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O tributo como fato gerador da circulação de riquezas

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04/06/2018 às 11:00
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2. IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS

O ICMS está previsto na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 155, inciso II, sendo um tributo com finalidade meramente fiscal, um dos que mais arrecada no País. Possui como hipótese de incidência a operação de circulação de mercadoria e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que estas se iniciem no exterior.

A Lei Complementar nº 87/1996, mais conhecida como Lei Kandir, estipula em seu artigo 2º os fatos geradores: operações relativas à circulação de mercadorias; prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal; prestações onerosas de serviços de comunicação; fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios, Lei Complementar 116/2003 – ISS, e fornecimento de mercadoria de competência municipal, quando a LC 166/2003 expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.

A base de cálculo é o valor da operação relativa à circulação da mercadoria, ou o preço do serviço[17]. A figura do contribuinte, previsto no artigo 4 da referida Lei, em um primeiro momento, era a pessoa que realizava com habitualidade ou em volume operações de circulação de mercadorias ou prestação de serviços, que caracterizasse intuito comercial, ainda que se iniciasse no exterior.

 Dessa forma, quem vendesse uma mercadoria de forma eventual, como exemplo se pode citar uma pessoa que deseja comprar um celular mais novo e vende seu celular mais antigo para um amigo, não preenchendo assim o requisito da habitualidade nem o do volume, não caracterizando assim o intuito comercial.

O entendimento foi materializado pelo Supremo Tribunal Federal, afirmando que não incidira ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não fosse contribuinte do imposto[18].

Com a evolução jurisprudencial, foi introduzido o parágrafo único no artigo 4, LC 87/96, prevendo a figura do contribuinte pessoa jurídica ou física, mesmo que sem habitualidade ou intuito comercial: importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja sua finalidade; seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados; adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, tendo inclusive o Supremo superado o seu antigo entendimento na sua súmula de número 661:

661. Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.

Deixando assim, cristalino a sua mudança de posicionamento sobre a incidência do tributo, mesmo que sem habitualidade ou intuito financeiro.

Sua espécie de lançamento é por homologação[19], na qual a lei antecipa o pagamento do tributo, para fins acautelatórios, finalidade de garantir o crédito tributário com posterior homologação do pagamento pela autoridade administrativa, o fisco.

Apesar do referido artigo expressamente afirmar que uma vez antecipado o pagamento será feita a homologação do lançamento, por falta de técnica legislativa o correto seria a homologação do pagamento, uma vez que o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo, identificar o sujeito passivo, aplicar a penalidade devida, é de competência privativa do fisco, não podendo ser delegada ao particular[20], uma vez que é atividade vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

O artigo 12 da referida Lei Complementar estipula o critério temporal da incidência do tributo, ou seja, o momento a partir do qual ocorre o a hipótese de incidência no mundo fático, seu fato gerador, já sendo assim passível de cobrança por parte da autoridade administrativa: saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular, nessa hipótese é necessário salientar que o STJ já pacificou o entendimento afirmando que o mero deslocamento de mercadoria de um para o outro estabelecimento do mesmo contribuinte não constitui fato gerador do ICMS[21], inclusive o STF entende que não constitui fato gerador do referido imposto à saída física de máquina, utensílios e implementos a título de comodato.[22]

O ICMS é um tributo indireto por natureza, uma vez que há o efeito da repercussão econômica, surgindo assim à figura do contribuinte de direito e do contribuinte de fato, como já foi anteriormente explanado com a ajuda do artigo 166, CTN.

Com isso, é muito comum a visualização das grandes cadeias produtivas com inúmeras incidências do tributo, que para fins de facilitação e aprimoramento do trabalho da Fazenda Pública, ocorre à figura da substituição tributária como uma ajuda no procedimento de fiscalização para fins de incidência do crédito tributário.

Um exemplo que se pode citar é o trabalho de uma indústria fabricante de jogos de videogame, Sony DADC Brasil, que ao realizar a fabricação de um jogo de ps4 no polo industrial de Manaus, vende sua mercadoria para as inúmeras distribuidoras, como a Livraria Saraiva, Livraria Cultura... Que por sua vez, revende esses jogos ao consumidor final.

Para evitar o gigantesco trabalho de conferir venda por venda nessa interminável cadeia, o fisco antecipa as vendas futuras para a base da cadeia produtiva, que no caso é a indústria de videogame, substituindo assim, progressivamente, as futuras operações, concentrando tudo de uma vez na base.

Para fixar melhor essa ideia, a constituição estabeleceu que o ICMS fosse não cumulativo[23], ou seja, se compensará o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

Um exemplo seria o seguinte, a fabricante Sony fabrica um jogo que sai de sua sede em Manaus custando R$100,00, já incluído o devido lucro da empresa, no preço final do produto.

No caso da mercadoria, jogo de videogame, existe outra característica do ICMS, que poderá ser seletivo em razão da essencialidade do produto[24], incidindo de forma mais gravosa em itens não essenciais, tidos como supérfluos ou de luxo, e incidindo de forma mais superficial, amenizada em artigos essenciais ao consumo humano. Dessa forma, como o jogo não é uma mercadoria essencial, o tributo incide com mais força, que no caso específico chega a incrível marca de 72% de tributo, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação – IBPT.

A título de exemplo, incidiria o Imposto de importação a 20%, IPI a 30%, PIS/Cofins a 9,25% e o ICMS a 18% - 25%, a depender da alíquota estadual interna, sendo assim, o jogo passaria a custar quase R$180,00. Adquirido o produto pela Livraria Cultura, somados a sua margem de lucro, o jogo é vendido ao consumidor final pelo preço de R$200,00, como no caso o tributo é pago em substituição tributária progressiva, concentrado todo na base, na operação da venda da livraria para o consumidor final, o imposto já foi recolhido.

Se pegarmos uma cadeia em que não haja a substituição tributária, cada um recolhe seu tributo, é mais fácil de perceber a não cumulatividade. Uma importadora realiza a importação de um software “off the shelf”, de prateleira, com pacífica incidência de ICMS, no valor de R$100,00 reais, sendo a alíquota de 10% a título de crédito tributário, o software é comprado por uma distribuidora que vende a R$300,00 reais a uma loja que revende por R$500,00 reais ao consumidor final.

No exemplo citado acima, se não existisse a não cumulatividade, na primeira operação, a importadora recolheria R$10,00 reais de crédito tributário de ICMS, na segunda, a distribuidora recolheria R$30,00 reais e na terceira, a loja recolheria R$50,00, totalizando a quantia de R$90,00 reais que estaria incluída no preço pago pelo consumidor final, muito acima da alíquota de 10%.

Para evitar isso, existe a não cumulatividade, quando um comerciante adquire mercadoria, adquire um crédito fiscal, que poderá ser abatido no momento da venda do produto. Haverá uma compensação dos débitos com os créditos. Se o montante do débito for maior, ele recolhe o tributo, se for menor, ele transfere o saldo dos créditos para o período seguinte.

No caso do exemplo, por se tratar de um tributo indireto, o ônus tributários é passado para o próximo da cadeia:                       

SUJEITO OPERAÇÃO VALOR ICMS(10%)
Importadora Venda R$ 100,00 R$ 10,00 (débito)
Distribuidora Compra R$ 100,00 R$ 10,00 (crédito)
Distribuidora Venda R$ 300,00 - R$ 30,00 (débito) R$ 20,00 (imposto a recolher)
Loja Compra R$ 300,00 R$ 30,00 (crédito)
Loja Venda R$ 500,00 - R$ 50,00 (débito) R$ 20,00 (imposto a recolher)
Consumidor final Compra R$ 500,00 R$ 50,00 (imposto total pago)

No final se somarmos as operações, foi pago RS10,00 + R$20,00 + R$20,00 = R$50,00, sendo o valor de 10% da alíquota condizente com o preço final pago pelo consumidor.

O ICMS é uma exceção do princípio da anterioridade anual[25] mas respeita por completo a anterioridade nonagesimal ou noventena[26]. O primeiro significa que é vedada a cobrança do tributo no mesmo exercício financeiro de sua criação, o segundo, que é vedado a cobrança antes de decorridos noventa dias de sua instituição ou majoração, devendo ser aplicados em conjunto, não devendo um excluir o outro.

A exceção diz respeito às alíquotas do ICMS, especificamente sobre combustíveis e lubrificantes[27], tendo em vista que é um dos poucos impostos[28] que incide sobre derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País, cabendo a Lei Complementar definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez.[29]

Antes da emenda 33/2001, a saída da gasolina, exemplo, de Bahia para Pernambuco era imune, em virtude de a operação ser interestadual, art. 155, §2º, X, b, CF. Quando o combustível era comercializado em Pernambuco, o tributo incidia e a arrecadação ficava nesse Estado, porque a operação era interna.

Com as novas regras, caso a Lei Complementar defina a gasolina como sujeita à incidência monofásica do ICMS, a saída do combustível de Bahia para Pernambuco será tributada no regime de substituição tributária para frente, cobrando-se antecipadamente todo o combustível da cadeia de produção/circulação da refinaria ao posto, mas sendo o produto da arrecadação direcionado integralmente para Pernambuco.

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Se o destinatário também for contribuinte, o imposto será repartido entre os Estados de origem e o destino. Se o destinatário não for contribuinte, o imposto caberá ao Estado de origem, isso nos casos dos combustíveis não englobados no art. 155, §4º, I, CF.

O imposto em questão também é uma exceção ao princípio da estrita legalidade tributária[30], uma vez que suas alíquotas com relação ao ICMS combustíveis podem ser alteradas por ato exclusivo do CONFAZ.

O CONFAZ é um conselho deliberativo previsto na Constituição Federal, com a finalidade de promover o melhoramento do federalismo fiscal e a isonomia tributária entre os Estados da Federação, com reuniões periódicas para discussão dos respectivos temas.

São membros desse conselho os secretários da Fazenda, Finanças e Tributação de cada Estado e do DF e pelo Ministro de Estado da Fazenda, que decidem como forma de convênio, protocolos, ajustes as concessões ou revogações de benefícios fiscais do ICMS, procedimentos de determinados contribuintes.

Dessa forma, apesar do convênio para majoração da alíquota não ser uma lei estrito senso, ainda assim, faz parte da legislação tributária como uma norma complementar.[31]

O ponto principal desse trabalho é sobre a polêmica da disparidade econômica que causa aos Estados membros da federação no tocante as relações interestaduais e a divisão das receitas.

Na operação entre Estados diferentes, a quem deveria caber o produto da arrecadação? Ao produtor, alienante, ou ao consumidor, adquirente?

Se a resposta for aos Estados produtores, beneficiará os mais industrializados, mais desenvolvidos, sendo os que mais produzem mercadorias. Se a resposta for aos consumidores, beneficiará uma melhoria na arrecadação dos menos desenvolvidos, contribuindo para diminuição das desigualdades regionais, sendo, inclusive, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.[32]

Na época da elaboração, em discussão do Congresso Nacional, foi eleito vencedor os Estados produtores, mas criaram regras para garantir que nas operações interestaduais realizadas entre contribuintes, boa parte da arrecadação ficaria com o Estado que ocorresse o consumo.

Uma dessas regras é a o estabelecimento de alíquotas mínimas nas operações internas, para tentar amenizar os efeitos da guerra fiscal, que também será abordada nessa pesquisa, uma vez que os Estados tentam diminuir a tributação como um atrativo para grandes empresas se instalarem e gerarem empregos, tendo o Senado Federal a facultatividade de fixar o limite tanto mínimo quanto máximo, uma vez que tributo não é confisco, a sede arrecadatória do Estado tem limitações constitucionais.

Salvo deliberação em convênio pelo CONFAZ, as alíquotas internas serão maiores ou iguais às alíquotas interestaduais.

Para melhor compreensão, um exemplo seria a alíquota interestadual de uma operação de São Paulo para Pernambuco no valor de 7%, alíquota interna de São Paulo no valor de 18%, alíquota interna de Pernambuco no valor de 17%.

No primeiro caso, o destinatário em Pernambuco não é contribuinte do ICMS, pois não é comerciante, e adquire a mercadoria como consumidor final. Pois não há diferença entre a operação relatada e aquela que o adquirente, de passagem por São Paulo, adquire mercadoria no balcão da empresa comerciante. Em ambos os casos, se aplicará a alíquota interna de São Paulo de 18%.

No segundo caso, o adquirente é contribuinte do imposto, comerciante, possui logística para recolher tributos no Estado de Pernambuco. Apesar de comerciante, está adquirindo a mercadoria como consumidor final, não havendo objetivo de comercializá-la, exemplo, empresa compra computadores para o seu ativo permanente. O Estado de São Paulo recebe o montante da alíquota interestadual 7% e o Estado de Pernambuco, o contribuinte paga a alíquota cheia de 17% e se credita dos 7%, diferença entre a alíquota interestadual e a sua interna (17% - 7% = 10%).

No terceiro caso, o adquirente em Pernambuco é comerciante e tem o objetivo de revender a mercadoria no âmbito de sua atividade principal. O Estado de São Paulo receberá o equivalente a alíquota interestadual de 7% e o adquirente de Pernambuco terá o direito ao crédito decorrente do valor pago na aquisição e compensará tal em vendas futuras.

Casos distintos, com alíquotas diferentes o que torna por sua vez a arrecadação diferenciada em razão da operação. A crítica que essa pesquisa faz é com relação ao primeiro caso, onde o que possui o destinatário como consumidor final, Estado consumidor, não possui empresas que produzam a mercadoria ou se tiver, não é na mesma qualidade ou preço que as outras, tendo o consumidor que se recorrer a outros estabelecimentos em outros Estados para poder comprar.

Quando o tributo fica para o Estado de origem, produtor, nessa situação, só aumenta a disparidade entre os membros da federação, uma vez que esse Estado já é industrializado mais fortemente, já produz mais mercadorias, aufere mais lucro, gera mais empregos, girando toda a economia.

Já com relação ao Estado consumidor, não tem empresas ou se tiver, não consegue competir no mercado com a mesma qualidade ou efetividade de preço, pois as unidades deficitárias do comércio interestadual são, em geral, as mais pobres. Perde ainda na geração de empregos, em tributação que poderia ser utilizada para investimentos públicos para melhoria da infraestrutura desse Estado e consequentemente atração de novos investimentos públicos do setor federal ou do âmbito privado,

Por isso que o legislador constitucional brasileiro adotou para o ICMS as atuais alíquotas interestaduais com percentual mais baixo que as internas, com esse procedimento, a distribuição da receita fica menos injusta do que no caso que cobrança integral do imposto no Estado de origem, dessa forma, o problema da disparidade econômica é atenuado, mas não resolve.

Como uma possível solução para o problema, se aconselharia a analogia com o modelo do ICMS sobre combustíveis, se cobrando no modelo de substituição para frente, antecipando todo o pagamento na fonte do Estado produtor, evitando, inclusive, a sonegação fiscal e posteriormente se transferiria toda a receita para o Estado consumidor, que é o mais necessitado, fazendo jus ao dito na Carta Magna a respeito do desenvolvimento nacional de uma forma equilibrada e reduzindo assim as desigualdades regionais.

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Sobre o autor
Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela Faculdade Marista. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Filipe Reis. O tributo como fato gerador da circulação de riquezas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5451, 4 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42787. Acesso em: 24 nov. 2024.

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Orientador: Prof.: Cleyber Valença, colaboradores: Prof. Joaquim Rafael Soares e Dr. Ricardo Pontes

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