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A Central de Risco de Crédito do Banco Central do Brasil e o sigilo bancário

12/09/2003 às 00:00
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Centrais de Informações de Crédito (SPC, SERASA, etc.) e Sistema Central de Risco de Crédito (CRC – BACEN):

As Instituições Financeiras como um todo, em virtude de suas atividades que quase sempre envolvem grande responsabilidade patrimonial, necessitam de informações acerca do mercado consumidor de capitais, com vistas a avaliar a sua capacidade e vontade de pagar, ou seja, a solvência dos que lhe procuram para contratar.

Não há dúvidas de que, neste competitivo mercado, informação é sinônimo de segurança e rentabilidade. Assim, os integrantes de todo o sistema financeiro nacional são vigilantes no que diz respeito de às informações, procurando sempre atualizá-las e investindo consideravelmente para mantê-las e obtê-las, visando sempre analisar o risco das suas atividades.

Certamente, a atividade das instituições financeiras é empresarial e capitalista na mais pura forma e, por isto, há a busca incessante pelo lucro, tendo sempre como inspiração de com o menor custo alcançar-se o maior lucro. Pretende-se afastar o risco a todo custo reduzindo-o à menor proporção sustentável.

A noção de risco de crédito liga-se à probabilidade de recebimento do montante a ser emprestado ao consumidor bancário e, conseqüentemente, daquela instituição financeira manter-se no mercado. É a partir desta idéia, que haverá o estabelecimento do preço a ser cobrado traduzido na taxa de juros aplicável àquela soma.

Tal valioso produto, qual seja, a informação, entretanto, poderá ser obtido por apenas algumas formas. A instituição financeira terá esta noção a partir de um relacionamento construído ao longo do tempo, podendo levantar dados acerca daquele tomador de crédito junto ao seu próprio conjunto de informações. Todavia, não sendo possível esta operação, poderia esta instituição obter, junto a empresas ou instituições que realizaram operações com este tomador, notícias acerca deste negócio. Entretanto, tais possibilidades não se mostram eficientes no labor diário das empresas, dificultando e muitas vezes dilatando o prazo para conclusão do negócio.

Para solucionar tal situação, foram criadas diversas Centrais de Informações de Crédito, privadas ou públicas, funcionando para eliminar a assimetria de informação entre o credor e o tomador de recursos, reduzir os problemas ligados à seleção adversa, diminuindo tanto os efeitos do risco, quanto os custos no fornecimento das informações. Surgiram então a SERASA, o SPC e diversos outros bancos de dados que, na sua maioria, possuem informações negativas, ou seja, são incluídas em sua base somente dados relativos à inadimplências. Estas Centrais passaram a atuar como verdadeiros instrumentos disciplinadores do mercado, sendo que, os nela incluídos passaram a ter o estigma de maus pagadores publicizado a níveis nacionais.

Esta informação, ao revés, poderá ser positiva, ou seja, poderá avaliar o perfil do bom pagador, revelando seu histórico de adimplência, com disponibilização de dados acerca de todas as operações por ele contratadas, com prazo e forma de pagamento. Esta forma acaba criando uma consciência por parte de todos os bancos acerca daquele tomador, gerando uma competição maior entre eles. Há também a prevenção de que os tomadores passem a tornar-se inadimplentes, em vista de tomarem mais empréstimos do que efetivamente possam adimplir, ficando excessivamente endividados, aumentando assim o risco de emprestar-se dinheiro a esta pessoa.

Todavia, a experiência demonstra serem mais eficientes os cadastros capazes de armazenarem os dois tipos de informações.

É com esta inspiração que surge a Central de Risco de Crédito do Banco Central do Brasil (BACEN), visando primordialmente o aumento da capacidade de monitoramento dos riscos de crédito dentro das carteiras das instituições financeiras, prevenindo crises, detectando eventuais problemas, fornecendo subsídios para a análise e pesquisa do mercado de crédito, tudo isto por conta do fornecimento de informações mais precisas e de melhor qualidade para os integrantes do Sistema Financeiro Nacional, auxiliando a tomada de decisões para a concessão e gerenciamento do crédito.

Esta Central difere das demais centrais de Informações de Crédito por amparar-se fortemente no uso de informações positivas. Ela revela um sistema classificatório do risco de crédito para todos os devedores, englobando não só financiamentos, mas também avais, fianças, coobrigações e perfil de endividamento, consolidando as posições de risco de crédito entre várias instituições financeiras e entre empresas do mesmo grupo empresarial.


Surgimento e regulamentação da Central de Risco de Crédito:

A Central de Risco de Crédito do Banco Central do Brasil começou a ser implantada em 1997. Inicialmente este instrumento mostrou ser muito útil na supervisão das atividades bancárias da própria autarquia e, secundariamente atendendo, ainda que em uma pequena parte, ao Sistema Financeiro Nacional.

No ano de 2000, foi efetuada uma avaliação global do sistema, revelando-se a necessidade de ampliar-se o objetivo das informações visando a atender à outras áreas do Banco Central do Brasil, não só, como vinha ocorrendo, somente à área de supervisão bancária. O sistema expandiu-se além do âmbito do BACEN, e estendeu-se também à esfera de todo o sistema financeiro, através de suas instituições.

Desta forma, a partir desta reformulação, houve significativas evoluções, entre as quais pode-se destacar o aumento da capacidade de monitoramento de riscos de crédito, visando antever e prevenir crises no Sistema Financeiro Nacional. Foram também desenvolvidas novas ferramentas que possibilitaram detectar potenciais problemas nas carteiras de créditos das instituições financeiras pela área de supervisão, por conta principalmente da disponibilidade de informações mais detalhadas sobre crédito. Todo este universo de informações foi disponibilizado ao Sistema Financeiro Nacional com uma maior qualidade, permitindo com isto o aperfeiçoamento das deliberações a respeito da concessão e gerenciamento dos créditos, dando ensejo à diminuição da inadimplência do sistema e conseqüentemente do spread bancário.

A regulamentação deste sistema veio com a Resolução n. 2.390, de 22 de maio de 1997, substituída posteriormente pela Resolução 2.724 em 31 de maio de 2000, ambas emitidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Esta última, ainda vigente, determinou que todas as instituições financeiras ali especificadas passassem a prestar informações ao Banco Central, o qual, por sua vez passou a editar regulamentos para esclarecimento dos procedimentos a serem adotados.

A partir daí, as instituições financeiras passaram a fornecer periodicamente informações acerca de todas as suas operações que se enquadrassem nas exigências do BACEN, alimentando esta base de dados e tendo acesso a ela, inclusive remotamente.


As informações disponibilizadas e o sigilo bancário:

A Constituição Federal assegura no seu art. 5º, inc. X, a todos a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem, como cláusula pétrea admitindo sua flexibilização somente quando presentes os princípios garantidores da legalidade e do devido processo legal, em que se insere o contraditório. Não há dúvidas de que o sigilo bancário possui esta proteção da Carta Magna, sendo indiscutível que todas as pessoas serão protegidas no que diz respeito às suas operações financeiras. Trata-se o sigilo bancário, portanto, de direito fundamental o qual não pode ser abolido ou limitado.

Entretanto, com esta Central de Risco de Crédito do Banco Central do Brasil, poder-se-ia questionar acerca da sua criação ter ou não violado este direito constitucional ao sigilo bancário.

De fato, a CRC, como receptáculo de informações, passa a ter, conforme planejado para a sua nova reformulação já em andamento, informações fornecidas por diversas instituições quais sejam: a Secretaria da Receita Federal (SRF), as Câmaras de Compensação, Liquidação e Custódia, o Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin), Departamento de Capitais Estrangeiros e Câmbio (Decec), Departamento de Supervisão Direta (Desup), Departamento de Supervisão Indireta (Desin), Balancetes Cosif, Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo (CCF), Informações sobre Entidades de Interesse do Banco Central (Unicad) e Instituições Financeiras e Assemelhadas.

Como se vê, tal implantação criará um banco de dados sem precedentes, com a capacidade de fornecer informações muito superior a qualquer central já instalada, com o diferencial de ser um sistema mantido pelo Poder Público, ao qual as empresas deverão necessariamente fornecer os dados. Além de ser por ele mantido dará oportunidade de em qualquer local do país ser acessado e, terá as mais diversas e heterogêneas informações acerca daquele tomador, como um verdadeiro cérebro de todas as operações bancárias e financeiras do país.

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As informações poderão ser acessadas, como hoje ocorre, pela supervisão bancária, no estrito cumprimento de suas atribuições, pelo próprio cliente, após um cadastramento e obtenção de senha específica ou pela instituição financeira quando devidamente autorizada pelo cliente.

Entretanto, apesar desta restrição de possibilidades, o que se vê hoje são as instituições financeiras, mais do que acostumadas a utilizarem contratos de adesão através da impressão de diversos formulários padrões, obterem esta autorização do consumidor sem que este saiba que está na realidade autorizando que o seu sigilo bancário seja esmiuçado pelo concedente do empréstimo. Caberá ao Banco Central orientar as instituições financeiras no sentido de coibir abusos desta natureza e, ao Poder Judiciário sancionar caso haja sua materialização, em vista inclusive do disposto no Código de Defesa do Consumidor.

A lei complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências, previu em seu artigo 1º, § 3º, inc. I, que não constituirá violação do dever de sigilo das instituições financeiras a troca de informações entre elas para fins cadastrais, incluindo as centrais de risco, observando-se as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil. Entretanto, tal previsão legal não obsta seja esta CRC, na prática, seja utilizada indevidamente, ensejando verdadeira violação à intimidade das pessoas revelando todo o seu sigilo bancário.


Conclusão:

De fato, não é necessária uma análise muito acurada acerca do tema para visualizar-se o poder de fogo da Central de Risco de Crédito do Banco Central do Brasil. Fica claro que por ter esta central uma gama de informações muito grande, poderá ser considerada hoje, possivelmente, o maior banco de dados já visto no país, reunindo em seu bojo todas as operações financeiras relevantes.

Todavia, não se pode olvidar que tal banco de dados conterá todos os elementos para um maior controle do sistema financeiro nacional por parte do Banco Central do Brasil. É importante ter em mente que o sentido da palavra risco empregado na denominação da CRC diz respeito não ao risco do cliente vir a pagar, mas sim, numa perspectiva macroeconômica, à capacidade da instituição financeira vir a causar imensos prejuízos à toda a sociedade brasileira, como o passado se encarrega de demonstrar.

Certamente, será através deste controle maior por parte do Banco Central do Brasil das instituições que será possível apurar-se fraudes, má gestão dos recursos públicos e privados no momento da realização dos empréstimos. De outra forma não poderia ser mais eficiente, tendo em vista que, antes mesmo de realizar o empréstimo, o futuro credor terá a possibilidade de estudar pormenorizadamente a vida financeira do seu tomador, justificando assim a sua recusa, ou, comprovando o seu descompromisso ao efetuar o empréstimo.

Trata-se, mais uma vez, de aplicar-se o princípio da proporcionalidade perante o conflito de interesses: de um lado o direito individual ao sigilo bancário e do outro o interesse público, representado pela pretensão do Poder Público de averiguar a solidez, a segurança e o grau de solvência e de risco das instituições financeiras.

Deve-se, portanto, adequar este relevante interesse em controlar a atividade das instituições financeiras à garantia de intimidade do particular, tendo em vista a relevância econômica da questão. Aliás, questão que, caso não observada, pode vir a gerar colapso em toda a economia e quiçá a falência de um sistema financeiro que, apesar de suas mazelas, funciona regularmente.

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Sobre a autora
Priscila Cunha Lima

acadêmica de Direito na UNIFACS, em Salvador (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Priscila Cunha. A Central de Risco de Crédito do Banco Central do Brasil e o sigilo bancário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 72, 12 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4336. Acesso em: 29 mar. 2024.

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