ITCMD: doação de casal em regime de comunhão universal de bens

10/09/2015 às 17:06
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A doação é um ato tributado pelo ITCMD e no caso de doação feita por casal em regime de comunhão universal de bens ocorre apenas um fato gerador.

I

A doação como ato intervivos está sujeita ao Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos que no Estado de São Paulo está disciplinado pela Lei 10.705 de 28.12.2.000, com as alterações trazidas pela Lei 10.992 de 21.12.2001.

Referido texto legal em seu Artigo 2º que:


Artigo 2º - O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:
I - por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;
II - por doação.
§ 1º - Nas transmissões referidas neste artigo, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários.

 

A  questão da doação por casal em regime de comunhão de bens ser um ato do casal ou de marido e mulher, ou seja, uma ou duas doações comporta divergências de interpretação.

Como um casal é formado por duas pessoas físicas, poder-se-ia concluir que na doação de um bem comum, são dois doadores, pois cada doador é proprietário da metade ideal dos bens.

Iremos mostrar que esta interpretação é equivocada, face ao regime de comunhão universal de bens.

O Código Civil define o regime de comunhão universal em seu artigo 1667.

CAPÍTULO IV   Do Regime de Comunhão Universal

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;

IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;

V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.

Art. 1.670. Aplica-se ao regime da comunhão universal o disposto no Capítulo antecedente, quanto à administração dos bens.

Art. 1.671. Extinta a comunhão, e efetuada a divisão do ativo e do passivo, cessará a responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro.

V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

Exceções do artigo 1.659:

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Em outras palavras, na comunhão universal, os bens do casal constituem um só patrimônio, caracterizando-se pela comunicabilidade, ressalvadas as hipóteses dos artigos 1.668 c/c 1.659 do Código Civil. Isto perdura até a dissolução da sociedade conjugal, seja pela morte de um dos cônjuges (CC, art. 1.571, I), seja pela separação ou divórcio do casal (CC art. 1.571, III e IV).

Na doação do casal a descendentes, muitos ainda invocam o artigo 544 do Código Civil que estabelece que.

“A doação de ascendentes a descentes, ou de um cônjuge a outro, importa em adiantamento do que lhes cabe por herança”.

A jurisprudência já se manifestou a respeito desta questão, sob os dois aspectos , seja na doação de ascendentes a descendentes, seja na doação de um cônjuge a outro.

 Pela interpretação de que existe na comunhão de bens um patrimônio único, não há como se considerar doações as transferências patrimoniais entre cônjuges declaradas à Receita Federal. É que se a comunhão universal de bens importa na comunicação total dos bens atuais e futuros, não há possibilidade jurídica de ocorrer uma doação entre os cônjuges.

Nessa direção é que se orienta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se depreende da seguinte decisão:

CIVIL. DOAÇÃO ENTRE CONJUGES. INCOMPATIBILIDADE COM O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. A DOAÇÃO ENTRE CONJUGES, NO REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS, É NULA, POR IMPOSSIBILIDADE JURIDICA DO SEU OBJETO. (STJ - AR 310 / PI – 2.ª Seção - Rel. Min. Dias Trindade – Rev. Athos Carneiro – Julg. 26/5/1993) – g.n.

Diante disso, também não se aplica ao regime da comunhão universal de bens a norma do artigo 544 do Código Civil, segundo a qual a doação de um cônjuge a outro importa adiantamento do que lhes cabe por herança. Até porque, nos termos do artigo 1.829, inciso I, na sucessão legítima, quando o cônjuge falecido tiver deixado descendentes, o direito sucessório do cônjuge supérstite casado sob o regime da comunhão universal de bens ficará restrito à meação decorrente da comunhão patrimonial, não se estende ao concurso hereditário com os descendentes do de cujus.

E na mesma linha, se no regime de comunhão universal de bens ocorre a comunicação total dos bens atuais ou futuros, não há como justificar, com base em uma dissolução futura da união conjugal por falecimento de um dos cônjuges, uma atual doação de bens deste patrimônio único, como se dupla fosse.

Há também decisão judicial no sentido de que o patrimônio comum seria pertencente ao casal conjuntamente, e se um doa está doando parte do patrimônio pertencente aos dois, há apenas uma relação jurídica-um único fato gerador.

CSM/SP: Doação. Doadores – regime matrimonial – comunhão universal. Transmissão única. ITCMD.

Sendo os doadores casados pelo regime da comunhão universal de bens, o imóvel doado faz parte do patrimônio comum, sendo a doação ato unitário e sujeita ao recolhimento do ITCMD.

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (CSM/SP) julgou a Apelação Cível n° 0013943-66.2012.8.26.0066, onde se decidiu que a doação de imóvel feita pelos cônjuges, casados pelo regime da comunhão universal de bens, ao seu filho, é considerada como uma única transmissão, sujeita ao recolhimento do ITCMD. O acórdão teve como Relator o Desembargador José Renato Nalini e o recurso foi, à unanimidade, improvido.

No caso sob comento, o apelante não se conformou com a procedência da dúvida suscitada pelo Oficial Registrador, que entendeu ser exigível o recolhimento do ITCMD para a doação em questão. Em suas razões, sustentou que a doação feita por ambos os cônjuges a um de seus descendentes envolve dupla transmissão e, portanto, dois fatos geradores do tributo, cada qual sujeito ao teto de isenção fiscal de 2.500 UFESPs.

Ao julgar o recurso, o Relator observou que o regime matrimonial adotado pelos cônjuges é o da comunhão universal e que, em razão disto, o imóvel doado fazia parte do patrimônio comum. Sendo assim, o ato de doação do bem é unitário, pois a cada cônjuge cabe parte ideal e não certa e delimitada sobre a coisa.

Diante do exposto, o Relator entendeu que a sentença proferida pelo juízo a quo não merece reparo, afirmando que, “do negócio jurídico decorre um único fato gerador tributável de imóvel com valor superior ao limite de isenção da Fazenda”.

Portanto, o que define se a doação de um casal no regime de comunhão de bens resulta em um ou dois fatos geradores é a questão do patrimônio do casal. Se ele é único e não pode ser desdobrado de forma alguma , a doação resulta em um fato gerador , ou se ele pode ser considerado em vida como duplo, do marido e da mulher , então temos dois fatos geradores.

Como já demonstrado, é claro e cristalino que o patrimônio do casal é comum, é, portanto só há um fato gerador e a norma esculpida no artigo 544 do Código Civil, aplica-se apenas no futuro, quando falecido um dos cônjuges, aí sim, para preservar o direito de todos os herdeiros, deve ser trazido à colação o bem doado pelo casal em vida.

Para reforçar mais ainda o fato de que não se pode fracionar o patrimônio do casal em comunhão de bens, venho transcrever o brilhante voto da ministra Carmen Lúcia no recurso extraordinário RE 614191DF, no STF.

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“Com efeito, a comunhão patrimonial entre os cônjuges é tratada pela doutrina como uma mancomunhão (Gesamnte Hand), condomínio de mão única ou fechada, de origem germânica, designação esta adotada por nosso ordenamento jurídico nas hipóteses em que os bens são adquiridos na constância do matrimônio, se sob o regime da comunhão parcial de bens, vez que se produz uma íntima união patrimonial entre os consortes, diferindo, destarte, do condomínio de tradição romana, o communio, que serviu de inspiração, em termos genéricos, para o sistema de nosso Direito Positivo.

(...)

Por conseguinte, os haveres do casal permanecem indivisos em propriedade comum, tendo os bens, não por metades ideais, mas formando uma unidade. Dessa forma, entendo que os cônjuges exercem a propriedade sobre a totalidade dos bens adquiridos na constância do matrimônio, não havendo de se falar em exercício de tal direito real sobre uma fração de cada bem considerado isoladamente. Logo, quanto aos aquestos, aplicável seria a doutrina do condomínio germânico.

Destarte, enquanto perdurou a comunhão indivisa, os direitos de meação dos conjugues incidiram sobre a totalidade dos bens sujeitos a esse regime, considerada de forma abstrata. Ao se efetivar a partilha, ficaram individualizados os bens que tocaram a cada um, não havendo que se falar em transferência ou acréscimo (...), porquanto, como mencionado, a propriedade é exercida por cada um sobre a totalidade dos bens considerados em sua forma abstrata e, concretizando-se a divisão, apenas se declara quais bens pertencem a um ou outro consorte. Dessa forma, inexistente a transferência do domínio, o fato gerador da obrigação fiscal não se institui’ (APC 19990110325588).

Com efeito, enquanto perdurar a comunhão, os haveres do casal permanecem indivisos em propriedade comum e os cônjuges exercem a propriedade sobre a totalidade dos bens. Todavia, com o óbito, a transmissão da posse e propriedade da herança opera-se de pleno direito desde logo, pelo simples fato da abertura da sucessão, na forma dos artigos 1.572 a 1.574 do antigo Código Civil. Há sucessão a título universal, não obstante comporte divisão intelectual em frações consideradas em relação ao todo, mas a individualização só se concretizará com a partilha.

De outra parte, o cônjuge supérstite, meeiro, não é sucessor do falecido. Porquanto, não há de se falar em transmissão no tocante à sua parte, cujo monte-mor permanece indiviso até liquidação da herança, sendo que o instrumento formal é o inventário.

Portanto, a individualização dos bens do casal em regime de comunhão universal de bens só pode ocorrer com o falecimento de um dos cônjuges, a abertura da sucessão que resulta aí sim, na partilha dos bens. Em vida há um só patrimônio, que não pode ser cindido de forma alguma, e, portanto, se o casal decide doar bens patrimoniais, para quem quer que seja descendente ou não, estará fazendo uma única doação, devendo na declaração de doação constar o nome dos dois e um único CPF.

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