A Lei nº 8.245, Lei de Locações em seu art. 62, incisos II a V e respectivo parágrafo único, permite a emendatio morae, ou seja, a purga da mora, na ação de despejo por falta de pagamento, possibilitando ao locatário evitar a rescisão do contrato locatício.
Trata-se, pois, de uma medida e eqüidade que enseja beneficiar o locatário, impedindo a retomada do imóvel pelo locador, além de atender o direito deste de receber integralmente a quantia que lhe é devida. A medida facultada pelo art. 62, II é eliditiva da rescisão, e, por conseguinte, obsta o despejo. [7]
Para isso, se o réu-locatário requerer, no prazo da contestação, autorização para pagar o débito atualizado, independente de cálculo e mediante depósito judicial, incluindo não só os aluguéis e acessórios locatícios que se vencerem até a efetivação do pagamento, as multas contratuais, que forem exigíveis, os juros moratórios, fixados em dez por cento sobre o montante devido, se o contrato não contiver disposição em contrário. O locatário assumirá o risco do cálculo que fizer, sendo que poderá vir a completar o depósito do valor locatício atualizado se o senhorio reputar insuficiente. [8]
Entretanto, cabe ao inquilino moroso duas alternativas: a) purgar a mora, depositando o valor reclamado juntamente com encargos; ou b) contestar a ação de despejo. Assim, se o locatário não contestar a ação de despejo, nem requerer a emendatio morae no prazo da contestação, ou a requerendo não purga-la, será decretado o despejo, terminando, consectariamente, com a locação do imóvel.
A purga da mora pode ser requerida tanto em locações residenciais como em locações comerciais, pelo inquilino dentro do prazo para a contestação, visando convalescer o vínculo locatício.
A faculdade do locatário purgar a mora é o cerce das argumentações dos julgados que negam a possibilidade de antecipação de tutela na ação de despejo por falta de pagamento. Evidenciando este entendimento transcrevemos a decisão do TJRS no Agravo de Instrumento nº 70002704229, que: "por unanimidade, negaram provimento ao recurso". Senão vejamos:
"LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUERES. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. Tendo em conta que a Lei de Locações confere ao locatário inadimplente, no ajuizamento da ação de despejo por falta de pagamento, o direito a purga da mora, traduz-se inviável o pedido de antecipação de tutela formulado pelos autores no sentido da desocupação do imóvel, tendo como garantia os locativos em atraso, já que a concessão de tutela antecipada não pode sobrepor-se à lei. Agravo desprovido". (Agravo de Instrumento n° 70002704229, Uruguaiana, rel. Ricardo Raupp Ruschel, 15ª Câmara Cível do TJRS, j. em 08.08.2001).
Em síntese, não prospera o pedido de antecipação de tutela por falta de pagamento porque a Lei de Locações confere ao locatário o direito a purga da mora. Por considerar que a antecipação de tutela inscrita no 273 do CPC não pode se sobrepor à lei, independente se o locatário utilizar ou não, a faculdade que a lei lhe confere. Ademais, vários autores sustentam que não se pode admitir a antecipação da tutela de mérito, nas ações locativas, a não ser nas hipóteses expressamente previstas na Lei n° 8.245, isto porque, trata-se de lei específica com procedimentos próprios a serem adotados nas ações locatícias, só se aplicando o regime do Código de Processo Civil nas hipóteses em que ela for omissa. Todavia, entende-se que a Lei de Locações no que concerne a antecipação de tutela não é omissa, tendo inclusive, admitido várias hipóteses, as quais não se poderia ampliá-las.
8. O PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE
O perigo de irreversibilidade do provimento antecipado consiste num dos obstáculos à antecipação de tutela nas ações de despejo por falta de pagamento alegado pelos defensores da impossibilidade de tal medida. Sob o argumento que em sede locatícia os provimentos antecipatórios quase sempre se revestem de irreversibilidade, somente devem ser admitidos aqueles que o legislador da Lei n° 8.245/91 considerou adequado. Lembra Sylvio Capanema de Souza [9], que os defensores dessa tese afirmam que: "nas ações de despejo, por exemplo, a retirada antecipada do réu é irreversível, já que não se conhece, em nosso sistema, o mandado de recondução, uma vez revogada a medida ou julgada improcedente a pretensão desalijatória". E baseando-se nestes fundamentos, o 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo proclamou, em Enunciado conhecido, que: "é incabível nas ações de despejo, a antecipação da tutela que trata o art. 273 do Código de Processo Civil". No entanto, em certas hipóteses, conforme será demonstrado, mesmo no despejo por falta de pagamento não há perigo de irreversibilidade da tutela antecipada, sendo possível a aplicação do art. 273 do CPC.
O grau de convencimento que autoriza, em termos da prova, a antecipação, é o mesmo que a desautoriza em caso de irreversibilidade. (10 Assim, o legislador admitiu que a tutela quando irreversível se tornará definitiva, não sendo possível antecipá-la, como dispõe o art. 273, §2º do CPC, haja vista que tal decisão tem que ser suscetível de revogação ou modificação a qualquer tempo, pois não é decisão de mérito, mas uma mera decisão intelocutória, duradoura até o julgamento final da demanda.
Nas ações de despejo tem-se alegado que é inviável o pedido de antecipação de tutela, já que a compulsória desocupação do imóvel causaria conseqüências imutáveis, inobstante as indenizações pelos danos que o locatário vier a sofrer, caso o locador resulte vencido na demanda. E acrescenta-se que a possibilidade de reparação pecuniária não se apresenta suficiente à tutela, porque a lei não cogitou de indenização, mas de reversão. [11]
Contudo, a irreversibilidade pode ter apenas uma dimensão pecuniária, econômica, suscetível de estimação em termos de valor. [12] Desta forma, a prestação de caução idônea autorizará a antecipação. Pois, a lei de locações autoriza a execução provisória da sentença que julga procedente ação de despejo por falta de pagamento, nos casos do art. 9, III, 63, §4º e 64, desde que, oferecida caução pelo locador, obrigando-se a reparar os danos que, porventura, advierem ao locatário, obedecendo as exigências dos arts. 63 e 64 desta lei.
Com efeito, o locador que vier a vencer a demanda, notificado o locatário, vencido na ação de despejo, sem que desocupe o prédio alugado, estando pendente o recurso interposto, isto é, a apelação, pode obter a execução provisória do despejo, desde que tenha prestado caução nos termos da lei. A execução provisória do despejo será feita conforme o disposto no art. 588, II e III, do CPC, vale dizer, far-se-á do mesmo modo que a definitiva: não abrange os atos que importem alienação do domínio, nem permite sem caução idônea, o levantamento do depósito em dinheiro; e fica sem efeito, sobrevindo sentença que modifique ou anule a que foi objeto da execução, restituindo-se as coisas no estado anterior, e se a sentença provisoriamente executada for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução.
A caução é imprescindível, salvo nos casos do art. 9, I, II e IV, da Lei n º 8.245/91, para a execução provisória da sentença prolatada em ação de despejo. O que se garante com a caução, é a responsabilidade do exeqüente pela indenização dos danos que causar ao locatário, se sobrevier decisão que modifique ou anule a que foi objeto de ação provisória. Se a modificação for apenas parcial somente na parte modificada ficará sem efeito. [13]
Havendo reforma na decisão que concedeu liminarmente o despejo, o valor da caução reverterá em favor do réu, segundo o art. 64, §2º, da Lei de Locações. Quanto a isso, sustenta Sylvio Capanema de Souza [14], que: "o retorno ao imóvel não nos parece possível, ainda que esteja ele desocupado, já que a redação dos dispositivos relativos à caução...deixa claro que o legislador optou pela vala comum da reparação pecuniária do dano".
Por tais razões, entendemos que a regra geral é que a antecipação de tutela de mérito nas ações locativas somente é possível nas hipóteses da Lei nº 8.245/91, todavia, se presentes os requisitos do art. 273, ela poderá ser deferida dependendo da situação, desde que seja dada caução pelo locador, como se faz nas liminares previstas na Lei de Locações, em seu art. 59, § único, ou na execução provisória das sentenças de despejo. Portanto, na antecipação de tutela a caução poderá ser revertida em favor do locatário, estando isso em consonância com o que dispõe o §2º do art. 273 do CPC, vencendo o óbice da irreversibilidade.
9. CONCLUSÃO
A Lei n° 8.952/94, que reformou o Código de Processo Civil, trazendo em seu âmago idéias de uma justiça mais rápida e eficaz, culminando na criação da tutela antecipada, disposta no art. 273 do CPC. A partir disso, surgiu o conflito entre o direito à afetividade do processo e o direito a segurança jurídica, contraditório e ampla defesa. Sendo que o legislador manifestamente privilegiou a efetividade do processo, considerando desnecessário, e por vezes injusto, para o autor da ação o protraimento da decisão de mérito nos casos em que a prova documental sustente a pretensão.
Prevista a antecipação de tutela maneira genérica no CPC, discute-se sua aplicação aos casos já tratados em lei especial. Uma situação que merece destaque é a possibilidade de aplicar-se a antecipação de tutela em ação de despejo por falta de pagamento. Embora a Lei nº 8.245/91, traga as hipóteses de antecipação de tutela, há outras situações fáticas que podem dar ensejo às ameaças e riscos da tardia prestação jurisdicional aos quais se expõe o direito locador. Tal medida vem assegurar a efetividade do processo e impedir mudanças no plano da realidade fática que causem lesões de difícil reparação ao direito do requerente ação de despejo, não previstas das em caráter liminar nessa lei. De outro lado, opõem-se diversos argumentos a esta possibilidade, haja vista que a antecipação de tutela é admissível somente quando presentes os pressupostos indicados no art. 273.
Sob este prisma, analisa-se o momento do autor pedir a antecipação de tutela, os argumentos que possibilitam a antecipação de tutela na ação de despejo por falta de pagamento, como também sua revogabilidade. Dentre os argumentos que se contrapõe a antecipação de tutela, é analisada a purga da mora como fator impeditivo à antecipação de tutela e o perigo de irreversibilidade.
Diante das duas correntes doutrinárias, uma que prega inviável a antecipação e outra que enxerga com bom olhos esta a antecipação de tutela as ações locatícias, entendemos possível antecipar a tutela na ação de despejo por falta de pagamento, mas com alguns cuidados. Logo, será deferida a tutela antecipada, quando o locatário devidamente citado, não utilizar a faculdade de purgar a mora (art.62, II a V e § único, da Lei 8.245/91), no prazo de 15 dias a contar da citação. Frisamos que a tutela antecipada se não sobrepõe à Lei de Locações, no que diz respeito ao direito a purga da mora. Além disso, se o locatário apresentar contestação com propósito meramente protelatório, abusando do direito de defesa, permanecendo o réu no imóvel até o julgamento final da demanda sem efetivar o pagamento dos alugueis e despejas avançadas no contrato de locação, evidenciando os pressupostos do art. 273 do Código de Processo Civil. Neste contexto, a tutela deve ser antecipada, mas em caráter subsidiário, quando não se tratar das hipóteses previstas na Lei 8.245/91, desde que seja dada caução pelo locador, como se faz nas liminares previstas na Lei de Locações, em seu art. 59, § único, ou na execução provisória das sentenças de despejo, com fulcro no art. 9, III, 63, §4º e 64, oferecida caução pelo locador, obrigando-se a reparar possíveis danos ao locatário, permitindo que a caução seja revertida em favor do locatário, em consonância com o §2º do art. 273 do CPC.
NOTAS
01. José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 09.
02. José da Silva Pacheco, Tratado das Locações, ações de despejo e outras, p.91.
03. Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, p.124.
04. Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, p. 371.
05. José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 28.
06. Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, p.294.
07. José da Silva Pacheco, Tratado das Locações, ações de despejo e outras, p.488.
08. Maria Helena Diniz, Lei de locações de imóveis urbanos comentada, p.250.
09. Sylvio Capanema de Souza, Da Locação do Imóvel Urbano, p. 417.
10. José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 44.
11. Alex Sandro Ribeiro, Tutela antecipada no despejo por falta de pagamento, Jus Navigandi. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3096/tutela-antecipada-no-despejo-por-falta-de-pagamento. Acesso em: 02 dez. 2002.
12. José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 44.
13. José da Silva Pacheco, Tratado das Locações, ações de despejo e outras, p.535.
14. Sylvio Capanema de Souza, A nova Lei do Inquilinato Comentada, p. 225.
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