As imunidades tributárias e os valores constitucionais: a interpolação normativa

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O artigo presente realça o caráter axiológico que irrompe das normas de imunidades tributárias previstas na Constituição Federal de 1988.

As imunidades, para além das características e atributos supramencionados, revelam a qualidade de reforçarem ou assegurarem a eficácia de outras normas constitucionais. São limitações constitucionais ao poder de tributar, cuja função é, em maior ou menor grau, salvaguardar a existência jurídica de valores políticos caros à República brasileira, positivados na Carta Constitucional de 1988.

E tal predicado, resta claro a todas às luzes, do art. 150, inciso VI da Constituição Federal o qual assinala as imunidades dita genéricas, donde se veda às entidades políticas (União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios) a instituição de determinados impostos sobre certos fatos que, acaso instituídos, violariam irremissivelmente, valores de elevada magnitude político-constitucional.

Sistematicamente, através de imunidade, resguardam-se princípios, idéias-forças ou postulados essenciais ao regime político. Consequëntemente, pode-se afirmar que as imunidades representam muito mais um problema do direito constitucional do que um problema do direito tributário. (BORGES, 1980, p. 184)

Coêlho (2007, p. 171), assevera que “Princípios e imunidades são institutos jurídicos diversos, embora certos princípios expressos façam brotar ou rebrotar imunidades (implícitas).” E, denomina que, quando as imunidades revelam essa índole de garantir a eficácia de princípios e valores fundamentais da nossa Constituição, está-se diante do “fenômeno jurídico da interpolação normativa”. O autor, a fim de subsidiar seu pensamento, cita passagem da lavra de Misabel Derzi em nota à obra de Baleeiro (1998, p. 15), que reproduzimos pelo inexcedível valor científico:

A consagração de uma imunidade expressa é, às vezes, conseqüência lógica de um princípio fundamental. Do princípio federal resulta a imunidade recíproca, dedutível mesmo na ausência de recepção literal do Texto, porque expressão da autonomia relativa dos entes estatais e de sua posição isonômica, logicamente dedutíveis. Basta considerar que extraímos a doutrina, em suas linhas básicas, da jurisprudência da Corte Constitucional do EEUU, País cuja Constituição é silente sobre a citada imunidade. Igualmente a imunidade das instituições de educação e assistência social, que não almejam lucro, decorre da inexistência de capacidade contributiva, princípio norteador da igualdade e imprescindível à efetividade da imposição.

Dito isto, abaixo se aduzirá sobre as imunidades genéricas, pelo fato de que nelas se revela com maior nitidez o fenômeno da interpolação normativa, fenômeno este que, inarredavelmente conduz a dar-se margem a interpretar-se as imunidades de molde a não prejudicar o valor ou princípio constitucional que nela vem engastado.

Por isto e em razão disto, não se terá a obrigação de fazer uma exposição dogmática e minuciosa das imunidades genéricas. Tão-só, preocupar-se-á em assinalar o valor ou princípio constitucional que em cada qual imunidade se manifesta.

Imunidades genéricas

Em primeiro lugar, incumbe afirmar que a designação “imunidades genéricas” não consta da Constituição Federal de 1988. É, como já dito alhures, denominação que se lhes confere, em vista de que se impõe a limitação de competência impositiva a todos os entes políticos e impostos. Daí que, são chamadas de genéricas. (COELHO, 2007, p. 287)

Mas, não se deixa de considerar, igualmente, outras classificações de cunho doutrinário, que Rodrigues (1995, p. 50) expõe-nas em apertada e rica síntese:

Outro aspecto interessante a respeito da imunidade é a classificação proposta pela doutrina. Zelmo Denari classifica as imunidades como subjetivas (“intuitu persona), que são os casos da alínea a e c do artigo 150, VI, da Constituição Federal, e objetivas (“ratione materiae”), sendo estas as alíneas b e d do artigo supra.Aquelas são previstas em função de situações pessoais dos respectivos beneficiários; estas têm em vista a tutela de certos bens ou valores que a Constituição quer assegurar.Ruy Barbosa Nogueira acrescenta ainda a classificação subjetiva-objetiva, onde transparecem ambos os aspectos concomitantemente.Por sua vez, Vittorio Cassone divide a imunidade em três categorias: imunidade recíproca (de natureza política: entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios); imunidade genérica (de modo geral: papel, livros, etc.); e imunidade peculiar (para determinados impostos e determinadas finalidades).A classificação doutrinária da imunidade possui finalidade meramente acadêmica, destarte, inobstante a classificação adotada, pouca influência terá em termos práticos.”

Imunidade recíproca

Preceitua o art. 150, inciso VI, alínea “a”, da Carta Magna que, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, instituir impostos sobre “patrimônio, rendas e serviços, uns dos outros.1

Resulta claramente, sem quaisquer outras elucidações, que se protege aí o princípio do federalismo constante nos artigos 1º, 18, e 60, § 4º, inciso I, todos da Constituição Federal vigente.

Isto porque, caso fosse engendrado imposto sobre patrimônio, renda ou serviços, impostos estes oriundo de qualquer que seja a entidade e tendo como sujeito passivo qualquer delas também, a autonomia das unidades da federação, pressuposto inextirpável da forma federativa de Estado, restaria comprometidamente abalada.

Encontra-se no federalismo a fundamentação jurídica e política do princípio da imunidade recíproca. […] A não tributação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios é uma das formas de garantir a autonomia desses entes e evitar a guerrilha tributária, conforme define Ruy Barbosa Nogueira. Além do que, se os tributos têm a finalidade de arrecadar receita para os cofres públicos, não teria sentido as pessoas jurídicas de direito público cobrarem impostos entre si, visto que, a renda auferida acabaria retornando às próprias pessoas arrecadadoras em virtude da repartição de receita. (RODRIGUES, 1995, p. 51)

Bem vislumbra Baleeiro (1998, p. 234) no trato da imunidade em tela, segundo o qual, a imunidade recíproca tem como escopo último e precípuo garantir a “sobrevivência das três órbitas governamentais autônomas inerentes ao nosso sistema federativo”.

Na esteira do inolvidável autor, a mencionada sobrevivência foi o que levou a nossa Constituição vigente “a inscrever de maneira expressa, em seu texto, o princípio da imunidade recíproca: nenhuma das pessoas de Direito Público interno, ressalvados os casos previstos na própria Constituição, poderá exigir imposto sobre o patrimônio, as rendas e os serviços de outra.” (BALEEIRO, 1998, p. 234)

Imunidade de templos de qualquer culto

Também, expressamente veda-se, genericamente, a instituição de impostos sobre “tempos de qualquer culto”, conforme preceitua o art. 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal.

A imunidade em comento é conseqüência lógica do direito fundamental à livre consciência religiosa, previsto no art. 5º, inciso VI, cuja norma dispõe: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;” Outrossim, reforça o mandamento do art. 19, inciso I, da Carta Constitucional, que proíbe as entidades federativas de embaraçar o funcionamento das igrejas e de seus cultos religiosos.

Por certo, nenhuma governante em estado de saúde mental pensaria em tributar a missa ou o batismo, nem decretaria a Câmara de Vereadores licença ou taxa, a título de poder de polícia, pelo toque de sinos ou pelo número de círios acesos. Mas existe o perigo remoto da intolerância para com o culto das minorias, sobretudo se estas se formam de elementos étnicos diversos, hipótese perfeitamente possível num país de imigração, onde já se situaram núcleos ortodoxos, protestantes, budistas, israelitas, maometanos, xintoístas e sempre existiram feiticistas de fundo afro-brasileiro. Na jurisprudência recente, há notícia de culto praticamente proibido a pretexto de que contrafazia,pela semelhança, outro culto, argumento que poderia servir para recíproco estorvo de tantas denominações protestantes bem pouco diferenciáveis entre si. (BALEEIRO, 1998, p. 311)

Imunidade de partidos políticos, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos

Por sua vez, a imunidade acima epigrafa, vem positivada no art. 150, inciso VI, alínea “c”, da Carta Magna. A previsão desta norma imunizante, reside em fazer valer o direito fundamental da não-ingerência do Estado na criação de associações, disposto no art. 5º, inciso XVIII, como reconhecimento da liberdade partidária como pressuposto de um regular democracia (art. 17)2. Bem assim, a salvaguarda de outros valores, como a liberdade de associação sindical dos trabalhadores (art. 8º, inciso I)3. A imunidade referente às instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos diz respeito ao fato de tais pessoas, sobre não angariar lucro nas suas atividades (altruísmo), não deterem capacidade contributiva, que é princípio fundamental do contribuinte, positivado, agora, no § 1º, do art. 145, da nossa vigente Constituição.

A imunidade do art. 150, VI, c, de nossa Constituição, relativa aos impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos, as entidades sindicais e das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, deve ser sobretudo, deve ser sobretudo compreendida sem seus fundamentos jurídicos e em sua ratio essendi. A Constituição Federal, ao lado dos valores espirituais classicamente prestigiados como o pluralismo político-ideológico, religioso e educacional, acrescenta o valor-trabalho, pela primeira vez reconhecendo a imunidade às entidades sindicais de trabalhadores. (BALEEIRO, 1998, p. 309)

Imunidade cultural

Por fim, restou vedada a criação de quaisquer impostos incidentes sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”, a que alude a alínea “d” do art. 150, inciso VI, da Constituição – a imunidade cultural.

De longe, constata-se o propósito constitucional, com esta imunidade, em resguardar o direito fundamental à liberdade de expressão cunhado no art. 5º, inciso IX, da Carta da República. Conforme explica Rodrigues (1995, p. 66), a imunidade em apreço “é a expressão do direito à liberdade de expressão, de forma que o Estado não possa interferir nessa atividade e, muito menos, exercer qualquer forma de coação através da imposição de impostos.

Manifesta a incompatibilidade entre o barateamento e democratização dos livros e publicações, como recursos da educação e da cultura dum lado, e os interesses econômicos dos industriais, por outro, a Constituição optou pelos valores espirituais que, ao mesmo tempo, coincidiam com a necessidade de preservar-se a liberdade de crítica e de debate partidário através da imprensa. Estava muito recente a manobra ditatorial de subjugar o jornalismo por meio de contingentamento do papel importado. E em país da vizinhança, a imitação do mau exemplo procurava abafar a voz independente de um dos mais reputados órgãos da imprensa sul-americana.O dispositivo quer imunes livros, jornais e periódicos assim como o papel para imprimi-los, seja do imposto aduaneiro, seja do Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto sobre operações de Circulação de Mercadorias, ou qualquer outro que o atinja. (BALEEIRO, 1998, pp. 339-340)

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1 Entende-se por patrimônio a universalidade de bens, sejam móveis ou imóveis, bem como direitos e obrigações pertencentes à pessoa jurídica de direito público; […] Por renda, entende-se o rendimento auferido, seja sobre um bem ou direito. Quanto aos serviços, a imunidade engloba exclusivamente os públicos em sentido estrito, não se aplicando aos concedidos.” ( RODRIGUES, 1995, p. 52)

2 “Os partidos políticos são “instrumentos de governo”, entidades fundadas e mantidas exclusivamente para fins públicos, como órgãos imediatos e complementares da organização estatal. A Constituição os prevê expressamente e lhes comete a missão de peças integrantes do governo do País, através da sua pluralidade [...].” (BALEEIRO, 1998, p. 330)

3 “A imunidade sindical é prerrogativa desta liberdade, impedindo ao Poder Público qualquer interferência em sua organização. Para garantir ainda mais a sua autonomia frente ao Estado, a Constituição garante em seu artigo 150, VI, c, imunidade em relação aos impostos.” (RODRIGUES, 1995, p. 58)

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Sobre o autor
Márcio Carneiro de Mesquita Júnior

Advogado. Pós-graduando em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MINAS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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