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O Código de Defesa do Consumidor como marco de criação de uma política nacional de defesa do consumidor

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14/09/2015 às 10:22
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A partir da entrada em vigor da Lei 8.078/90, o ordenamento admitiu e deu juridicidade às relações estabelecidas entre o consumidor e o fornecedor, criando, portanto, a relação jurídica de consumo.

1. Relação Jurídica de Consumo

Toda vez que houver vínculo unindo duas ou mais pessoas, em relação estabelecida por um fato jurídico e cuja amplitude relacional é regulada por normas jurídicas que operam e permitem uma série de efeitos jurídicos, podemos afirmar que estamos diante de uma relação jurídica.[1]

As relações jurídicas são variadas e decorrem de inúmeras fontes, sendo elas que movimentam o direito e sobre elas atuam as normas jurídicas, cabendo ao ordenamento admitir e dar juridicidade às relações sociais, ou as repelir e colocá-las na ilegalidade.[2]

A partir da entrada em vigor da Lei 8.078/90, o ordenamento admitiu e deu juridicidade às relações estabelecidas entre o consumidor e o fornecedor, criando, portanto, a relação jurídica de consumo.

É o que diz Plínio Lacerda Martins, quando leciona que “uma relação jurídica é um vínculo que une duas ou mais pessoas, caracterizando-se uma como sujeito ativo e outra como passivo da relação. Este vínculo decorre da lei ou do contrato e, em conseqüência, o primeiro pode exigir do segundo o cumprimento de uma prestação do tipo dar, fazer ou não fazer. Se houver incidência do CDC na relação, isto é, se uma das partes se enquadrar no conceito de consumidor e a outra no de fornecedor e, entre elas, houver nexo de causalidade capaz de obrigar uma a entregar a outra uma prestação, estaremos diante de uma relação de consumo”.[3]

Observamos, pois, que o Código de Defesa do Consumidor, só será utilizado quando houver vínculo interpessoal de consumidores e fornecedores, ou seja, quando a relação jurídica for de consumo, figurando em um pólo o consumidor e no outro o fornecedor. Referido Código indica, dessa maneira, quais são os sujeitos da relação, bem como os objetos, conforme veremos em momento oportuno.

Para entender a relação jurídica de consumo necessário se faz, portanto, a conceituação de consumidor e de fornecedor, nos termos oferecidos pelo Código de Defesa do Consumidor, bem como de produto e serviço.


2 – Conceito de Consumidor

O legislador brasileiro, a partir da Lei 8.078/90, conceitua em seu artigo 2º consumidor como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

José Geraldo de Brito Filomeno afirma que, ao assim proceder, o legislador procurou oferecer um conceito exclusivamente de caráter econômico, pois leva em conta tão-somente o personagem que adquire bens ou contrata prestação de serviços no mercado, como destinatário final, com finalidade específica de atender uma necessidade própria e não para desenvolver outra atividade negocial.[4]

Referido autor oferece em seu Curso Fundamental de Direito do Consumidor, um panorama acerca da conceituação, que apesar de extenso, vale transcrever. Diz ele que:

sob o ponto de vista econômico, consumidor é considerado todo indivíduo que se faz destinatário da produção de bens, seja ele ou não adquirente, e seja ou não, a seu turno, também produtor e outros bens. Trata-se, como se observa, da noção asséptica e seca que vê o consumidor tão somente como o homo economicus, e como partícipe de uma dada relação de consumo, sem qualquer consideração de ordem política, social ou mesmo filosófico-ideológica.

“Já do ponto de vista psicológico, considera-se consumidor o sujeito sobre o qual se estudam as reações a fim de individualizar os critérios para a produção e as motivações internas que o levam ao consumo. Nesse aspecto, pois, indaga-se das circunstâncias subjetivas que levam determinado indivíduo ou grupo de indivíduos a ter preferência por este ou aquele tipo de produto ou serviço, preocupando-se com esse aspecto a ciência do marketing e a publicidade, assumindo especial interesse, quando se trata, principalmente, dos devastadores efeitos desta última, se enganosa ou tendenciosa, diante de modernas e sofisticadas técnicas de comunicação social.

“Já do ponto de vista sociológico, é considerado consumidor qualquer indivíduo que frui ou se utiliza de determinados bens e serviços, mas enquanto pertencente a uma determinada categoria ou classe social. Eis aí a ligação entre o chamado ‘movimento trabalhista’ ou ainda ‘sindicalista’ e o ‘movimento consumerista’, uma vez que, por razões evidentes, a noção de melhor qualidade de vida pressupõe certamente o próprio poder aquisitivo para dar vazão ao desejo de se consumir produtos e contratar serviços, em maior escala, e igualmente de melhor qualidade. Nesse particular têm grande importância as pesquisas efetuadas pelo PROCON, por exemplo, em termos de evolução dos preços da chamada ‘cesta básica’, bem como do DIEESE.

“Em termos de considerações de ordem literária e filosófica, o vocábulo é saturado de valores ideológicos mais evidentes. Com efeito, o termo é quase sempre associado à denominada sociedade de consumo ou consumismo. Nesses casos, o chamado homem consumidor torna-se o protótipo do indivíduo autômato, condenado a viver numa sociedade opressora, voltada exclusivamente para produção e distribuição de todos os valores com que lhe acena a sociedade produtora-consumista, eis que fundada na inexorável e mecânica aquisição pelo consenso posto, de molde a até criar, muitas vezes, necessidades artificiais.”[5]

Entretanto, o legislador não esgota a conceituação no caput do referido artigo. Continua sua conceituação no parágrafo único do artigo 2º afirmando que equiparam-se aos consumidores a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que tenha intervindo nas relações de consumo.

Trata portanto, o parágrafo único do artigo 2º de equiparar uma coletividade de consumidores, especialmente quando indeterminados, que tenham intervindo na relação de consumo, ao conceito oferecido por ele no caput do artigo. Isso é possível porque o próprio Código, em seu artigo 81, inciso II, identifica os direitos coletivos como aqueles transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas, ligadas entre si ou com a parte contraria por uma relação jurídica base.

Desta feita, reconhece ao grupo, categoria ou classe de pessoas a equiparação ao conceito de consumidor estampado no caput do artigo 2º da Lei 8.078/90, podendo então identificar as pessoas que tenham intervindo na relação.

O Código de Defesa do Consumidor, traz também em seu artigo 17 a previsão de equiparação aos consumidores, todas as vítimas do evento, visto que muitas vezes o dano acaba atingindo pessoas estranhas à relação jurídica de consumo. Diz Rizzato Nunes que “a dicção do art. 17 deixa patente a equiparação do consumidor às vítimas do acidente de consumo que, mesmo não tendo sido ainda consumidoras diretas, foram atingidas pelo evento danoso”.[6]

Por fim, trata o Código em questão, no seu artigo 29, de equipar ao consumidor as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. Assim, são elevadas à condição de consumidores as pessoas expostas à publicidade, oferta, práticas comerciais abusivas, cobrança de dívida, banco de dados e cadastros de consumidores, bem como as vítimas de acidente de consumo.

Rizzatto Nunes afirma que “é uma espécie de conceito difuso de consumidor, tendo em vista que desde já e desde sempre todas as pessoas são consumidoras por estarem potencialmente expostas a toda e qualquer prática comercial.” [7]

Herman Benjamin entende que temos um conceito concreto de consumidor (artigo 2º do CDC), caso em que se impõe aquisição ou utilização – como destinatário final – e um conceito abstrato (artigo 29 do CDC), caso em que a única imposição é que haja exposição à prática , mesmo que não se consiga apontar, concretamente, um consumidor que esteja em vias de adquirir ou utilizar produto ou serviço.[8]

A lei dá guarida inclusive àqueles que não podem ser identificados, mas que foram expostos a práticas abusivas, permitindo assim que essas pessoas, na condição de “consumidores” possam se insurgir contra tal prática no afã de combatê-la.

Fica claro que qualquer pessoa pode valer-se de bens ou serviços e desde que seja destinatária final, passa a preencher o conceito dado pelo Código. Urge, a partir do exposto, analisar a última parte do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, por ser essencial a condição de destinatário final, sem a qual não podemos falar em relação de consumo.


3 – Destinatário final

Para uma exata definição de consumidor, é necessário preencher o conceito de destinatário final, sendo que se não houver cumprimento desta imposição legal não há que se falar em consumidor, tampouco em relação de consumo.

Rizzatto Nunes, em seu magistério, leciona que “o Código de Defesa do Consumidor regula situações em que produtos e serviços são oferecidos ao mercado de consumo para que qualquer pessoa os adquira, como destinatária final. Há, por isso, uma clara preocupação com bens típicos de consumo, fabricados em série, levados ao mercado numa rede de distribuição, com ofertas sendo feitas por meio de dezenas de veículos de comunicação, para que alguém em certo momento os adquira.” [9] (grifos nossos)

Neste sentido, preocupou-se o legislador em atender aqueles que adquirem ou utilizam o produto ou serviço, tirando-os do ciclo produtivo para valer-se deles, não como insumo, mas com intenção de consumo.

Diz Cláudia Lima Marques que “o destinatário final é o consumidor final que retira o bem do mercado ao adquiri-lo ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico), e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem, incluindo o serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço de construção, nos seus cálculos do preço, como insumo da sua produção.” [10]

Ser destinatário final, significa, então, retirar do mercado o bem a ser utilizado, extinguindo assim a cadeia de produção. Entretanto, algumas são as correntes a respeito da temática, sendo impossível resolver a questão valendo-se apenas da interpretação gramatical da expressão “destinatário final”; assim, podemos observar duas principais correntes: a dos finalistas e a dos maximalistas.

Para a primeira corrente, os finalistas, a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial - para os consumidores - , que existe visto ser o consumidor parte vulnerável nas relações no mercado de consumo, conforme elucida o próprio Código em seu artigo 4º, I, interpretando o conceito de destinatário final de maneira restrita.[11] Daí, e segundo Claudia Lima Marques, “destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou do serviço.” [12]

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Em contrapartida, para os maximalistas as normas do CDC são vistas como um novo regulamento do mercado de consumo, logo não servem apenas para proteção do consumidor não profissional, instituindo normas e princípios para todos os agentes do mercado, sendo que o conceito de “destinatário final” deve ser interpretado de forma extensiva para que as normas possam ser aplicadas a um maior numero de relações do mercado.[13]

Para esta corrente importa não só defender o consumidor não-profissional, mas também o profissional, sendo que destinatário final a ser considerado não seria o econômico, mas sim o fático, aquele que retira o produto do mercado e o utiliza ou consome. José Geraldo de Brito Filomeno entende que se aplicarmos o CDC sem qualquer distinção às pessoas jurídicas – ainda que fornecedoras de bens e serviços – estaríamos negando a própria epistemologia do microssistema jurídico de que se reveste. [14]

Fala-se ainda em uma terceira corrente, surgida com o advento do novo Código Civil, denominada por Cláudia Lima Marques de “finalismo aprofundado”, que concentra-se na noção de consumidor final imediato e vulnerabilidade.[15] É como se os finalistas tivessem amadurecido sua interpretação e os maximalistas restringido seu ímpeto. [16]

Fato é que esta última corrente vem ganhando espaço nos Tribunais, por parecer mais equilibrada, dando ênfase tanto às normas do CDC quanto a vulnerabilidade do consumidor, observando caso a caso a pertinência na aplicação das regras em questão.


4. Conceito de Fornecedor

É o artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor que determina ser fornecedor toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

A questão a ser enfrentada a partir da leitura deste artigo, que de per si deixa claro sua extensão, é no que diz respeito a palavra “atividade”.

A expressão parece indicar a exigência de habitualidade, mas demonstra a intenção do legislador em garantir inclusão de grande número de prestadores de serviços nas relações de consumo.[17]

Assim é importante analisar que tipo de atividade poderá se valer da aplicação das regras do CDC, ampliando-se, tendo em vista a realidade econômica atual, o conceito de fornecedor. Diz Plínio Lacerda Martins que “a palavra atividade do art. 3º traduz o significado de que todo produto ou serviço prestado deverá ser efetivado de forma habitual, vale dizer, de forma profissional ou comercial.”[18]

Para Rizzatto Nunes, “o uso do termo ‘atividade’ está ligado a seu sentido tradicional. Têm-se, então, atividade típica e atividade eventual. Assim, o comerciante estabelecido regularmente exerce a atividade típica descrita em seu estatuto. Mas é possível que o mesmo comerciante exerça uma atividade atípica, quando, por exemplo, age, de fato, em situação diversa da prevista, o que pode dar-se de maneira rotineira ou eventual. E a pessoa física vai exercer atividade atípica ou eventual quando praticar atos do comércio ou indústria.” [19]

Por não ter feito exclusão de nenhum dos sujeitos de direito – pode ser qualquer pessoa física, jurídica ou ente despersonalizado – fala-se [20] em fornecedor ser gênero do qual o fabricante, o produtos, o consultor, o importador e o comerciante são espécies.


5 – Conceito de produto

O legislador, ao indicar os sujeitos da relação – consumidor e fornecedor – fazendo com que haja relação de consumo, indica também quais são os objetos desse interesse.

Daí o § 1º do artigo 3º definir produto como qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

José Geraldo de Brito Filomeno entende que melhor seria a utilização da expressão “ bens” ao invés de “produtos” visto ser aquele muito mais abrangente que este e conclui que “tal aspecto fica ainda mais evidenciado quando se tem em conta que no caso se haverá que cuidar de bens como efetivos objetos das relações de consumo, isto é, como o que está entre (do latim inter+essere) os dois sujeitos da ‘relação de consumo’”. [21]

Portanto, os produtos objetos da relação que se posicionam entre seus sujeitos – consumidor e fornecedor – com finalidade de satisfazer um necessidade específica de quem o adquire/utiliza, poderiam ser denominados “bens”.

Em posicionamento contrário Rizzatto Nunes observa que o CDC definiu produto de maneira adequada pois seguiu o conceito contemporâneo que nos dias de hoje está intrinsecamente ligado à ideia de bem, resultado da produção no mercado de consumo das sociedades capitalistas contemporâneas. [22]

Fato é que o legislador estipulou que esses produtos podem ser móveis, imóveis, materiais ou imateriais e, ainda, em seu artigo 26 aponta os produtos duráveis e os não duráveis.

Parece-nos que ao assim proceder, isto é, ao utilizar-se destes vocábulos, o CDC nos remete à ideia tradicional do direito civil, visto que o é ele quem conceitua juridicamente bens no art. 79 e seguintes. A novidade reside na questão dos produtos duráveis e não-duráveis.

Por produtos duráveis podemos entender aqueles tangíveis que não extinguem-se apos seu uso regular. Chamamos atenção para o fato de que esses produtos, apesar de sua durabilidade, não são eternos. Estão fadados a deixar de atender as finalidades para as quais se propunham.

Já os produtos não duráveis tem sua finalidade extinguida de imediato, ou seja, perdem totalmente sua existência com o uso, como é o caso dos medicamentos, alimentos, cosméticos, bebidas, etc. Entretanto é de se observar, segundo Rizzatto Nunes, que “o fato de todo o produto não se extinguir de uma só vez não lhe tira a condição de ‘não durável’. O que caracteriza essa qualificação é sua maneira de extinção ‘enquanto’ é utilizado”.[23]

Importante lembrar que tal distinção é de extrema importância. O CDC ao conceder prazo decadencial para a reclamação por vícios, confere maior lapso temporal para os produtos que forem duráveis e menor para os não duráveis.

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Sobre o autor
Paulo Sérgio Feuz

Doutor, Mestre e Especialista em Direito pela PUC-SP. Coordenador e Professor do Curso de Direito das Faculdades Integradas Rio Branco da Fundação de Rotarianos de São Paulo. Professor da Graduação e Pós Graduação da da Faculdade de Direito da PUC-SP. Coordenador do Núcleo de Direito Desportivo da Pós Graduação em Direito da PUC-SP. Advogado em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEUZ, Paulo Sérgio. O Código de Defesa do Consumidor como marco de criação de uma política nacional de defesa do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4457, 14 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42757. Acesso em: 22 nov. 2024.

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