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A (in)constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas

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Resumo:


  • A Lei de Drogas despenalizou o crime de porte de drogas para consumo pessoal, substituindo penas privativas de liberdade por medidas educativas e preventivas.

  • O artigo 28 da Lei 11.343/2006 mantém a posse de drogas para consumo pessoal como crime, embora tenha havido despenalização, sendo considerado um delito de perigo abstrato contra a saúde pública.

  • A decisão sobre a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal, mas a legislação atual visa coibir a propagação das drogas e proteger a saúde pública, mesmo em casos de posse para uso pessoal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. Conclusão.

Como sabido, as drogas são substâncias que alteram o normal e regular funcionamento cerebral, mudando o comportamento do usuário, gerando tolerância e dependência. Isso significa que, após certo tempo de consumo, o indivíduo precisa de maiores quantidades para atingir o mesmo efeito. Já não é mais ele que decide se quer ou não consumir, ante a compulsão quase incontrolável pela próxima dose. Em casos mais graves, o usuário perde o autocontrole por completo, tornando-se refém da droga.

Lado outro, as drogas geram mudanças comportamentais que acarretam riscos não só para o usuário (que pode vir a ter problemas físicos e mentais em decorrência de uma dose excessiva ou com o uso continuado), mas também para outras pessoas que o circundam. Assim, as consequências do consumo de drogas recaem sobre toda a sociedade.

Não há como negar que o usuário de drogas, ao buscar alimentar o seu vício, acaba estimulando diretamente o seu comércio ilegal e, com ele, todos os outros crimes relacionados ao narcotráfico. Sem falar do expressivo número de relatos de crimes envolvendo violência ou grave ameaça contra pessoa, associados aos efeitos do consumo de drogas ou à obtenção de recursos ilícitos para a aquisição de mais substâncias entorpecentes.

É verdade que a Lei 11.343⁄2006, no que se refere ao usuário, optou por abrandar as penas e impor medidas de caráter educativo, tendo em vista os objetivos visados, quais sejam: a prevenção, a atenção e reinserção social, bem como o tratamento de usuários e dependentes de drogas (arts. 18 a 26 e art. 28 § 7º).

Todavia, não deixou de prever a tipificação do crime de posse de drogas para consumo pessoal. Em outras palavras, o art. 28 da Lei de Drogas mantém seu status de crime, embora tenha havido uma despenalização (abolição da pena privativa de liberdade). Lado outro, o crime do art. 28 é de perigo abstrato e contra a saúde pública, não havendo qualquer incompatibilidade constitucional com o tipo penal.

Presume a lei o risco e perigo de propagação do entorpecente no meio social, na conduta daquele que traz consigo droga para uso próprio. Dito de outra forma, a posse da droga para consumo próprio não afeta apenas o usuário em particular, mas também toda a sociedade, ante o risco de disseminação do entorpecente que tal comportamento é capaz de gerar. O usuário, ao adquirir droga para seu consumo, realimenta o comércio ilícito de entorpecentes, pondo em risco a saúde pública e sendo fator decisivo na difusão dos tóxicos.

Observe-se, assim, que a lei, a despeito de dispor de tratamento ao dependente de drogas, pune – de forma branda é verdade – a posse de drogas para uso pessoal. Há quem defenda que essa política criminal não é o ideal, propugnando pela política de controle e educação (entrega de seringas, demarcação de locais adequados para consumo, controle de consumo, assistência médica, etc.). Todavia, não compete ao Judiciário substituir o Executivo e Legislativo na formulação de políticas públicas de combate ao uso de drogas, quando estes, ao escolherem determinada política criminal, atuem de forma legítima no seu espaço político de conformação.

Nas palavras de Luís Roberto Barroso:

No mundo ideal, política é política, direito é direito. São domínios diferentes. No mundo real, todavia, as fronteiras nem sempre são demarcadas de maneira nítida. E, assim, surgem tensões inevitáveis. Quando isso ocorre, é preciso critérios para equacionar a questão. Penso ser próprio aqui distinguir duas situações: a) quando tenha havido uma atuação do Legislativo ou do Executivo em relação ao tema; e b) quando não tenha havido tal atuação. A primeira situação, portanto, se dá quando o Legislativo tenha efetivamente deliberado acerca de determinada matéria. [...] Nesses [...] casos [...] o Judiciário deve ser deferente para com as escolhas feitas pelo Legislativo. Não cabe ao Judiciário sobrepor a sua própria valoração política à dos órgãos cujos membros têm o batismo da representação popular. Situação diversa é a que ocorre quando o Legislativo não atuou, porque não pôde, não quis ou não conseguiu formar maioria. Aí haverá uma lacuna no ordenamento. Mas os problemas ocorrerão e o Judiciário terá de resolvê-los. [...] Quando o Congresso Nacional não fornece uma resposta, é natural que os afetados traduzam o seu pleito perante o Judiciário, buscando a afirmação jurídica daquilo que a política negou-se a discutir. É claro que uma corte constitucional poderia também, em linha de princípio, rever uma escolha que o legislador tenha feito, mas isso envolve naturalmente um ônus argumentativo muito mais elevado. Por tudo isso, o papel do Judiciário, quando não tenha havido deliberação política, é mais abrangente do que quando ela tenha ocorrido. Se há lei, o STF só deve invalidá-la se a afronta à Constituição for inequívoca. Se não há lei, o Judiciário não pode deixar de decidir a questão alegando omissão normativa. Nesse caso, seu poder se expande. Portanto, no fundo no fundo, quem tem o poder sobre o maior ou menor grau de judicialização é o Congresso: quando ele atua, ela diminui; e vice-versa. (BARROSO, Luís Roberto. Grandes transformações do direito contemporâneo e o pensamento de Robert Alexy. In http://s.conjur.com.br/dl/palestra-barroso-alexy.pdf).

Daí se extrai que cabe à lei, votada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo, fazer as devidas escolhas em termos de política criminal de combate ao uso de drogas, desde que não sejam excessivas, tampouco insuficientes, e desde que não viole frontalmente a Constituição. Dentro desse legítimo espaço de conformação política, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Executivo e Legislativo, que por meio da Lei 11343/2006 objetivou uma sociedade sem drogas, punindo não só o tráfico, mas também punindo adequadamente a posse de entorpecentes para uso pessoal, visando tutelar a saúde pública, ante o risco e o perigo de difusão da droga que tal conduta é capaz de gerar.  Enfim, não pode o Judiciário glosar a opção legítima estatal de utilização de todos os meios, incluindo a punição penal, àquele que porta entorpecente para consumo pessoal, na tutela da saúde pública e na busca por uma sociedade sem drogas.

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Sobre os autores
Cleber Couto

Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Coordenador Regional das Promotorias de Justiça da Educação, Infância e Juventude. Coordenador Regional do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Bacharel em Direito pela Unifenas. Pós-Graduado em Direito Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Doutorando em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires, Argentina.

Túlio Leno Góes Silva

Delegado de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTO, Cleber ; SILVA, Túlio Leno Góes. A (in)constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4460, 17 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42689. Acesso em: 26 dez. 2024.

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