que suas disposições somente serão empregadas aos processos ajuizados posteriormente ao início de sua vigência, descabido o pleito de aplicação da inovação legislativa ao caso, pois a denúncia foi recebida em data anterior a tal fato. IV. Persistem as razões do acórdão embargado, que decidiu a questão levando em conta os fundamentos entendidos como suficientes ao embasamento da decisão, no sentido de que a prescrição dos crimes falimentares, cujos processos foram iniciados antes da vigência da Lei nº 11.101/2005, se regula pelo prazo de 02 anos, contado da data do trânsito em julgado da sentença que encerra a quebra ou de quando deveria estar encerrada a falência da empresa. V. Razões dos embargos declaratórios que não se ocupam em evidenciar qualquer omissão, ambigüidade, contradição, obscuridade ou equívoco e, sim, visam a atacar os fundamentos do julgado com o intuito de lograr a reforma do decisum, o que não é, contudo, a sua eficácia normal. VI. Embargos rejeitados” (EDcl no HC 44230 / SP, STJ, Rel. Min. Gilson Dipp. Quinta Turma. j. 15.08.2006, unanimidade, DJU 04.09.2006, p. 292).

No caso, a falência foi decretada em 18 de agosto de 2005. A denúncia, recebida em 26 de setembro de 2006. A sentença foi publicada em 10 de setembro de 2009. A pena aplicada foi de dois anos e dois meses de reclusão.

Como se pode ver, entre nenhum dos marcos interruptivos, decorreu o prazo prescricional de oito anos, não se podendo falar em extinção da punibilidade pela prescrição.

[xvii] EMD/APR – Embargos de Declaração na Apelação Criminal 2007.01.1. 110577-7

Nestes termos restaram relatados os autos:

“Trata-se de Embargos de Declaração opostos pelo acusado Renato Alvarenga Cardoso, em face do Acórdão de fls. 241/247, que manteve a condenação imposta pelo Juízo da Vara de Falências e Concordatas do Distrito Federal, consistente na pena de 01(um) ano de reclusão, substituída por uma restritiva de direito, por infração ao art. 187 e 186, inciso VI, do Decreto-Lei nº 7.661/45.Aduz a Defesa que entre a data do fato ocorrido em abril de 2003 e do oferecimento da denúncia, 13 de setembro de 2007, se passaram mais de quatro anos, operando-se, consequentemente, a prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 109, inciso V, do Código de Processo Penal. “

Inicialmente cabe registrar que a falência da Empresa Salém Veículos Ltda, cujo sócio-administrador é o ora Embargante foi decretada em 16/05/2006, conforme cópia da sentença de folhas 20/23, isto é, já sob a égide da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a qual dispõe sobre a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

Verifica-se da norma atual de regência, que a prescrição nos crimes falimentares, não obstante terem como parâmetros os prazos previstos no Código Penal, diferentemente do Decreto-lei n° 7.661/45, que previa o prazo único de 02(dois) anos, somente começam a correr para efeitos de contagem do prazo prescricional do dia da decretação da falência, no presente caso, 16 de maio de 2005 (fls. 20/23), conforme dispõe o art. 182 da Lei n.º 11.101/05, in verbis:

“Art. 182. A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial.

Parágrafo único. A decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial.”

Assim sendo, não assiste razão ao Embargante quando afirma que a pretensão punitiva estatal, encontra-se fulminada pelo instituto da prescrição, eis que nos crimes falimentares o prazo inicial não é a data do fato ocorrido, mas sim o dia em que a falência foi decretada, ou concedida recuperação judicial ou homologado plano de recuperação, consoante dispõe o art. 182 da Lei n.º 11.101/05, acima descrito.

[xviii] Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)

[xix] TJDFT, Apelação Criminal Num. Proc.: 2003 01 1 102673-2, Rel. Des. Romão C. Oliveira, julgado em 30 out 2008, dje 26 nov 2008. Disponível em:

http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?NXTPGM=plhtml02&TitCabec=2%AA+Inst%E2ncia+%3E+Consulta+Processual&SELECAO=1&CHAVE=0102673-97.2003.807.0001&COMMAND=ok&ORIGEM=INTER

Acesso em 30 mar 2015.

O parágrafo único do artigo 199 do Decreto-Lei 7.661/45 dispõe:

“Art. 199. A prescrição extintiva da punibilidade de crime falimentar opera-se em 02 (dois) anos.

Parágrafo único. O prazo prescricional começa a correr da data em que transitar em julgado a sentença que encerrar a falência ou que julgar cumprida a concordata.”

A Súmula 147 do Supremo Tribunal Federal estabelece:

“A prescrição de crime falimentar começa a correr da data em que deveria estar encerrada a falência, ou do trânsito em julgado da sentença que a encerrar ou que julgar cumprida a concordata”.

Como se observa, tratando-se de crime falimentar, no regime anterior à Lei n° 11.101/2005, o prazo prescricional era de 02 (dois) anos e começava a fluir da data do trânsito em julgado da sentença que encerrava a falência.

No caso vertente, a falência foi decretada no dia 27/08/2001 (fls. 18/20). A sentença que encerrou o pleito falimentar foi proferida em 06/02/2004 (fl. 82) e transitada em julgado em 06/04/2004 (fl. 215).

Assim sendo, da data em que a sentença da falência transitou em julgado (fl. 215) até o julgamento da apelação já transcorreu o biênio, cumprindo acentuar que eventual provimento do recurso ministerial objetivando agravar a situação do apelado não alteraria o prazo prescricional.

Ante o exposto, com fundamento nos art. 107, IV, do Código Penal, art. 199, do Decreto-lei n° 7.661/45, e na Súmula 147 do Supremo Tribunal Federal, declaro extinta a punibilidade pela prescrição operada. É como voto.

THE PROBLEMATIC OF THE LEGAL TRANSITION IN BANKRUPTCY FELONIES AND THE LIMITATIONS COUNTING

ABSTRACT

This article aims to perform an analysis about the problems that happened during the legal transition in 2005 from the old bankruptcy law to the current, focusing on the limitations. The objective of the present work is to analyze how the judges behave in front of a legislative vacuum in the transition legislation, and to propose a uniformization method similar to the one that already exists in the Federal Special J Courts. The method utilized was an ample sentences research, combined with a brief bibliographic research. The aimed result was to certify that a big confusion was going to happen in the judges in the absence of a clear law, with contradictory decisions based on the most diverse principles, which was indeed verified in the studied cases. The conclusion obtained is that such a juridical chaos cannot be allowed to happen, being necessary a simple and effective method to solve those situations, which is the uniformization procedure.

KEYWORDS: FELONY. BANKRUPTCY. TRANSITION. LIMITATIONS. PUNISHMENT..

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Sobre o autor
Bruno Loiola Barbosa

Graduado em direito pela UFC. Mestrando em Direito Constitucional pela UFC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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