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Aspectos históricos da responsabilidade civil médica

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Para a compreensão dos diferentes aspectos que envolvem a responsabilidade civil decorrente do exercício profissional da atividade médica, é necessário expor a evolução histórica da valoração e reparação do dano, para conhecer suas origens e sua situação nos dias atuais.

Sumário: 1. Introdução 2. O Direito Romano 3. A influência grega 4. O Direito árabe 5. Origens no Direito europeu: França e Espanha 6. A evolução no Direito brasileiro 7. Conclusões 8. Referências bibliográficas


1 Introdução

Para uma maior compreensão dos diferentes aspectos que envolvem a responsabilidade civil, e mais precisamente a responsabilidade civil decorrente do exercício profissional da atividade médica, acreditamos extremamente necessário expor, em breve análise, a evolução histórica da valoração e reparação do dano, para conhecer suas origens e sua situação nos dias atuais.

Não há como falar na história da vida quotidiana da humanidade sem falar na luta pelo conhecimento médico, para curar doenças que sempre estiveram presentes. Para os mais jovens, nascidos em regiões desenvolvidas, é difícil acreditar que até poucas décadas atrás, o cidadão comum morria por doenças agora consideradas de fácil tratamento, como a tuberculose ou a pneumonia. A expectativa média de vida era consideravelmente mais baixa, uma vez que os meios disponíveis para o combate às doenças eram precários e, por vezes, empíricos.

A arte da medicina, nos primórdios da civilização, era essencialmente artesanal. A cura praticada era vista como um dom divino, até porque pouco se conhecia da anatomia e da fisiologia humanas.

Os métodos e rituais de cura não sofriam questionamentos, e os médicos eram reverenciados tal qual verdadeiros sacerdotes. Em contrapartida, o insucesso também lhes era cobrado na mesma proporção, pelo que a história da responsabilidade civil por vezes se confunde com o próprio desenvolvimento da reparação do dano médico.

A valoração médica do dano corporal não aparece como tal na História até o Século XVI, quando se passa a exigir nas codificações legais de forma explícita a participação pericial médica nos procedimentos jurídicos, o que se confunde com a própria história da medicina legal.

Sem embargo, desde as origens do homem e da medicina, existiu a necessidade constante de se realizar uma adequada avaliação do dano sofrido por um indivíduo, com o fito de estabelecer a responsabilidade do culpado, e determinar qual o castigo que deveria sofrer, ou o valor de pagamento a que estaria obrigado a satisfazer.

O primeiro documento histórico, ainda que incompleto, conhecido sobre o tema é a Ley de Ur Nammu, escrita em sumério, mais conhecida como as Tábuas de Nippur (ano 2050 a.C.) Este é o documento mais antigo que se conhece, e constitui a base dos demais códigos que existiram ao longo da evolução da história conhecida da civilização humana, ainda que, à medida em que esta foi se desenvolvendo, estes foram se refinando, embora sempre refletindo o princípio da reparação proporcional ao valor da perda.

Sem dúvidas, se pode afirmar que a história da reparação do dano causado por erro médico começa a partir da existência do Código de Hamurabi, cuja data mais admitida como provável é o ano 1750 a.C. É praticamente uma cópia das Tábuas de Nippur, onde se percorrem todos os aspectos da vida civil, tratando em seus artigos 196 a 201 da matéria relativa à reparação do dano físico, que ocorreria segundo a Lei de Talião (também presente na Lei de Moisés, a seguir exposta), ou por meios de reparação que dependeriam da situação social da vítima.

Miguel Kfouri Neto leciona [1]:

"O primeiro documento histórico que trata do problema do erro médico é o Código de Hamurabi (1790-1770 a.C.), que também contém interessantes normas a respeito da profissão médica em geral. Basta dizer que alguns artigos dessa lei (215 e ss.) estabeleciam, para as operações difíceis, uma compensação pela empreitada, que cabia ao médico. Paralelamente, em artigos sucessivos, impunha-se ao cirurgião a máxima atenção e perícia no exercício da profissão; em caso contrário, desencadeavam-se severas penas que iam até a amputação da mão do médico imperito (ou desafortunado). Tais sanções eram aplicadas quando ocorria morte ou lesão ao paciente, por imperícia ou má prática, sendo previsto o ressarcimento do dano quando fosse mal curado um escravo ou animal.

Evidencia-se, assim, que inexistia o conceito de culpa, num sentido jurídico moderno, enquanto vigorava responsabilidade objetiva coincidente com a noção atual: se o paciente morreu em seguida à intervenção cirúrgica, o médico o matou – e deve ser punido. Em suma, naquela época, o cirurgião não podia dizer, com uma certa satisfação profissional, como o faz hoje: a operação foi muito bem-sucedida, mas o paciente está morto.

Se essa era a lei – prossegue Avecone -, pode-se imaginar com que serenidade o médico se preparava para uma cirurgia, com os meios de que então dispunha. Por óbvio, só operações de extrema simplicidade eram praticadas, também porque a anatomia era muito pouco conhecida."

Por sua vez, Guilherme Martins Malufe [2] menciona que:

"O primeiro documento histórico que faz referência ao erro médico é o Código de Hamurabi (1790 – 1770 a. C.), que trazia também algumas normas sobre a profissão médica na época.

O Código dizia, por exemplo, que nas operações difíceis de serem realizadas, haveria uma compensação pelo trabalho. Por outro lado, era exigida muita atenção e perícia por parte dos médicos, pois caso algo saísse errado, penas severas eram impostas a eles."

Três eram as situações indenizatórias mais comuns, a saber:

- O homem livre, segundo a Lei de Talião (olho por olho, dente por dente);

- O campesino (normalmente miserável), cuja reparação aconteceria através de um valor ou quantidade de bens fixada por um juiz;

- O escravo, mediante preço proporcional ao seu custo.

A Lei de Moisés abrange um período muito amplo, que vai desde o ano 1500 até o ano 600 a.C. Ela contém em seu capítulo XXI do Êxodo, v. 18 e seguintes, espaço dedicado especificamente à reparação do dano corporal, através do procedimento conhecido como a Lei de Talião, assim como no Código de Hamurabi, já que praticamente coexistentes em países vizinhos, que durante mais de cinco séculos mantiveram em comum guerras, compra e venda de escravos, práticas cotidianas corriqueiras, etc., e até aproximadamente o ano 1000 a.C. não conheceram a indenização fixada por juiz, em quantidade determinada.

Nesta época, o castigo para o médico em caso de resultados adversos ou de má prática era superior ao preço que receberia pelo êxito. Assim, como exemplo, se por uma cura de um homem livre, pela qual receberia dez moedas de prata, obtivesse maus resultados, suas mãos seriam cortadas. Em tratando um escravo, e este ficasse inutilizado ou viesse a falecer, estaria obrigado a dar outro escravo.

Durante este grande período de tempo em que vigiu a Lei de Moisés, outros manuscritos também foram criados, em diferentes culturas, mas acabaram sendo esquecidos no decorrer dos séculos. É o caso das Tábuas de Bognazkeni, datado do ano 1290 a.C., que traz várias referências à reparação das lesões.

Uma tentativa de codificação dos dados do período é a Michna. De origem judia, a Michna cita várias leis que não são privativas ou originárias deste povo, posto que este mesmo documento aparece com nomes distintos nos povos vizinhos, o que é natural, uma vez que em todos havia costumes semelhantes.

Sua décima lei trata do Nezikin, ou Rhalabah (em hebraico), que significa danos, na qual são expostas cinco situações indenizatórias, nesta ordem:

- Primeiro se refere ao "NEZE", ou a reparação do dano propriamente dito (lesão), que varia segundo se trate de um dano temporário ou permanente. Apenas quando definitivo, se imporia o uso da Lei de Talião [3].

- A dor física, a chamada "TSAOR", forma parte do método para estimar o valor do dano corporal.

- A cura, ou o período de cura – o chamado "RIPPUI" – também era considerado como parte integrante do dano, já que a enfermidade seria conseqüência das violências sofridas, razão pela qual o devedor deveria reparar os gastos dispendidos com a cura, e a perda de trabalho durante este período.

- O "CHEVET", ou tempo perdido, também era reconhecido como uma forma de lucros cessantes, e era reconhecido na codificação o direito à indenização por tal período.

- A humilhação sofrida, a honra atingida, conhecida como "BOCHET" não era omitida do cálculo da reparação. Se tratava do que é atualmente chamado de prejuízo ou dano moral.

Todas estas situações poderiam ser exigidas pela vítima, mas nem todas as vítimas eram iguais, posto que ao escravo não era permitido pleiteá-las em sua totalidade:

- As crianças menores de 10 anos que se lesionassem obteriam uma indenização que seria dividida entre elas e seus possuidores.

- O trabalhador surdo-mudo ou com deficiência física que sofresse lesão, sempre era considerado como vítima prejudicada, e era ressarcida.

- O escravo nada recebia, toda e qualquer indenização iria para seu proprietário, já que o escravo não possuía "honra". Acaso ficasse surdo em decorrência do dano, seu proprietário era ressarcido em seu inteiro valor.

Assim mesmo, a reparação do dano se dava segundo estes critérios:

- O homem livre não tinha preço.

- O ressarcimento das lesões sofridas ao longo do tempo era independente umas das outras, sendo diferente a depender da forma de solicitação: se o pedido reparatório era feito após cada lesão, elas eram indenizadas de forma independente; se apenas após o último dado era efetuado o pleito, se aplicava uma fórmula para indenização levando em consideração o conjunto dos danos.

- Se levava em consideração a capacidade de ganhos (a perda futura pela não assunção de trabalhos futuros) e da capacidade de trabalho (a perda por deixar de trabalhar).


2 O Direito Romano

A Responsabilidade Civil como hoje a conhecemos recebeu grande influência do Direito Romano. Foi em Roma que se solidificou a idéia de que a vingança privada não deveria ter lugar na vida em sociedade, cabendo ao Estado o poder – e mais – o dever de tutelar as relações interpessoais, disciplinando a indenização devida pelos danos causados por um particular a outrem.

Não se excluiu de todo a punição retributiva. A diferença passou a ser a permissão ou não do Estado para que pudesse ser aplicada.

Miguel Kfouri [4] descreve de forma bastante elucidativa a maneira como o assunto era tratado em Roma. É interessante perceber a riqueza e a profusão de textos legais preocupados com a matéria da responsabilidade civil e da reparação do dano.

"A Lei Cornélia estabelecia uma série de delitos relacionados à prática da profissão médica e as penas que deveriam ser cominadas.

Entretanto, com a lex Aquilia de damno, plebiscito posterior à Lei Hortênsia, do século III a.C., formulou-se um conceito de culpa, bem como fixaram-se algumas espécies de delitos que os médicos poderiam cometer, como o abandono do doente, a recusa à prestação de assistência, os erros derivados da imperícia e das experiências perigosas.

Como conseqüência, estabelece-se a obrigação de reparar o dano, limitando-o ao prejuízo econômico, sem se considerar o que hoje se define como dano moral.

Quem matasse um escravo ou animal alheio seria condenado a pagar o mais alto valor que tivesse tido no ano anterior ao delito; quem tivesse ferido um escravo ou um animal alheio, como também destruído ou deteriorado coisa corpórea alheia, deveria pagar ao proprietário o mais alto valor que o objeto tivera nos 30 dias precedentes ao delito.

Para intentar a actio legis Aquiliae, era necessário: a) que o dano tivesse causado injuria, isto é, contrariasse o direito; b) uma falta positiva (in committendo). Deixar o escravo alheio morrer de fome, por constituir culpa in omittendo, não gerava responsabilidade.

Qualquer falta imputável ao autor era suficiente: in lege Aquilia et levíssima culpa venit; c) um dano corpori corpore datum – o dano deveria ter sido causado por um contato direto do corpo do autor com o da vítima."

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E arremata:

"Na Lex Aquilia encontram-se os primeiros rudimentos de responsabilidade médica, prevendo a pena de morte ou deportação do médico culpado de falta profissional. Nas obras de Plínio, todavia, deparam-se reclamações de impunidade médica, tendo em vista a dificuldade, já àquela época, das tipificações legais.

Afirmava Ulpiano (Dig. 1, 18, 6, 7) que, ‘assim como não se deve imputar ao médico o evento morte, deve-se imputar-lhe o que houver cometido por imperícia’. Há mais de 1.500 anos, já se cogitava da imperícia do médico, que se tornava responsável pelos danos que viesse a causar ao paciente por falta de habilidade ou conhecimentos."

É normal crer que a preocupação era exagerada, em face dos costumes "bárbaros" da época. Entretanto, os romanos já haviam percebido a necessidade de estabelecer regras de convivência, até mesmo como princípio de garantia de seu sistema de governo, tornando o Direito um dos sustentáculos da República.

A idéia da medicina enquanto ciência precisou superar conceitos e crenças há muito enraizadas. O desenvolvimento romano trouxe benefícios culturais em todas as áreas do conhecimento humano existente à época, inclusive no que tange à saúde. Foi nesta época, que coincide com a expansão do império, que a medicina começou a ganhar contornos profissionais, modificando-se a forma como a população encarava os seus praticantes.

Em Roma, se produz um importante desenvolvimento legislativo no ano 451 a.C., ao se introduzir claramente a sanção penal frente aos casos de lesões pessoais, sendo valorados elementos como o estado físico do lesionado, a qualificação pessoal, os gastos médicos, a noção de incapacidade temporária, etc., cuja tradição perduraria até a edição do Código Napoleônico. Fundamentalmente representado por:

- A Lei das XII Tábuas. Na Tábua VIII desta lei foram contemplados os seguintes artigos:

Artigo 2: admite a Lei de Talião sempre e quando não haja transação.

Artigo 3: o homem livre vale o mesmo que o escravo quando a lesão que sofre é uma fratura. Se esta não for uma fratura, o homem livre não tem preço.

Artigo 4: tratava sobre o prejuízo da honra.

- A idéia Aquiliana, que perdurará até o século XIX (Napoleão), dizia que não havia preço para o homem livre (ao contrário do escravo, que podia ter seu valor medido em moedas), e ter-se-ia que indenizá-lo por preço justo (como acontece em nosso Código Civil), sem entretanto existir uma "tabela" definida: era o lesionado quem estabelecia o valor da lesão, e o juiz decidia se o valor era justo ou não. Ainda assim, o fato doloso valia o dobro que o culposo.

Poucos textos sobreviveram a esta época. Foi a obra de Justiniano, depois do modernismo da Lei Aquília, a que recompilou, codificou e promulgou a legislação da época através do Corpus Juris Civilis. Dentro dos livros que compunham este tratado, o Digesto é o livro que traz a matéria civil, e nele se indica a forma de valoração do prejuízo patrimonial (gastos médicos, diminuição de renda por conta de incapacidade temporária, gastos futuros, etc) e extrapatrimonial (prejuízos psicológicos e à honra).

Prejuízos que eram valorados segundo a Lei Aquília, já que considerava que o homem livre não tinha preço, ao contrário do escravo. Este último, quando "danificado", gerava ao seu "dono" o direito à indenização, que variava segundo a extensão do dano e a qualificação do escravo, ou seja, sua aptidão para a execução de determinadas tarefas. É de ser salientado que não era considerada a hipótese de pagamento por danos extrapatrimoniais inflingidos aos escravos, já que considerados mera mercadoria.


3 A influência grega

Posteriormente, em todas as grandes culturas, se produziu um amplo desenvolvimento da medicina, que reverte igualmente ao tema aqui tratado. Na Grécia aparecem novos elementos que se sobrepõem ao conceito vingativo da Lei de Talião.

Lá foram desenvolvidos estudos que dotaram a medicina de um caráter mais científico, em detrimento de outros elementos não racionais e empíricos até então predominantes. Estes estudos, datados do século V a.C., viriam a constituir o Corpus Hippocraticum, cuja síntese mais conhecida é o juramento ainda hoje repetido por profissionais médicos ao redor do planeta.

A efervescência cultural produzida da junção entre filosofia e ciência atingiu seu apogeu na Grécia, permitindo o intercâmbio entre disciplinas antes afastadas, tais como a filosofia e a anatomia, possibilitando que os métodos de análise, diagnóstico e cura pudessem ser exercidos de forma mais racional e lógica. A medicina se transformava cada vez mais em ciência, e na medida em que sua importância crescia, as atenções do Estado para ela se voltavam, cujo efeito era sentido através das diversas regulamentações que davam forma a sua natureza.

Esta mudança de pensamento permitiu alterações significativas no que tange à apuração das responsabilidades médicas. Antes culpado pelo insucesso de suas interferências sob qualquer condição, o profissional da medicina – sob a égide dos ensinamentos de Platão e Aristóteles – passou a ser responsabilizado não mais pelo resultado em si, mas por sua conduta profissional, por sua atitude de acordo com cada caso concreto.

A culpa médica, para ser atestada, deveria ser objeto da análise de outros profissionais que, em colegiado, emitiriam seu parecer. A culpa, portanto, só seria declarada se houvesse desatenção aos preceitos ou descumprimento das práticas e procedimentos médico-sanitários usualmente aceitos à época.

Concretamente, em Atenas foi criada a Lei Geral de Reparação, que não tratava igualmente a todos os homens, e distinguia o dano involuntário (culposo), ao qual correspondia uma indenização determinada, e o dano voluntário (doloso), com uma indenização equivalente ao dobro daquela devida pelo dano involuntário.

Platão foi responsável por uma pequena evolução, ao propor deixar de lado a Lei de Talião e se pensar apenas na indenização baseada na idéia filosófica de que o valor compensatório a ser pago poderia conduzir à transformação do ódio em amizade. E ainda, ao desenvolver a idéia do dano estético, ao propor aplicar as seguintes normas:

- Em caso de tentativa de homicídio da qual resultassem apenas lesões, o infrator seria condenado a indenizar a vítima em uma quantia "X".

- Se a tentativa de lesão fosse bem sucedida, deveria pagar o dobro.

- Se quisesse produzir um dano e deixasse seqüela estética, pagaria o triplo.

- Se a lesão estética fosse incurável, o pagamento indenizatório seria em quádruplo.

Também na Grécia aparece a primeira Organização de Assistência ao Inválido, a cargo de um conjunto de representantes da sociedade. Ali, era considerado inválido todo aquele que não pudesse trabalhar, e cujo salário fosse inferior a uma determinada quantia. Esta assistência era paga pelo Estado, em valores que dependiam do nível de incapacidade para o trabalho, da quantidade de pessoas sob benefício, e da posição social da vítima.


4 O Direito árabe

Os árabes pré-islâmicos, por sua vez, se baseavam na aplicação:

- Da Lei de Talião (chamada Kisas). Lei que se aplicava entre as castas sociais e estamentos, ou seja, de escravo para escravo, mulher para mulher, homem livre para homem livre, etc.

- Do Resgate das Penas (conhecido por Dijah). O Dijah significava que o resgate (ou poena) poderia ser pago na forma de indenização, estabelecendo-se um valor máximo a ser concedido, de acordo com a situação, o dano causado e o status do ofendido.

A indenização do homem livre, em caso de morte, era paga em quantia fixa, normalmente medida em número de animais. Assim, um homem livre valia cem camelos, uma mulher cinqüenta, e um judeu trinta.

Em caso de lesões não mortais, dependia a indenização do homem livre da importância ou gravidade da lesão: se fosse corriqueira, se fixava em montante padrão para a época; em sendo mais complexa, era necessário a presença de um perito, para calcular a depreciação ocorrida, avaliando-se como a um escravo, sendo paga normalmente em volume superior a cem camelos. O Dijah (indenização máxima que se poderia obter em cada situação) era parâmetro para todo tipo de lesão não mortal.

Nas culturas árabes, o Direito Muçulmano estabeleceu disposições sobre a valoração e reparação do dano corporal, encontrando suas bases no Corão e no Suna (bases históricas), no Ichmá (base dogmática) e no Quiyás (base lógica).

O Corão se reporta à história do profeta Maomé, e contém 114 capítulos (suras), estabelecendo, em seus versículos 42 e 49 o seguinte:

"Cortad las manos de los ladrones, de los hombres y de las mujeres, en castigo de su crimen. Es la pena que Dios ha establecido para ellos."

"Nosotros hemos prescrito a los jueces la pena del Talión. Se devolvería alma por alma, ojo por ojo, nariz por pariz, diente por diente, herida por herida. Los que cambien esta pena por una limosna, tendrán su mérito a los ojos de Dios. Los que transgredieran en sus juicios los preceptos que hemos dado será culpable."

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Sobre o autor
Eduardo Vasconcelos dos Santos Dantas

advogado em Alagoas e Pernambuco, consultor de empresas em Direito Médico, Direito do Trabalho e Direito do Consumidor

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Eduardo Vasconcelos Santos. Aspectos históricos da responsabilidade civil médica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 107, 18 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4288. Acesso em: 26 abr. 2024.

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