Manifestações populares constitucionais e o PL nº 572/2011

23/09/2015 às 13:24
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O presente trabalho tem como objetivo se aprofundar nas questões de constitucionalidade das manifestações populares, tendo em vista um projeto de lei aprovado na Câmara Legislativa que restringia os horários de manifestação no Eixo Monumental, em Brasília

Abstract: This work aims to deepen in the demonstrations constitutionality issues, with a view to a bill approved by the Legislature restricting the manifestation of times in the Eixo Monumental, in Brasilia.

Palavras-Chave: atividade legislativa – princípios constitucionais – liberdade de manifestação e expressão – vício de constitucionalidade material.

Sumário: Introdução. 1. O Estado, as lutas populares e principais princípios constitucionais inerentes a elas. 2. Direito de manifestação e o PL nº 572/2011. Conclusão. Referências.

Introdução

O projeto de Lei, de autoria do Deputado Distrital Cristiano Araújo (PL nº 572/2011) previa, entre outras disposições, que eventos deste tipo (manifestações) fossem comunicados com um mínimo de 48h à Secretaria de Segurança Pública e que acontecessem fora dos horários do rush - das 7h às 9h e das 17h30 às 19h30.

A problemática do presente trabalho está na análise da legalidade ou ilegalidade do projeto de Lei, tendo em vista os princípios fundamentais dispostos na Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/1988.

Cabe registrar que a metodologia escolhida para ser usada no desenvolvimento do presente artigo será a dogmática-instrumental, realizada por meio da pesquisa bibliográfica e documental, uma vez que envolve o exame de livros, artigos doutrinários e legislações relacionadas ao tema proposto.

1. O Estado, as lutas populares e principais princípios constitucionais inerentes a elas.

Primeiramente, é importante ressaltar que a partir da década de 1970 o Brasil viveu uma crise no Estado de Bem Estar Social, vigente até então. Esse modelo de Estado era mantido por um compromisso entre as classes trabalhadoras e as dominantes que pressionavam a implementação de políticas sociais.

Para o doutrinador Mário João Figueiredo “os ganhos obtidos pela classe trabalhadora no período da forma de Estado de Bem Estar foram decorrentes das lutas dos trabalhadores para melhorar suas condições de vida e somente se concretizaram porque os ganhos de produtividade do trabalho foram tais que possibilitaram manter a taxa de acumulação em níveis satisfatórios”[1].

Com a crise deste modelo de estado, as idéias que deram origem ao Estado Neoliberal ganharam força. Segundo os que seguiam o pensamento neoliberal o entendimento era de que:

(...) o excessivo gasto governamental com políticas sociais públicas é nefasto para a economia, porque gera déficit orçamentário que, por sua vez, consome a poupança interna, aumenta as taxas de juros e diminui a taxa de inversão produtiva; [...] que a regulação do mercado pelo Estado é negativa porque, ao cercear o livre jogo mercantil, tal regulação desestimula o capitalista de investir; [...] que a proteção social pública garantida, sob a forma de política redistributiva, é perniciosa para o desenvolvimento econômico porque onera as classes possuidoras, além de aumentar o consumo das classes populares em detrimento da poupança interna[2].

Percebe-se, portanto que isto tudo aconteceu, principalmente, como consequência das crises no mercado, na competição e no individualismo.

Posteriormente, com o surgimento da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/1988 estabeleceu-se, no Brasil, o Estado Democrático de Direito, que, segundo Elias Diaz é considerado um processo pelo qual:

(...) o poder, advindo da vontade popular, é exercido, deve coadunar-se aos procedimentos preestabelecidos mediante leis elaboradas por representantes eleitos, isto é, deve obedecer ao princípio da legalidade na execução do poder, pelo que o ato de autoridade tem validade segundo sua conformação legal, o que liga toda a execução da lei à origem, que é a vontade popular[3].

Referido doutrinador, conclui que o Estado Democrático de Direito:

(...) se apresenta como organização político-estatal possibilitadora de uma legalidade legítima, que se funda nos direitos fundamentais criados soberanamente pelo próprio povo, destinatário e co-autor da ordem jurídica, É nesse Estado que a autonomia política atua contra a arbitrariedade de um poder mediante sua domesticação pelo jurídico[4].

É nesse momento que surge o principal direito relacionado com o Estado Democrático de Direito denominado de "Princípio da Dignidade Humana", que deve, sempre, respeitar a hierarquia das normas e o princípio da separação dos poderes.

Ademais, cumpre ressaltar que dentre todos os princípios elencados como fundamentais na CRFB/1988, temos os que mais se aplicam ao direito de manifestação, são eles o da liberdade e da igualdade, que devem ser utilizados no caso concreto, sempre observado o princípio da proporcionalidade, buscando, assim, um equilíbrio ente eles.

2. Direito de manifestação e o PL nº 572/2011

No que se refere ao direito de manifestação, é importante trazer a baila o conceito apresentado por Soares, relativo a importância dos movimentos sociais:

(...) os movimentos sociais constituem-se um meio de expressão das necessidades públicaspermitindo a aproximação do Estado e da sociedade e, consequentemente, o alcance de seu objetivo fim de assegurar o bem comum[5].

Sendo assim, verifica-se que é justamente a possibilidade de mobilização e a participação política da sociedade, de forma ativa, que diferencia e reafirma o Estado Democrático de Direito, já que a população não participa da política apenas no momento da eleição e sim, a todo o momento, verificando o que o seu deputado eleito faz, se o governador, o presidente e, também, o prefeito, cumpriram o que prometeram na campanha eleitoral, bem como verificando se eles realmente representam os anseios da população.

As manifestações populares encontram previsão legal no art. 5º da CRFB/1988, da seguinte forma:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

[...]

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

[...]

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;[6]

Logo, conforme constitucionalmente exposto, é possível entender que o exercício de manifestação é livre e independentemente de autorização, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente sobre a reunião pública.

No entanto, devido a liberdade de manifestação conter previsão constitucional para que aconteça, qualquer proibição, ou até mesmo restrição que não esteja prevista no texto constitucional, deve ser baseada em razões que possam ser devidamente fundamentadas, não sendo aceita ou tolerada a simples menção de perigo, ou até mesmo de alteração da ordem pública.

Apesar de o Projeto de Lei nº 572/2011 ter confirmado, em sua justificativa, que o direito de manifestação é um direito fundamental, ele apontava que um direito fundamental não poderia ser superior aos outros previstos na CRFB/1988.

É certo que, as manifestações, querendo ou não, impedem o direito de locomoção dos cidadãos quando provocam o bloqueio de ruas, fechamento das lojas com a consequente paralização econômica, em determinados casos.

Foi por isso que o Deputado Cristiano Araújo apresentou, como base, de sua justificativa para a elaboração do PL nº 572/2011 o seguinte:

(...) harmonizar o direito de reunião com tantos outros de igual importância e sede constitucional, tais como, a liberdade de locomoção (art. 5º, XV), o direito ao trabalho, a saúde, ao lazer, a educação, a segurança (Art. 6º, caput), cuja titularidade é da população direta ou indiretamente atingida pela realização das manifestações públicas[7].

No entanto, apesar de ter apresentado uma justificativa para a restrição de horários no que se refere as manifestações populares no Eixo Monumental, em Brasília, o Projeto pecou gravemente, pois a vedação que era pretendida extrapolava o disposto no texto Constitucional Pátrio e atingia a própria finalidade das manifestações que é de que o povo brasileiro possa ser ouvido, principalmente nos casos de maior amplitude social.

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Assim, pode-se verificar que o Projeto de Lei apresentado mitigaria a liberdade de expressão e a de manifestação, no entanto, isso seria feito não sendo observada a aplicação do princípio da proporcionalidade e nem mesmo da razoabilidade.

Sabe-se que, para que haja diminuição de um direito fundamental em favor de outros, seria, obrigatoriamente necessário a aplicação preponderante do princípio da proporcionalidade.

Seguindo o entendimento deste artigo, na data de 22 de setembro de 2015, foi juntado ao processo da PL nº 572/2011 o Relatório sobre o veto total imposto pelo Governado do Distrito Federal, alegando que:

(...) o projeto apresenta vício de inconstitucionalidade material ao estabelecer condicionamentos ao exercício, previsto na CF, art. 5º, extrapola os contornos legais deste direito[8].

Como consequência, pode-se dizer que veto do Governador restou muito bem aplicado ao projeto em questão, já que foi corretamente aplicado o princípio da proporcionalidade que, aplicado a este assunto, significa que o Estado não deve agir com excessos na perseguição de seus objetivos.

Conclusão

Por fim, com a análise feita por este artigo e pelo exposto na legislação vigente no Brasil, pode-se concluir que a liberdade de expressão e manifestação é essencial para exista o regimente democrático, especialmente quando visa atingir sua finalidade de auxiliar na diminuição dos possíveis conflitos existentes entre os cidadãos e os políticos que devem exercer seus mandados para representar o interesse do povo brasileiro.

Notas

[1] FIGUEIREDO, Mário João. A Configuração Econômica do Estado na Sociedade Contemporânea. Tese (Doutorado em Economia). Universidade Federal do Paraná, 2003. In: http:/hdl.handle.net/1884/164.

[2] PEREIRA, Potyara Amazoneida Pereira. Estado, Regulação Social e Controle Democrático. In: BRAVO, Maria Inês Souza; PEREIRA, Potyara A. P. Política Social e Democracia . 2. ed. – São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: UERRJ, 2002. p 36.  

[3] DIAZ, Elias. Legalidad- legitimidade en el socialismo democrático. Espanha: Editorial Civitas S.A., 1978, p. 120.

[4] DIAZ, Elias. Legalidad- legitimidade en el socialismo democrático. Espanha: Editorial Civitas S.A., 1978, p. 120.

[5] SOARES, Fabiana de Menezes. Direito administrativo de participação. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 135.

[6] BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988, p. 168.

[7] Justificativa apresentada no Projeto de Lei nº 572/2011 da Câmara Legislativa do DF. Disponível em: http://legislacao.cl.df.gov.br/Legislacao/consultaProposicao-1!572!2011!visualizar.action

[8] Justificativa apresentada no Projeto de Lei nº 572/2011 da Câmara Legislativa do DF. Disponível em: http://legislacao.cl.df.gov.br/Legislacao/consultaProposicao-1!572!2011!visualizar.action

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Sobre a autora
Keila de Oliveira Vasconcelos

Formada em direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Advogada. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera - Uniderp (Luis Flávio Gomes – LFG).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A grande importância que os direitos fundamentais previstos na nossa Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 tem na sociedade atual e a correta aplicação do princípio da proporcionalidade na ponderação deles.

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