Competência internacional: concorrência entre jurisdicições de diferentes Estados

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O presente estudo tem o intuito de contribuir para a discussão acerca da concorrência de competências entre órgãos jurisdicionais brasileiros e de outras nacionalidades.

1. INTRODUÇÃO

No atual estado de coisas, o mundo globalizado, além de encurtar as distâncias geográficas pela rapidez com que as informações se espalham pelo globo, acabou por pluralizar as relações jurídicas havidas entre pessoas de diferentes nacionalidades. Assim sendo, havendo relações intersubjetivas entre particulares de diferentes nacionalidades, inegavelmente daí surgirão conflitos; e antes de se pensar sobre os conflitos de normas de regência do direito material que disciplinará a relação jurídica é necessário estabelecer qual será o órgão jurisdicional competente para resolver tal litígio. Dessa forma, com vistas a estabelecer um ponto de vista, e singelas explanações, sobre o tema, desdobrou-se o presente estudo, que longe de buscar uma definição peremptória e exauriente sobre a temática, tão somente visa contribuir para o debate.

Com efeito, antes de serem objeto de análise os dispositivos que disciplinam o conflito de atribuições entre órgãos jurisdicionais de nacionalidades diversas, é necessário definir o que se entende como competência em sentido processual.

2. NOÇÕES GERAIS SOBRE COMPETÊNCIA

Na sociedade moderna, onde a liberdade e o exercício regular de direitos encontram-se limitados pela convivência de milhões de pessoas aglomerações urbanas, que com a evolução dos meios de comunicação têm essas mesmas garantias tornadas relativas ante a rapidez com que as informações se propagam, onde também, pelo dinamismo social e pela globalização vemos valores de diferentes épocas e localidade entrarem em conflito diuturnamente.

É impossível não vislumbramos uma série de conflitos oriundos dessas circunstâncias. Assim, é patente a necessidade do Estado, como ente abstrato detentor do monopólio jurisdicional, se impor pacificando a sociedade de um modo geral. Porém, para que isso ocorra de maneira eficaz, é necessário que essa jurisdição encontre seu exercício organizado entre os diversos órgãos do Poder Judiciário, seguindo critérios pré-estabelecidos nas normas para que se determine qual órgão será o competente.

A Competência, segundo o magistério de Humberto Theodoro Júnior, é justamente o critério de distribuir entre os vários órgãos do poder judiciário as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição.[1]

Dessa forma, não se confundem os conceitos de jurisdição e competência, podendo o primeiro ser tratado como absoluto, uma vez que é inerente a todo juiz quando investido nas atribuições jurisdicionais, configurando-se com um dos pressupostos de existência do processo. Enquanto o segundo refere-se à limitação e legitimação do exercício dessas mesmas atribuições, sendo também um pressuposto processual, porém, encontrado na esfera da validade.

Nesse aspecto, afirmar que qualquer juiz, de qualquer justiça, de qualquer instância, pode exercer sua função jurisdicional de forma ilimitada no território nacional não significa, entretanto, que qualquer atuação sua seja legítima.[2]

Conforme se extrai, a atuação ilegítima do órgão judiciário dá azo à invalidade dos atos processuais, enquanto a ausência de jurisdição dá arrimo à inexistência do processo.

3. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA

 

Contudo, a distribuição do exercício jurisdicional se dá em virtude de critérios que preconizam uma melhor aplicação da justiça, bem como o correto atendimento dos interesses particulares. Assim, de acordo com o que dispõem as normas constitucionais, processuais e de organização dos tribunais, certas informações relativas à lide e aos litigantes determinarão qual será o juízo competente.

Destarte, para a fixação da competência, os critérios legais levam em conta a soberania nacional, o espaço territorial, a hierarquia dos órgãos jurisdicionais, a natureza ou o valor das causas, as pessoas envolvidas no litígio[3].

Em relação à hierarquia dos órgãos judiciários e as pessoas envolvidas no litígio, são conceitos que se complementam, em virtude de alguns órgãos jurisdicionais internos exercerem uma jurisdição sobreposta a dos demais quando tratamos da apreciação de recursos, do reexame da causa ou da prerrogativa de foro pela função exercida, tratando de caso de competência absoluta.

Contudo, ressalvada a idéia de sincretismo processual, a matéria sobre a qual se versa a demanda, também é um critério de fixação de competência de natureza absoluta, i.e., não pode, por exemplo, um juiz do trabalho julgar uma lide penal, mas pode emitir provimentos de índole penal dentro de uma lide trabalhista.

Acerca das normas de fixação de competência dentro do ordenamento, vale salientar a lição de Athos Gusmão Carneiro:

A Constituição Federal de 1988 prevê a competência do Supremo Tribunal Federal, tanto a competência originária como a competência em grau de recurso (art. 102). Assim também quanto ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105). Também está na Lei Maior a competência da Justiça Federal (arts. 109 e 110), da Justiça Militar (art. 124), da Justiça Eleitoral (art. 121) e da Justiça do Trabalho (art. 114). Todas as demais causas, não expressamente referidas na Constituição Federal, são de competência dos Tribunais e Juízes Estaduais, que assim exercem, pode-se dizer, uma competência residual.[4]

Tendo em vista a competência de natureza absoluta e seus critérios de fixação, por consectário lógico, podemos afirmar que a divisão territorial e o valor da causa são critérios que ao fixarem o juízo competente, o fazem de maneira relativa, ficando, portanto, sujeitos à vontade das partes.

Apesar de relativa, sua inobservância pode vir a ensejar a declaração de incompetência, devendo essa, ser requerida por via de exceção no prazo de apresentação da defesa formal. Entretanto, existe uma ressalva importante a ser feita no tocante à natureza relativa da competência em função do valor da causa.

Na comarca de São Paulo, os foros regionais detêm competência absoluta para processar e julgar as causas de valor inferior a quinhentas vezes o valor do salário mínimo vigente, já para as causas que superem esse valor o foro competente é o central. Mas isso se dá em virtude do elevado número de processos que tramitam nessa comarca – carecendo essa de disciplina diferenciada, que lhe foi dada por legislação organizacional do Tribunal de Justiça –, porém a regra geral é de que o valor da causa e a divisão territorial são critérios de fixação à competência de natureza relativa.

3.1. DO MOMENTO DA ARGUIÇÃO DE INCOMPETÊNCIA.

 

No que concerne ao momento correto para a oposição da exceção de incompetência de natureza relativa preconizada pelo art. 112[5], conforme disciplina o Código de processo civil, é no prazo para a contestação, não podendo sê-la declarada ex officio pelo magistrado.

 

Contudo, o juiz poderá declarar-se incompetente quando essa for absoluta, tendo sua arguição imposta à parte requerida antes mesmo da contestação do mérito. A incompetência absoluta pode, ainda, ser discutida perante qualquer tribunal ou grau de jurisdição sem qualquer restrição temporal no decurso do processo por tratar-se de matéria de ordem pública.

No entanto, conforme se extrai do §1º, do art. 113, do CPC[6], a parte que não o fizer no prazo da contestação arcará integralmente com as custas e despesas processuais.

Apesar do poder judiciário deter o monopólio jurisdicional, em relação a algumas matérias é facultada aos litigantes a possibilidade da instituição de um juízo arbitral, conforme se extrai do art. 86, do CPC[7], que ressalva a possibilidade da resolução do conflito se dar ante a esse juízo. Outra pertinente reserva é feita pelo art. 87, do CPC, que afirma ser o momento de verificação da competência o da propositura da ação, independendo as alterações de fato e de direito supervenientes, no entanto reserva a possibilidade de posterior alteração da competência nas hipóteses de competência absoluta.

3.2. NATUREZA DA NORMA FIXADORA

Nessa perspectiva e ante ao supra exposto, podemos afirmar que as normas de fixação de competência de natureza absoluta têm natureza cogente, limitando a vontade individual em virtude de preceitos de ordem pública, vinculando o propositor da demanda à observância de tais normas, sob pena de nulidade dos atos decisórios.

3.3. PRIMEIRO CRITÉRIO

Com exceção à soberania nacional, os demais critérios versam sobre a atribuição da competência dentre os órgãos do judiciário pátrio. Todavia, antes de verificarmos internamente qual o juízo competente, devemos verificar se a autoridade judicial brasileira é a competente para processar e julgar o litígio.

4. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL

Em tese, inexiste uma ordem jurídica supranacional que tenha o condão de reprimir ou suprimir o exercício da atividade jurisdicional de cada estado, assim esses se limitam

Por três ordens de razões, que são (a) a impossibilidade ou grande dificuldade para cumprir em território estrangeiro certas decisões dos juízes nacionais, (b) a irrelevância de muitos conflitos em face dos interesses que ao Estado compete preservar e (c) a conveniência política de manter certos padrões de recíproco respeito em relação a outros Estados.[8]

4.1. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL CONCORRENTE

Todavia, existem casos em que mais de um Estado se considera apto para dirimir o conflito, não excluindo a hipótese que outro também o faça. Quando se dá essa suposta situação, teremos a figura da competência concorrente, ou cumulativa, existindo ainda a possibilidade da homologação da decisão prolatada no estrangeiro e cumprimento em solo pátrio.

Justamente essa possibilidade é disciplinada pelo Código de Processo Civil, em seu art. 88, que elenca as circunstâncias nas quais a ação poderá ser intentada aqui, tanto quanto perante a autoridade jurisdicional estrangeira, quais sejam: (i) se o réu, pessoa física ou jurídica, independente de sua nacionalidade estiver domiciliado no Brasil, ou aqui tiver instalada filial, agência ou sucursal, (ii) se no solo pátrio tiver de ser cumprida a obrigação e (iii) se o fato jurígeno decorrer de prática aqui executada ou fato aqui ocorrido.

Consoante entendimento jurisprudencial, a competência internacional concorrente da autoridade judiciária brasileira, não é suscetível de ser arredada pela vontade das partes[9]. Conforme se verifica, ocorrendo alguma das hipóteses previstas no art. 88, a propositura da demanda no exterior ou a cláusula de eleição de foro não impedem, nem induzem a litispendência, podendo ser propostas, concomitantemente, ações de igual teor tanto aqui como alhures.

Ainda sim, quando a hipótese for de alçada concorrente, e a legislação do outro Estado competente dispuser que aquela lhe é exclusiva, os princípios de boa convivência social e de reciprocidade impõem ao Estado que se abstenha de julgar à causa, mesmo a despeito de sua legislação lhe imbuir em concorrência o julgamento merital do litígio.

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4.2. HOMOLOGAÇÃO DA DECISÃO ESTRANGEIRA

Exceção, dentro da perspectiva de ajuizamento concorrente, ocorre se já tiver se dado o trânsito em julgado no estrangeiro, podendo ser pedida a homologação do decisório alienígena para que adquira a plena eficácia de seus efeitos. Segundo as disposições do art. 483, do CPC, a homologação de provimento jurisdicional estrangeiro submetia-se ao crivo do Supremo Tribunal Federal, entretanto, após a promulgação da EC/45 de 2004 (reforma do judiciário), houve uma substancial alteração nas disposições do art. 105, I, i, sendo incumbida ao Superior Tribunal de Justiça a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias expedidas por órgãos jurisdicionais de outras nações.

Quando era da alçada do STF a homologação da sentença, o regimento interno do Tribunal, em seu art. 215, repetia a redação do art. 483 do CPC, afirmando que tal decisão não produziria efeitos sem a prévia homologação do Tribunal, ou de seu Presidente, sendo vedada a homologação de sentença que ofenda a soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes [10], ausentes estes, os requisitos indispensáveis a essa homologação são arrolados pela LINDB em seu art. 15 e, repetidos no art. 217 do RISTF, sendo esses:

 

I – haver sido proferida por juiz competente;

II – terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

III – ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias à execução no lugar em que foi proferida;

IV – estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução oficial.

 

Quando tal atribuição foi incumbida ao STJ, este editou a Resolução nº 9 de 2005, foi repetido o rol de requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira, entretanto, inovou ao afirmar que também deverão ser fruto de homologação pela Presidência do Tribunal as decisões não-judiciais que pela Lei brasileira teriam essa natureza, admitindo igualmente a parcial confirmação do decisório, bem como a concessão da tutela de urgência aos efeitos desse.[11]

A homologação da decisão estrangeira tem a natureza de ação de índole meramente declaratória, devendo seguir um rito particular disciplinado igualmente na Resolução n° 09/05, do STJ, dispondo em seu art. 8° a necessidade da intimação da parte interessada para opor a sua contestação ao pedido homologatório, seja da decisão ou da carta rogatória, sendo tal exceção restrita tão somente à autenticidade dos documentos, à inteligência da decisão – na perspectiva de compatibilidade dessa com o ordenamento pátrio –, e a observância do rito imposto pela resolução.

No caso de apresentação da contestação ao ato homologatório da decisão, o feito será submetido à apreciação pela Corte Especial do STJ, cabendo ao relator a que for distribuída a demanda os atos relativos ao andamento e à instrução do processo[12]. Já ao compulsarmos as disposições acerca da homologação das cartas rogatórias, quando lhes for apresentada a devida impugnação, a Resolução supra tratada, é facultado ao Presidente da Corte a eventual distribuição dos autos para julgamento pela Corte Especial.

Assim como ocorreria em um feito comum, ordinário, na ocorrência da revelia em modalidade ficta de citação, ocorreria à nomeação de um curador ao revel, para a finalidade específica da apresentação da defesa. Arrimo parecido é dado pela Resolução nº 09, ao revel ou incapaz quando requerido, sendo determinada inclusive a obrigatoriedade da notificação pessoal do responsável pela apresentação da defesa daquele.

Ainda dentro do azo dado pela obrigatoriedade procedimental do writ homologatório, vale destacar a necessidade de concessão de vista ao órgão do Ministério Público, para querendo apresentar sua impugnação ao cumprimento da determinação jurisdicional estrangeira, dentro do prazo de 10 dias[13], cumprindo sua função precípua de custus legis.

Conforme já fora salientado, é incumbência do Presidente do STJ o ato homologatório da sentença ou carta rogatória estrangeira, sendo, portanto cabível a interposição de agravo regimental contra a monocrática de homologação prolatada pela Presidência.

Todavia, a execução da sentença homologada e o cumprimento da rogatória não se darão ante ao STJ, se dando, em ambas as hipóteses a execução dos atos perante o juízo federal competente, havendo a determinação de que a execução do decisório estrangeiro se dará por carta de sentença[14], devidamente instruída e seguindo o rito particular preconizado pela legislação processual para essa modalidade executória. Já quanto à rogatória, a resolução faculta a possibilidade da oposição de embargos relativos aos atos referentes à carta, tendo legitimidade para esse pleito o Ministério Público, ou qualquer um dos interessados, ficando o recurso a julgo do Presidente. Após o cumprimento da rogatória, essa será remetida ao juízo deprecante por intermédio do Ministério das Relações Exteriores ou do Ministério da Justiça, seguindo o que dispuser o protocolo diplomático acerca da devolução de carta rogatória.

4.3. LITISPENDÊNCIA INTERNACIONAL.

O nosso ordenamento, mais especificamente o Código de Processo Civil em seu art. 90, afirma que nas hipóteses de competência concorrente, a ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária conheça da mesma causa e das que lhe são conexas[15].

Contudo, ainda que tenha transitado em julgado a sentença alienígena, sem a prévia homologação do judiciário brasileiro, essa não tem o condão de obstar a propositura da demanda ante a jurisdição nacional. Com isso, extrai-se que o indutor da litispendência é o provimento declaratório emanado pelo STJ.

Com base nesse preceito legal, ocorreu uma construção jurisprudencial, no sentido de que a hipótese vertente assegura a prevalência da jurisdição nacional sobre as demais, em

processos em curso no exterior ou sobre decisões já proferidas por tribunais estrangeiros, ainda que com trânsito em julgado, pois, enquanto não sobrevier a homologação do ato sentencial alienígena, inexistirá qualquer obstáculo a que a Justiça do Brasil conheça da mesma causa e de todas aquelas que, com ela, guardem conexidade.[16]

Isto posto, temos ainda que, prevalecerá a competência do judiciário nacional, se quando da ocorrência da propositura de demandas idênticas ante ao Brasil e à qualquer outro Estado, a autoridade brasileira já tiver proferido decisão mesmo que em sede liminar, não há que se homologar sentença estrangeira sobre a mesma causa, mormente quando o seu teor for diverso do que se adotou no julgado nacional[17].

Entretanto, acerca desse tema, importante ressalva é feita por Cândido Rangel Dinamarco, lastreado na obra de Vicente Greco Filho, ao afirmar que:

O Brasil, no entanto, é signatário do Código de Bustamante, portador de normas sobre direito internacional privado entre os países aderentes, cujo art. 394 estabelece justamente o oposto do que diz o art. 90 do Código de Processo Civil. Consequentemente, sendo os tratados internacionais fontes formais do direito brasileiro, em relação aos processos pendentes em países participantes da Convenção de Havana prevalece a relevância da litispendência estrangeira e o art. 90 não se aplica.[18]

4.4. PRINCÍPIO DA EFETIVIDA

No entanto é mister esclarecer, que homologação de decisões ou de cartas rogatórias também poderá seguir o caminho inverso, podendo, portanto, os provimentos jurisdicionais brasileiros serem homologados em outros Estados, bastando observar as disposições do ordenamento do Estado no qual se queira ver a execução desse provimento.

Como já fora salientado, o Estado ao impor suas decisões afirma sua soberania, porém, em certos aspectos é patente a inviabilidade da imposição imperativa desse decisório sobre o território estrangeiro.

Assim, resta evidente que um dos liames limitadores ao exercício jurisdicional é o princípio da efetividade, ficando restrita a atuação do juiz brasileiro às causas em que exista a possibilidade do cumprimento da sua decisão, sendo esse o imperativo de tal princípio, que obsta o exercício jurisdicional quando esse não se mostra hábil à execução.

Destarte, para que conheça da causa, existe a necessidade de que a autoridade consiga executar o provimento, sob pena de ineficácia, restringindo-se esse a mero aconselhamento ou parecer.

4.5. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA

Todavia - conforme se extrai do art. 217, I, do RISTF, do art. 5°, I, da Resolução n° 09/05 e do art. 15, a, da LINDB, é necessário, além de tudo, que a autoridade que efetuou a prolação do decisório seja, necessariamente, a competente, ressalvando o que dispõe o CPC em seu art. 89, que arrola as circunstâncias em que a competência resolutiva do litígio é incumbência exclusiva da autoridade jurisdicional brasileira.

Dessa forma, extrai-se que somente a autoridade brasileira poderá processar conhecer e julgar das ações relativas a imóveis que estejam situados no território nacional, justamente em razão da soberania nacional, o mesmo raciocínio se aplica as ações de inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional[19].

Por epítome, temos que, nas hipóteses levantadas pelo art. 89, não há que se falar em eventual homologação de decisão estrangeira, ante a competência internacional exclusiva da autoridade brasileira, devendo ser respeitada tal disposição do ordenamento nacional pelo judiciário estrangeiro, também em razão dos princípios da reciprocidade e da boa convivência internacional.

A competência preconizada pelo art. 89 é exclusiva e, portanto, é tida como absoluta, sendo inarredável por convenção das partes, ou pela proposição da demanda ante ao poder jurisdicional de outra nacionalidade. Nesse azo, afirma-se também que além da impossibilidade de homologar decisório estrangeiro, é inexequível a rogatória que disponha acerca da constrição, ou eventual penhora de bens imóveis situados em solo pátrio.

Diante disso, é evidente que a atribuição da competência exclusiva da autoridade judicial brasileira na solvência dos litígios referentes a bens móveis e imóveis situados em solo pátrio, tem profunda conexão com a idéia de soberania nacional, inadmitindo assim o exercício jurisdicional de qualquer outro estado.

5. DA SOBERANIA E DAS NORMAS INDICATIVAS

Ao afirmarmos que as normas de competência internacional são delimitadas por critérios de soberania, notamos o surgimento de um conflito acerca do foro competente, do ente estatal que intervirá pacificando a lide. Assim, existe um conflito de entes soberanos, aptos a impor suas decisões sobre aquele conflito concreto, e ante a essa paridade, é manifesta a impossibilidade de sujeição de um ao império do outro.

No entanto, em razão dos motivos já tratados (item 3, supra), existe uma hodierna relativização desse quadro, fazendo com que esses entes soberanos abram mão de parte de sua soberania, sujeitando-se à tribunais internacionais e permitindo até que decisórios estrangeiro surtam efeitos em sua base física.

Porém, em nosso ordenamento pátrio, assim como nos demais, existem claras vedações quanto à eficácia desses atos, em nosso caso específico, essas vedações encontram-se enumeradas na LINDB, que assevera a ineficácia das leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade que tenham o condão de ofender a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes[20].

Todavia, as normas de competência referem-se exclusivamente ao foro, não implicando, necessariamente, às normas de Direito Material aplicáveis à solvência do litígio. Assim, apesar da Norma, seja de direito material ou processual, ser a expressão cogente e soberana do Estado que a origina, na atual conjuntura do mundo globalizado, onde migração é um fenômeno constante e, a vida civil do indivíduo, muitas vezes se propaga para além da esfera de seu estado pátrio, tornando-o parte de uma comunidade muito mais vasta do que a sua nação, sendo essa cultural e socialmente marcada por uma heterogenia sistêmica, levando o indivíduo, os seus problemas e os seus interesses a todos os quadrantes do globo [21].

Com origem nessa necessidade premente, vemos surgir a disciplina chamada de Direito Internacional Privado, representado pelas normas indicativas, ou estruturais, que não têm a função precípua de oferecer solução do litígio, mas tão somente fornecer os objetos e elementos de conexão, que demonstrarão qual o ordenamento a ser aplicado naquele caso concreto.

Diante disso, vemos a aplicação prática do princípio da extraterritorialidade das Leis, fazendo com que um Estado Soberano reconheça a aplicação de uma norma estranha ao seu ordenamento, a um conflito que está sendo por ele processado e julgado, dentro de seu território.

Dentro do nosso ordenamento, a Lei que têm essa natureza estrutural é a LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), trazendo o iter dos elementos ou objetos de conexão, indicadores da norma aplicável, conforme se extrai do caput de seu art.7º, enunciando que a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família[22].

Não obstante, em relação aos bens e as obrigações, temos que no primeiro caso aplicar-se-á a Lei do país em que se encontrarem os bens, e no segundo caso, do local em que foram constituídas as obrigações, consoante disposições da LINDB[23].

No rol dos elementos conectivos, vemos, também, a nacionalidade ganhar local de destaque, quando na sucessão dos bens deixados por estrangeiros, será aplicada a Lei da Nacionalidade do de cujus, desde que a brasileira não se mostre mais benéfica aos sucessores[24].

6. OUTRAS QUESTÕES IMPORTANTES

6.1. CARTAS ROGATÓRIOAS E BENS IMÓVEIS NO TERRITÓRIO NACIONAL

As cartas rogatórias são atos jurisdicionais, que pela impossibilidade física, territorial da realização pelo juízo deprecante, em razão do país, são rogados à autoridade de algum outro Estado, pelos meios diplomáticos. Para emanar um provimento dessa índole, o judiciário que emanou o provimento deve, necessariamente, ter competência para a constrição dos bens, o que evidentemente não ocorre no caso em tela.

Os bens imóveis situados no território brasileiro gozam da competência exclusiva do poder Judiciário pátrio, conforme dispõe o art. 89 do CPC, bem como o art. 12, § 1º da LINDB.

Assim, para constrição de imóvel situado no território nacional, somente se poderia proceder se, ao invés de tratar-se de carta rogatória, a delegação do ato a ser praticado se desse por meio de carta precatória, de um juízo nacional, a outro juízo nacional, o que em verdade não encontraria óbice algum.

6.2. INVASÃO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO ÓRGÃO JURISDICIONAL BRASILEIRO PELASENTENÇA ESTRANGEIRA

A competência quando é de natureza exclusiva, ou seja, absoluta, não admite derrogação ou preterimento pela vontade das partes, ou qualquer outra razão, em virtude de ser norma de natureza cogente.

Assim, o Regimento Interno do STF, dispõe em seu art. 216, que não será homologada a sentença estrangeira que ofender a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública pátria; redação esta repetida pelo art. 6º da Resolução nº 09 de 2005, do STJ, (a quem foi incumbida a homologação do provimento jurisdicional estrangeiro após a EC/45).

Em razão da invasão da competência exclusiva da autoridade judicial brasileira, o óbice à homologação está contido no art. 217, I, do RISTF, que enumera como requisito fundamental à homologação da decisão estrangeira, que essa tenha sido proferida, necessariamente, pelo juízo competente, o que deveras não ocorre quando se desdobra uma invasão de matéria sujeita à competência exclusiva da autoridade jurisdicional brasileira. No mesmo sentido do Regimento Interno do STF, o art. 5º da Resolução nº 09 de 2005, do STJ, em seu inciso I, traz a mesma conditio sine qua non para que se dê o ato homologatório. Essa também é a disposição da LINDB, que em seu art. 15, a, afirma que é condicionada à homologação, a necessidade de que o provimento que quer se ver homologado, tenha sido prolatado pela autoridade judiciária competente.

Com base nisso, verificamos, como já dito alhures, que o Supremo Tribunal Federal não mais é o foro competente à homologação de provimentos jurisdicionais exteriores ao solo pátrio, sendo essa agora, incumbência do STJ, que por sua vez não poderá homologar tal provimento, em razão da competência ser exclusiva a autoridade brasileira, sendo portanto obstada qualquer possibilidade de homologação em razão da soberania nacional (art. 6º, Resolução 09/05, do STJ) e da incompetência do órgão que emanou o provimento (art. 5º, I, Resolução 09/05, do STJ).

6.3. INVENTÁRIO DE ESTRANGEIRO DOMICILIADO NO EXTERIOR DEIXANDO BENS NO TERRITÓRIO NACIONAL

Quando o de cujus era domiciliado no exterior, mesmo assim o foro competente não será o do local de seu domicílio (contrariando a regra geral do CPC – foro competente é o do último domicilio do de cujus). Isso porque a abertura e processamento de inventário, quando envolver bens situados no território nacional, não poderá ocorrer em outro país, sendo obstada tal hipótese pelo que dispõe o Código de Processo Civil, em seu art. 89, II, afirmando que compete exclusivamente a autoridade judicial brasileira proceder ao inventário e a partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro o resida fora do Brasil.

Ao afirmar, bens situados no Brasil, o Código subtrai do judiciário estrangeiro a possibilidade do conhecimento dessa causa, com o fito único de preservar a ordem econômica nacional. Isso devido ao fato dos bens, pela sua natureza, serem a concretização de expressões monetárias (sujeitas à tributação e à própria soberania do Estado, etc....), o que por certo lhes atribui um valor econômico. E dada a importância do sistema econômico, é inadmissível a ingerência de um outro Estado sobre as questões dessa índole, que representam, em verdade, questões de soberania.

6.4. COOPERAÇÃO INTERNACIONAL EM CONFLITOS ENVOLVENDO ALIMENTOS

 

Em nosso ordenamento existe a previsão de cooperação internacional entre órgãos jurisdicionais, quando o conflito envolver o pagamento de prestações de natureza alimentícia; em virtude da ratificação pelo Brasil da Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar, que se deu em dezembro de 1.997, dando força de Lei ordinária (ou supralegal e infraconstitucional se se compreender que tais disposições envolvem direitos humanos) às disposições do documento, que se tornou o Decreto 2.428/97.

Dentre outras disposições, tal Decreto trata das normas de fixação de competência em conflitos internacionais envolvendo alimentos, atribuindo inicialmente a competência para processar e julgar tal litígio ao Estado no qual tenha domicílio ou residência o Credor da Obrigação e, de maneira secundária ao domicílio ou residência do Devedor da obrigação; afirmando também a eficácia extraterritorial dos provimentos dessa índole, aos Estados signatários da convenção, desde que respeitados os seguintes requisitos:

a) que o juiz ou autoridade que proferiu a sentença tenha tido competência na esfera internacional, de conformidade com os artigos 8 e 9 desta Convenção, para conhecer do assunto e julgá-lo;

b) que a sentença e os documentos anexos, que forem necessários de acordo com esta Convenção, estejam devidamente traduzidos para o idioma oficial do Estado onde devam surtir efeito;

c) que a sentença e os documentos anexos sejam apresentados devidamente legalizados, de acordo com a lei do Estado onde devam surtir efeito, quando for necessário;

d) que a sentença e os documentos anexos sejam revestidos das formalidades externas necessárias para serem considerados autênticos no Estado de onde provenham;

e) que o demandado tenha sido notificado ou citado na devida forma legal, de maneira substancialmente equivalente àquela admitida pela lei do Estado onde a sentença deva surtir efeito;

f) que se tenha assegurado a defesa das partes;

g) que as sentenças tenham caráter executório no Estado em que forem proferidas. Quando existir apelação da sentença, esta não terá efeito suspensivo.[25]

Dessa forma, em razão da vinculação extraterritorial do decisório no conflito envolvendo alimentos, é nítido que a ratificação de tal convenção se coloca além da simples cooperação internacional para os conflitos dessa índole.

VII. SÍNTESE CONCLUSIVA

Dessa forma, temos que na atual conjuntura da sociedade, globalmente considerada, os conflitos envolvem questões muito mais complexas do que o próprio caso concreto, devendo-se levar em consideração qual será o foro competente para o julgo da lide, respeitadas as disposições acerca da competência exclusiva e da concorrente, não sendo condicionada, inclusive, a fixação do foro aos preceitos de regência do direito material aplicável. Portanto, dentro desse quadro, é evidente a relativização de alguns conceitos inerentes a construção do Estado moderno, sendo esse justamente o caminho para a correta solução dos litígios intersubjetivos entre sujeitos globais, de países diversos, tendo em vista, justamente, a formação de uma comunidade universal, onde as fronteiras geográficas são uma barreira cada vez mais ideológica, do que física.

VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARNEIRO, Athos Gusmão, Jurisdição e Competência, 13ª edição, 2004.

DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, I, 6ª edição, 2009.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Competência no Processo Civil, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, Vol. I, 24ª edição, 2011.

THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1, 53ª edição, 2012.

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Sobre os autores
Pedro Casquel de Azevedo

Acadêmico de Direito, cursando a 10ª etapa na Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP.

Felippo de Almeida Scolari

Acadêmico de Direito, cursando a 10ª etapa na Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP.

Felipe Martineli Simonassi

Acadêmico de Direito, cursando a 10ª etapa na Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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