A Era dos Concurseiros?

13/10/2015 às 11:06
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O artigo questiona a prática ilegal de alguns candidatos ao concurso da magistratura que, ao invés de exercerem a advocacia, no prazo mínimo de três anos, encenam a militância, assinando petições elaboradas por outros colegas.

O título deste texto mais do que uma pergunta, consiste em uma provocação ao leitor, a fim de que este, por conta própria, encontre a resposta, depois de se dedicar à leitura seguinte.

Com tantas explicações iniciais, é provável que o leitor não se interesse em completar a leitura, mas peço a ele que se esforce, porque algo útil poderá ser extraído ao final.

Adianto, pois, que não tenho a pretensão de responder à indagação, ao menos, de maneira direta.

Tenho certeza, ademais, que não possuo qualificação suficiente para batizar a era judiciária na qual vivemos.

A propósito, uma era com tantas características positivas deverá, no futuro, receber apelido melhor do que a “Era dos Concurseiros”.

Além disso, me refiro especialmente à magistratura, ou melhor, ao momento atual, desta profissão socialmente relevante, com base naquilo que tenho vivenciado enquanto advogado.

Portanto, advirto, também, o leitor, que se tratará, inegavelmente, de uma visão parcial.

Afinal, trata-se de um parecer destituído de prévio contraditório.

Não ouvi a classe dos magistrados.

Desse modo, registro, inclusive, minhas sinceras escusas por algum comentário equivocado segundo a ótica de alguns juízes.

Escrevo, na verdade, aquilo que sinto e venho sentindo há algum tempo.

Não quero, de maneira alguma, generalizar tudo ou nada.

Escrevo como advogado que sou.

E, também, como professor de Direito.

Posso estar enganado quanto a algumas questões, mas se aquilo que disser doravante lhe causar alguma perplexidade, reputarei satisfatória a tarefa aqui desempenhada.

Admiro a magistratura.

Meu avô paterno foi integrante dos quadros do Tribunal de Justiça bandeirante.

De juiz a desembargador, acredito que tenha sido um verdadeiro sacerdote.

Um pesquisador incansável e um humanista profundamente engajado.

Palavras que ele escrevera quando redigira o prefácio da minha primeira obra.

Um livro, aliás, bastante singelo e rudimentar, porém, deveras importante, porque fora o meu primeiro passo na árdua arte de escrever.

 Recentemente falecido, ele continuará significando, para mim, elevado exemplo de amor e dedicação à magistratura e ao Direito e, também, um avô especialmente amoroso.

Um grande jurista!

Disse, carinhosamente, Joseval Peixoto em uma de suas crônicas matinais no rádio.

Por isso, talvez, quando penso em um juiz, me venha, na lembrança, a figura do meu avô.

Sei, naturalmente, que outros bons juízes tiveram e tem personalidades distintas da dele, conquanto algo comum os identifique: a vontade perpétua e sagrada de dar a cada um o que é seu, como falavam os romanos.

Em outras palavras, a consciência de que a magistratura importa em devoção sensata e irrefreável pela busca da Justiça no caso concreto.

Contudo, somente um magistrado vocacionado atingirá o desempenho impoluto e profícuo do múnus público.

O que se tem visto com frequência preocupante é o oposto.

Sem sérios dados estatísticos, não me atrevo a qualificar tais fatos como regra, ainda que frequentes.

Pelo contrário.

Penso se tratar de exceção. Quero pensar assim.

Muitos juízes, todavia, ingressam na carreira, a despeito de qualquer vocação para o cargo.

São antigos concurseiros que, mais cedo ou mais tarde, logram ser aprovados no difícil concurso de provas e títulos, tornando-se, enfim, magistrados.

Além do mais, os atrativos ou garantias da carreira, afora a própria constância mensal dos proventos, estão previstos na Constituição em vigor, especificamente no art. 95 e incisos (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios).

No entanto, a falta de vocação faz surgir um magistrado frustrado ou, até mesmo, psicologicamente enfermo.

Ao contrário da advocacia, a segurança financeira do cargo público seduz muitos estudantes de Direito.

O início da militância na advocacia, por sua vez, pode frustrar o profissional do Direito, principalmente pela baixa remuneração.

Não obstante, a remuneração, por si só, não pode constituir o ponto decisivo na escolha de uma carreira jurídica.

O peso da vocação deve ser maior.

Alguns juristas principiantes, por outro lado, se esquecem deste detalhe e seguem a vida em carreiras para as quais não estão vocacionados.

Daí resulta o surgimento de advogados, promotores e juízes infelizes que, muito provavelmente, deixarão de desempenhar as respectivas funções públicas como deveriam, quando não se investem em uma postura autoritária e arrogante.

Em uma audiência no juizado especial criminal, como advogado do réu, ofereci a defesa que, dentre outras matérias, ventilava a ocorrência de prescrição virtual.

Um processo criminal, diga-se de passagem, totalmente injusto e descabido aberto contra um colega advogado pela suposta prática do crime de resistência.

O juiz substituto negou o pedido.

Disse, informalmente, que não sabia muito bem o que era prescrição virtual, mas, pelo que se recordava da época em que estudava para a magistratura, o tema não era aceito pela jurisprudência dominante.

Logo, o pleito ficaria indeferido com base nela.

De fato, a súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça repudia a tese da prescrição virtual ou antecipada construída pela doutrina e pela jurisprudência.

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A súmula em questão, ainda assim, é dotada de natureza persuasiva e, consequentemente, não vinculante.

Logo, ainda que tivesse razão, o magistrado, além de tudo, deveria transmitir segurança ao jurisdicionado, no caso, acusado em processo criminal.

Um juiz inseguro é sinal de mau agouro para as partes litigantes e para a sociedade.

Quanto à magistratura, não é por acaso que o art. 93, I, CF, exija do bacharel em Direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica.

É um período, a meu ver, razoável de amadurecimento do futuro magistrado.

Independentemente do que venha a ser atividade jurídica, conforme definido pelo Conselho Nacional de Justiça, me ocuparei de tratar da mais comum: a advocacia.

Não raro, após a colação de grau no Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, o bacharel assume, convictamente, a posição de mero candidato de concursos públicos em geral.

Muitas vezes, sequer se interessa pelo cargo público, desde que seja aprovado para algum.

A postura desta gama considerável de estudantes é, sem dúvida, alarmante.

Quando um dos focos é a magistratura, a problemática assusta ainda mais.

O que se espera, realmente, é que não estejamos na era dos concurseiros.

 Este aluno despreparado para o desafio que será a judicatura dedica-se somente ao estudo domiciliar ou passa a frequentar cursinhos jurídicos.

A partir de então, começa a encenação sobre os próximos três anos de exercício da advocacia, avalizado por colegas advogados que mal sabem as consequências daninhas do ato reprovável sob o prisma da deontologia profissional, conforme dispõe o art. 34, V, da Lei nº 8.906/1994, também conhecida como Estatuto da OAB.

Curiosamente, os mesmos advogados, cúmplices do aluno concurseiro, serão aqueles que reclamarão da inexperiência de alguns magistrados.

Advogar também é um sacerdócio.

E, como todo sacerdócio, exige humildade.

É possível detectar, no dia a dia, que bons magistrados foram empenhados militantes da advocacia.

Assinar petições elaboradas por outros advogados longe de caracterizar exercício da advocacia, configura infração ético-profissional.

Nenhum advogado pode condescender com a prática deste ato.

Portanto, nós, advogados, somos parcialmente responsáveis pelo produto humano que compõe a magistratura.

O advogado que consente com tal irregularidade não é digno da beca que veste, qualificando-se, por seu turno, como mais um infrator do Estatuto da OAB, por advogar contra a literal disposição do art. 34, V, do referido diploma, o que caracteriza afronta ao inciso subsequente (VI).

À Ordem dos Advogados do Brasil compete a missão não só de fiscalizar e punir tais infrações, mas, também, de implementar campanhas de conscientização da classe.

Tu que plantas e cultivas meros concurseiros e, portanto, advogados antiéticos, juntos, tristemente, colher-nos-emos juízes incompetentes e tiranos.

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Sobre o autor
José Jorge Tannus Neto

Advogado, professor universitário e autor de artigos e livros jurídicos. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (2008) pela PUC-Campinas. Especialista em Direito Processual Civil (2009) e em Gestão Empresarial (2012) pela mesma universidade, além de especialista em Direito Contratual (2010) pela Faculdade INESP e em Direito Constitucional (2017) pela Damásio Educacional. Mestre em Derecho Empresario pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales de Buenos Aires (2018). Mestre em Direito dos Negócios pela Fundação Getúlio Vargas (2020) com a dissertação Convenções processuais em matéria de ressarcimento ao SUS: propostas de "arquitetura contratual litigiosa" entre a ANS e as operadoras de planos de saúde. Pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado pela UNICAMP (2020-2021). Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares da UniEduk. Parecerista da Intellectus Revista Acadêmica Digital. Doutorando em Educação pelo PPG Educação da PUC-Campinas. Membro do grupo de pesquisa Política e Fundamentos da Educação (CNPq/PUC-Campinas).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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