5) Síntese conclusiva
A Constituição limitou o cabimento dos recursos extraordinário e especial às questões constitucionais e federais infraconstitucionais, não havendo previsão de cabimento quando houver erro no exame das provas sobre determinado fato. Tal limitação se deve ao fato de que estes recursos exercem funções nomofilática e uniformizadora da jurisprudência.
Para verificar o cabimento dos recursos extraordinário e especial, é necessário se valer de critério técnico-processual para fazer a distinção entre as questões de fato e as questões de direito. O professor Luiz Guilherme Marinoni propôs critério segundo o qual a expressão “reexame de prova” compreende apenas a convicção do julgador, formada com base nas provas dos autos, sobre os fatos controvertidos, mas não abrange as regras sobre direito probatório (cronologicamente anteriores à análise das provas sobre os fatos), a qualificação jurídica dos fatos descritos na decisão impugnada, tampouco a determinação da consequência no plano normativo (cronologicamente posteriores à aferição dos fatos pelo magistrado).
Embora os recursos extraordinário e especial exerçam, preponderantemente, as funções nomofilática e uniformizadora da jurisprudência, a Constituição também atribuiu ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça a competência para realizarem o juízo de revisão. Isso quer dizer que, após a realização do juízo de cassação, em caso de verificação da existência de ofensa à Constituição ou à lei federal, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça devem efetuar um novo julgamento da causa.
Ao efetuarem o juízo de revisão, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça podem ingressar livremente no exame das provas constantes dos autos, pois, nesta fase, funcionam como verdadeiro tribunal de apelação que podem corrigir as injustiças existentes, bem como examinar as questões de ordem pública ainda que não tenham sido apreciadas pelas instâncias ordinárias.
Portanto, a limitação ao exame de questões constitucionais e de direito federal nos recursos extraordinários e especial está adstrita ao juízo de cassação da decisão impugnada, pois a terceira etapa do julgamento destes recursos confere ampla competência para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça efetuarem novo julgamento da causa, inclusive analisando as provas existentes nos autos e as questões de ordem pública ainda não apreciadas pelas instâncias ordinárias.
Feitas essas considerações, é possível elencar as seguintes conclusões sobre o exame das questões de fato pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos recursos extraordinário e especial:
1) os recursos extraordinário e especial exercem, preponderantemente, as funções nomofilática e uniformizadora da jurisprudência, apenas protegendo os interesses das partes de forma indireta e reflexa.
2) a expressão “reexame de prova” compreende apenas a análise da prova sobre a versão dos fatos admitidos pela decisão impugnada, não abrangendo, todavia, as regras de direito probatório, a qualificação jurídica dos fatos descritos na decisão impugnada, nem a determinação da consequência no plano normativo.
3) a limitação ao exame de questões de direito no julgamento dos recursos extraordinário e especial está adstrita ao juízo de cassação, pois o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça podem efetuar a análise da prova sobre os fatos por ocasião do rejulgamento da causa.
BIBLIOGRAFIA
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Notas
[1] Súmula 279. Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.
[2] Súmula 7. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.
[3] João Francisco Naves da Fonseca. Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial, editora Saraiva, pág. 39.
[4] Danilo Knijinik. O recurso especial e a revisão da questão de fato pelo Superior Tribunal de Justiça, editora Forense, pág. 105.
[5] Athos Gusmão Carneiro. Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno, 5ª edição, editora Forense, pág. 03.
[6] Athos Gusmão Carneiro. Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno, 5ª edição, editora Forense, pág. 03.
[7] Rodolfo de Camargo Mancuso. Recurso extraordinário e especial, 7ª edição, editora Revista dos Tribunais, pág. 154.
[8] João Francisco Naves da Fonseca. Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial, editora Saraiva, págs. 40-41.
[9] Teresa Arruda Alvim Wambier. Distinção entre questão de fato e questão de direito para fins de cabimento de recurso especial, Revista de Processo, vol. 92, pág. 53.
[10] Teresa Arruda Alvim Wambier. Distinção entre questão de fato e questão de direito para fins de cabimento de recurso especial, Revista de Processo, vol. 92, pág. 53.
[11] Teresa Arruda Alvim Wambier. Distinção entre questão de fato e questão de direito para fins de cabimento de recurso especial, Revista de Processo, vol. 92, pág. 53.
[12] Teresa Arruda Alvim Wambier. Distinção entre questão de fato e questão de direito para fins de cabimento de recurso especial, Revista de Processo, vol. 92, pág. 53.
[13] Teresa Arruda Alvim Wambier. Distinção entre questão de fato e questão de direito para fins de cabimento de recurso especial, Revista de Processo, vol. 92, pág. 56.
[14] Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart. Prova, editora Revista dos Tribunais, pág. 337.
[15] Nathália dos Santos Paes de Barros, Reexame Fático-Probatório nos Recursos Extraordinário Lato Sensu, Revista da Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso do Sul, volume 14, pág. 391.
[15] Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart. Prova, editora Revista dos Tribunais, pág. 337.
[15] Nathália dos Santos Paes de Barros, Reexame Fático-Probatório nos Recursos Extraordinário Lato Sensu, Revista da Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso do Sul, volume 14, pág. 391.
[16] Nathália dos Santos Paes de Barros, Reexame Fático-Probatório nos Recursos Extraordinário Lato Sensu, Revista da Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso do Sul, volume 14, pág. 392.
[17] O professor Cândido Rangel Dinamarco ensina que o “conteúdo do direito probatório consiste na determinação das alegações suscetíveis de demonstração por via da prova (objeto da prova), na distribuição do encargo de prová-las e consequências da falta de prova suficiente (ônus da prova), na definição dos elementos exteriores sobre os quais essas atividades incidem (fontes de prova), nas próprias atividades processuais destinadas à comprovação das alegações (meios de prova) e na disciplina do valor das provas e modo como deve ser apreciadas (valoração da prova).” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, III, pág. 56-57).
[18] Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart. Prova, editora Revista dos Tribunais, pág. 337.
[19] João Francisco Naves da Fonseca. Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial, editora Saraiva, págs. 132.
[20] Nathália dos Santos Paes de Barros, Reexame Fático-Probatório nos Recursos Extraordinário Lato Sensu, Revista da Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso do Sul, volume 14, pág. 400.
[21] João Francisco Naves da Fonseca. Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial, editora Saraiva, págs. 108.
[22] Para o professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a aplicação do direito não se confunde com a interpretação, embora a exija, pois, demonstrado, por via hermenêutica, o sentido da norma, é preciso demonstrar que o caso a ser decidido nele se enquadra. (Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao Estudo do Direito, 4ª edição, editora Forense, pág. 316).
[23] João Francisco Naves da Fonseca. Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial, editora Saraiva, págs. 109.
[24] José Carlos Barbosa Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil, volume V, 13ª edição, editora Forense, pág. 605.
[25] O professor Goffredo Telles Júnior ensina que a “norma jurídica é autorizante porque ela autoriza quem for lesado por violação dela a empregar, por meios competentes, as sanções da lei, contra o violador (violador efetivo ou provável), para fazer cessar ou obstar a violação, ou para obter, do violador, reparação pelo mal que a infringência causou; ou para forçar o violador a repor as coisas no estado em que estavam antes da violação; ou, por último, nos casos de crime, para submeter o violador à penas da lei e às medidas de segurança social. (Iniciação na Ciência do Direito, editora Saraiva, pág. 43)
[26] Teori Albino Zavascki. Prefácio ao livro Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial, editora Saraiva, pág. 15.
[27] Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 10ª edição, editora Revista dos Tribunais, pág. 541.
[28] O eminente Ministro Teori Albino Zavascki é categórico ao afirmar que não procede o entendimento segundo o qual há interdição ao exame de fatos e da prova em todas as etapas do julgamento do recurso especial e do recurso extraordinário, pois, segundo ele, a interdição ao exame de fatos e da prova existe apenas em relação à segunda etapa do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial. Superada a fase relacionada à existência de ofensa ao direito constitucional ou federal, “cumprirá ao Tribunal julgar a causa “aplicando o direito à espécie”, oportunidade em que terá cognição ampla, não somente a respeito das questões de direito constitucional ou federal, mas também da matéria de ordem pública cognoscível de ofício e todas as demais questões discutidas, sejam de direito (inclusive de direito local), sejam de fato”. (Teori Albino Zavascki. Prefácio ao livro Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial, editora Saraiva, pág. 15)
[29] Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 10ª edição, editora Revista dos Tribunais, pág. 541.
[30] João Francisco Naves da Fonseca. Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial, editora Saraiva, págs. 101.
[31] Também possuem a mesma opinião os seguintes autores: Bernardo Pimentel (Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, 4ª edição, editora Saraiva, pág. 440), Fredie Diddier Jr e Leonardo José Carneiro da Cunha (Curso de direito processual civil, vol. 3, 5ª edição, editora JusPodvm, págs. 275-276).
[32] João Francisco Naves da Fonseca. Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial, editora Saraiva, págs. 92-93.