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A qualidade na Lei de Licitações:

o equívoco de comprar pelo menor preço, sem garantir a qualidade

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VII - A exclusão de marcas

Também é possível considerar correta a exclusão de marcas. Tal ocorreria se uma papelaria vencendo uma licitação entregasse um tipo de caneta de origem chinesa, por exemplo, de má qualidade, a famosa caneta que não escreve. Convocado, nos termos do código do consumidor, para trocar o produto, não atende ao interesse da Administração, ou troca por outras do mesmo tipo que também não atendem ao elementar objetivo de "escrever". Nessas circunstâncias, temos recomendado à Comissão de licitação que receba de volta os produtos dos respectivos usuários, mediante documento de queixa, seja ofício, memorando ou outros, e junte-os ao processo de aquisição. Em futuro processo licitatório observe, no exemplo dado, que não será aceita a caneta da marca tal. Havendo reclamações, reabre-se o processo de aquisição anterior obrigando o fornecedor a reparar o dano sem prejuízo da instauração anterior do respectivo processo.


VIII - A indicação de características definidoras da qualidade

Com freqüência vislumbra-se uma nuvem cinzenta entre o limite das características aceitáveis o que constitui abuso e restrição à competição.

A sugestão que pode guiar, com segurança, o trabalho, é elaborar, para cada restrição à competitividade, traduzida numa característica do produto pretendido, uma justificativa. O trabalho será grande na primeira vez, mas ficará no processo documentado(8), servindo às futuras aquisições. A propósito, cabe lembrar que é dispensável dar publicidade a essa justificativa.

Por esse motivo, alguns episódios podem ilustrar melhor a questão.

"papel higiênico branco, extrafino, folha dupla, picotada."

Branco é indicativo da pureza da composição. (Numa estatal gaúcha servidores adquiriram doença pelo uso de papel higiênico reciclado de lixo hospitalar..., fato descoberto posteriormente.); extrafino, para evitar doenças; folha duplo, pela resistência; picotado, para evitar desperdício.

Outras sugestões podem ser obtidas em estudos técnicos de ergonomia, normas da ABNT, estudos técnicos ou científicos, sempre que possível de instituições não fabricantes.


IX - A marca como condição da garantia

Consulte a respeito a revista Licitar no. 11.


X - A indicação de marca para padronização

É sabido que a padronização de bens e produtos constitui uma possibilidade legal de indicar marca ou características exclusivas.

As dúvidas só ocorrem, na prática da aplicação da norma, quanto aos limites dessa padronização e se em determinado caso concreto a justificativa é ou não aceitável.

De forma bastante objetiva, sobre a padronização pode-se asseverar o seguinte:

1º - é um princípio para compras, obras e serviços(9);

2º -é admitida e recomendada pela Lei;

3º - não pode ser imposta de forma açodada ou sem justificativa, conforme jurisprudência dos Tribunais de Contas(10)

A padronização não é só um princípio, mas no âmbito das compras o que foi erigido em precedência pelo legislador, posto que sua operacionalização é evidentemente muito mais factível em relação a compras do que a obras e serviços.

O segundo postulado enfatiza ser a padronização uma recomendação da Lei, condicionada apenas a sua possibilidade de implantação. Nesse ponto em particular, merece destaque o fato de a Lei no 8.666/93, no caput do art. 15, ter estabelecido "as compras sempre que possível, deverão". Com esse comando legal, restringiu-se inclusive o poder discricionário dos agentes da administração, que não ficam livres para considerar conveniência e oportunidade, mas simplesmente se é ou não possível padronização.

Na jurisprudência dos Tribunais há registro de alguns episódios nos quais a indicação da marca, fundada na padronização, não foi aceita, simplesmente porque não era justificável.

Um caso concreto elucidará a questão: um determinado Tribunal Regional do Trabalho promoveu a aquisição de um veículo, tipo ambulância, com indicação de marca. Por inexistir justificativa no processo, o Tribunal de Contas da União solicitou esclarecimentos da respectiva autoridade responsável pelo ato, quando obteve a resposta quase lacônica de que a indicação de marca decorreu de padronização. Num esforço notável de apuração dos fatos, o Analista esclareceu no processo que a unidade possuía diversas marcas de veículos e que a "justificativa" não procedia. Vislumbram-se, no caso, várias irregularidades: por que um TRT precisa ter ambulância? por que a autoridade não justificou no processo o fato, em acatamento ao art. 7o, § 5o, c/c 113, caput da Lei no 8.666/93? por que, mesmo depois de instada, a unidade não apresentou a resposta satisfatória? Esse caso ilustra bastante a posição dos órgãos de controle: a padronização não é irregular; o que pode ser é a ausência de justificativa idônea, formulada com vistas ao atendimento do interesse público.

Fixados esse primeiros pressupostos, pode-se assentar de forma também objetiva quais são os parâmetros recomendados para considerar aceitável a padronização em determinado caso.

1o - deve haver um estudo prévio, documentado em um processo, autuado e tombado, ao qual se fará referência em todas as aquisições para aquele material, bem ou produto. Ou seja, logo após a indicação da marca, coloca-se a indicação "v. proc. no ......", sendo dispensável a transcrição da justificativa no processo de compra;

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2º - o estudo pode ser promovido por servidores do próprio órgão, envolvidos na requisição ou uso do produto, sendo recomendável a formação superior voltada para a área, sempre que possível;

3º - o estudo deve ser feito contrastando as vantagens e as desvantagens da padronização. Nesse ponto, os elaboradores da justificativa devem lembrar que "ficam os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa", referentes à Lei no 8.666/93, conforme estabelece o art. 113. Portanto, como "o que não está no processo, não está no mundo", no clássico postulado latino, se há justificativa mas não consta dos autos, ela é inexistente para o controle.

4º - quando a norma erigiu o princípio da padronização, delineou os pressupostos de sua vantagem e validade, que podem ser resumidos:

4.1.2 compatibilidade de especificações técnicas - no caso de a Administração possuir determinado equipamento só compatível com o de determinada marca. Aqui, o controle deverá avaliar se não foi feita licitação dirigida, na primeira, sem indicação de marca que acarretaria, na segunda, a obrigatoriedade da aquisição de determinado equipamento. Contudo, se a primeira aquisição de equipamentos não foi dirigida e sagrou-se vencedor um fornecedor cuja compatibilidade de especificação técnica impunha determinado acessório, e a relação custo/benefício é favorável à Administração, não há, em princípio, irregularidade (v. art. 15, inc. I, da Lei no 8.666/93, que contém a expressão sublinhada);

4.1.3. compatibilidade de desempenho - a compatibilidade de desempenho é motivo de padronização especialmente em equipamentos de produção seriada. Considere-se o caso de determinado equipamento que produz o material "a", insumo de outro equipamento. A incompatibilidade de desempenho, até em termos de volume de produção, pode trazer prejuízos à Administração e, portanto, autorizar a padronização;

4.1.4. condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas - também é outro motivo de padronização. Muitas vezes a Administração possui uma quantidade muito grande de determinado equipamento - máquinas de escrever, por exemplo, - e promove uma licitação para compra do mesmo produto, em quantidade pequena, ensejando a contratação de duas ou três empresas de manutenção, de forma antieconômica e contraproducente. Outras vezes, o pessoal da manutenção é da própria Administração e já está adaptado e treinado para o reparo de determinada marca; em outras hipóteses, o estabelecimento do agente que presta a manutenção é tão distante que inviabiliza a prontidão de um equipamento;

4.1.5. - relação custo/benefício - diversamente de considerar o menor preço, a equação traduz a essência da proposta mais vantajosa. Pode a Administração, antes de licitar, estabelecer a relação custo/benefício de várias marcas existentes no mercado, elegendo a que melhor atenda ao interesse público. Exemplificando com veículos: deverá ser de fabricação nacional, porque esse determinado órgão possui representação em capitais e cidades do interior, onde normalmente inexiste rede de manutenção de veículos importados; após estudar a relação km/l, e troca habitual de peças, no prazo de um ano - muitas vezes até especificada pelo próprio fabricante - associada ao respectivos custos, poderá conduzir a determinada marca.

5º - a padronização, na implantação do SRP, deve ser progressiva, efetuada após levantamento e tratamento dos dados relativos a consumo pretérito e expectativas para o próximo período. Percebendo a possibilidade de padronizar determinados itens, a comissão de implantação do SRP promoverá contatos com os órgãos consumidores e requisitantes dos produtos para a elaboração da justificativa;

6º - a justificativa da padronização, isto é, o conjunto das razões que contrastam as vantagens e desvantagens, ponderando os princípios da licitação, frente à relação custo/benefício, deve assumir o nome jurídico de "laudo de padronização" e ser firmado pelos servidores envolvidos e responsáveis pelas declarações, por cuja exatidão e correção responderão perante os órgãos de controle.

7º - não é indispensável a publicação do laudo de padronização, a rigor. O eminente Prof. Diógenes Gasparini(11), sustenta ser indispensável a publicação fundamentando seu entendimento de que o laudo gera direitos e vantagens, ao tempo em que restringe direitos de terceiros cujos produtos não forma aceitos na padronização, dentre outros motivos. Por isso, no entendimento daquele prestigiado mestre, é conditio sine qua non a publicação da informação da padronização.


NOTAS

  1. Nesse sentido, Decisão nº 136/97 - Plenário, Acórdão nº 055/97 - TCU, Relator , Ministro Substituto Lincoln Magalhães da Rocha, D.O 15.04.7, pág. 7442/7449.
  2. Pág. 105
  3. Porque a alínea c, do inc. VIII, do art.. 6º da Lei nº 8.666/93 que previa esse regime de execução foi vetada pelo Presidente da República.
  4. Por exemplo: Nutricionista, regulamentada pela Lei nº 5.27 de 24 de abril de 1967, e Lei nº 6.538, de 20 de outubro de 1978, Decreto nº 84.444, de 30 de janeiro de 1980; Químico: Lei nº 2.800, de 18 de junho de 1965, Lei nº 5.530, de 13 de novembro de 1968, Decreto nº 85.877, de 7 de abril de 1981.
  5. Processo nº TC 012.431/95 - 8, Decisão nº 530/95 - TCU - Plenário , Ata nº 47/95, sessão ordinária de 18.10.95.
  6. Fonte: TC - 003.289/95 - 8 - Decisão nº 491/95 - TCU - Plenário, Relator: Min. Iram Saraiva.
  7. O Código Civil Brasileiro - art. 1.135 - e o Código de Defesa do Consumidor - art. 18 - possuem prescrições nesse sentido.
  8. Conforme art. 113 da Lei nº 8.666/93
  9. Para compras: art. 15, inc. I, da Lei nº 8.666/93, para obras e serviços: art. 11, da Lei nº 8.666/93.
  10. Exemplo: processo TRT/RO, sobre compra de ambulância.
  11. Direito Administrativo, Ed. Saraiva, São Paulo, p. 290.
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Sobre o autor
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

É professor de Direito Administrativo, mestre em Direito Público e advogado. Consultor cadastrado no Banco Mundial. Foi advogado e administrador postal na ECT; Juiz do Trabalho no TRT 10ª Região, Procurador, Procurador-Geral do Ministério Público e Conselheiro no TCDF.Autor de 13 livros e 6 coletâneas de leis. Tem mais de 8.000 horas de cursos ministrados nas áreas de controle. É membro vitalício da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura, como acadêmico efetivo imortal em ciências jurídicas, ocupando a cadeira nº 7, cujo patrono é Hely Lopes Meirelles.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A qualidade na Lei de Licitações:: o equívoco de comprar pelo menor preço, sem garantir a qualidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 38, 1 jan. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/429. Acesso em: 24 abr. 2024.

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