Competência do Tribunal Penal Internacional no crime de tráfico de pessoas

16/10/2015 às 00:26
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Este artigo aborda o Crime de Tráfico Internacional de Pessoas, mostrando a necessidade de uma colaboração dos Estados para o seu efetivo combate. Além disso, debate a competência do Tribunal Penal Internacional com relação ao referido crime.

                  

RESUMO: Este artigo aborda o Crime de Tráfico Internacional de Pessoas, mostrando a necessidade de uma colaboração dos Estados para o seu efetivo combate. Além disso, debate a competência do Tribunal Penal Internacional com relação ao referido crime. Por se tratar de um crime silencioso e atentatório a dignidade da Pessoa Humana, se faz necessária a edição de Tratados Internacionais proporcionando com isso, uma “força-tarefa” das Nações em face desta prática desumana. 

PALAVRAS-CHAVE: Direito Internacional. Direitos Humanos. Tráfico Internacional de Pessoas. Tribunal Penal Internacional. Convenção de Parlermo.

1. Introdução

        O Tráfico de Pessoas é definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), no Protocolo de Palermo, firmado em 2003, como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”. 

    Ainda de acordo com a ONU, o tráfico de pessoas figura entre os crimes mais rentáveis do mundo, proporcionando a circulação monetária de cerca de 32 bilhões de dólares em todo o mundo, só perdendo em questões de renda para o tráfico de drogas e armas. É importante frisar que desse montante, 85% são oriundos da exploração sexual. 

2. Definição de Organização Internacional

    Conforme dito acima, a ONU é uma Organização Internacional que combate o Tráfico de Pessoas. Assim, importante entender o que seria uma Organização Internacional, evitando-se assim conflitos hermenêuticos. Assim, bela é a definição apresentada por Ângelo Piero Serene para quem:

"organização internacional é uma associação voluntária de sujeitos de direito internacional, constituída por ato internacional disciplinada nas relações entre as partes por normas de direito internacional,que se realiza em um ente de aspecto estável, que possui um ordenamento jurídico interno próprio e é dotado de órgãos e institutos próprios, por meio dos quais realiza as finalidades comuns de seus membros mediante funções particulares e o exercício de poderes que lhe foram conferidos" (apud MELLO, 2002, p. 583)

    Merece destaque também a definição de Rudolf Bindschedler, a qual preceitua:

"organização internacional é uma associação de Estados instituída por um tratado, que persegue objetivo comuns aos Estados membros e que possui órgãos próprios para a satisfação das funções específicas da Organização”.

3. Tráfico de Pessoas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos

    Adotada pelas Organizações das Nações Unidas (ONU), em dezembro de 1948, a Declaração Universal de Direitos Humanos positivou internacionalmente os direitos considerados como mínimos dos seres humanos. Tal declaração tem como corolário a dignidade da pessoa humana e funciona como um verdadeiro “código” de conduta mundial, afirmando que os direitos humanos tem aplicabilidade mundial e portanto, acessível a todos, independentemente do lugar ou situação. 

    Em relação ao Tráfico de Pessoas, a Declaração faz menção em seu artigo 4º, preceituando que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”. Importante destacar que a Declaração Universal de Direitos Humanos não pode ser considerada como um tratado, já que, não foi submetida aos requisitos previstos aos tratados, nem no âmbito internacional, tampouco no interno. Trata-se apenas de uma “recomendação” da ONU para que os Estados busquem com isso proteger internacionalmente os direitos humanos.     

    A Declaração Universal de Direitos Humanos é sem sombra de dúvida, um dos principais mecanismos normativos de combate ao Tráfico de Pessoas, assim como, tratados, convenções e pactos.

4. Definição de Estado

    É mister apresentar a definição jurídica adotada para o Estado, evitando assim, confusões terminológicas. No contexto debatido neste artigo, o Estado trata-se de uma personalidade originária de Direito Internacional Pública, formada por três elementos: território, povo e soberania.

    De acordo com Doutrinador Marcelo D. Varela, o território é o “espaço onde se exerce a soberania estatal. Ele determina os limites do exercício do poder do Estado. Trata-se de um verdadeiro título jurídico essencial para o exercício das competências estatais.” Já a população é o “elemento humano do Estado. Compreende o conjunto de indivíduos que têm uma relação jurídica determinada com o Estado, abrangendo mesmo aqueles que estão fora de seu território. Trata-se de um conceito criado para atender não apenas ao âmbito interno do Estado, mas também às relações entre os Estados e demais membros da comunidade internacional”. Ao tratar sobre a soberania, o Professor Miguel Reale, pontua que “soberania é tanto a força ou o sistema de forças que dá nascimento ao Estado Moderno e preside o seu desenvolvimento, quanto à expressão jurídica dessa força no Estado constituído segundo os imperativos éticos, econômicos, religiosos etc., da comunidade nacional, mas não é nenhum desses elementos separadamente: a soberania é sempre sócio – político – jurídica, ou não é soberania. É esta necessidade que nos permite considerar concomitantemente os elementos da soberania que nos permite distingui-la como uma forma de poder peculiar ao estado Moderno”.

5. Definição de Convenções e Tratados.

    Com o progressivo status de globalização no mundo, surge a necessidade contínua de uniformização das leis. É neste contexto que surgem os tratados, também conhecidos como Convenções Internacionais, os quais são acordos concluídos entre Estados de forma escrita e regulada pelo Direito Internacional. Em face do avanço das relações internacionais e a dependência entre os Estados, seja de cunho econômico ou geopolítico, propicia o crescimento progressivo dos Tratados Internacionais. 

    A Convenção de Viena de 1969 conceitua o tratado preceituando que é "um acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua designação especifica”. Apesar de ser, a forma escrita mais comum, os Tratados Internacionais firmados verbalmente possuem condão de gerar a obrigatoriedade.

    No entanto, para que os tratados tenham força legal é indispensável a presença dos seguintes elementos: a) Capacidades partes contratantes; b) Habilitação dos Agentes signatários; c) Objeto lícito e possível; e d) Consentimento mútuo.

6. Convenção de Palermo

    A Convenção de Palermo e seus adicionais são vários tratados firmados no intuito de combater o Crime Organização Transacional. Sua origem decorreu da resolução nº 53/11 da Assembleia Geral das Nações Unidas que determinou a criação de um Comitê Intragovernamental com o objetivo de elaborar uma Convenção contra o Crime Organizado Internacional. 

    Em seu artigo 3º, o Protocolo de Palermo define o tráfico de pessoas como: 

“[...] o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamento ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração.8

    A Convenção de Palermo representa um avanço significativo na luta contra o Tráfico de Pessoas, pois expandiu a visão das modalidades de tráfico, até então restritas às práticas de trabalhos forçados, escravidão ou análogas à escravidão. 

7. Jurisdição Penal Internacional 

    Após definir o tráfico de pessoas e apresentar os tratados que visam combater este crime silencioso, é fundamental debater a competência no âmbito internacional para apreciar e julgar a referida conduta delituosa. É um aspecto interessante pois envolve a junção de vários jurisdições, pois há vítimas em todo o mundo, razão pela qual, o Tribunal Penal Internacional é designado. 

    O Tribunal Penal Internacional é o primeiro tribunal eminentemente internacional, surgido após a Guerra Fria, representando um grande marco na evolução do Direito Processual Internacional.  Sua jurisdição não está limitada a aspectos materiais, temporais ou territoriais, sendo portanto não retroativo, permanente e complementar. Firmado por um tratado especial, possuí natureza supraconstitucional e busca apreciar os crimes internacionais cometidos após o início da sua efetiva vigência. Primando pelo princípio da soberania, só é aplicado nos Estados que por mera voluntariedade o aderem, não interferindo nas competências das jurisdições nacionais. A Jurisdição do Tribunal não superpõe a dos Estados, mas sim, complementa. Apenas na hipótese de inércia intencional da Jurisdição nacional ou em falta de estrutura destes Estados na persecução dos crimes internacionais, é que o Tribunal entra em atuação. 

    Importante destacar o objetivo do Tribunal que é apresentado no preâmbulo do Estatuto de Roma que preceitua: 

[...] Conscientes de que todos os povos estão unidos por laços comuns e de que suas culturas foram construídas sobre uma herança que partilham, e preocupados com o fato deste delicado mosaico poder vir a quebrar-se a qualquer instante, Tendo presente que, no decurso deste século, milhões de crianças, homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade, Reconhecendo que crimes de uma tal gravidade constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade, Afirmando que os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto, não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional, Decididos a por fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a prevenção de tais crimes, Relembrando que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais, Reafirmando os Objetivos e Princípios consignados na Carta das Nações Unidas e, em particular, que todos os Estados se devem abster de recorrer à ameaça ou ao uso da força, contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou de atuar por qualquer outra forma incompatível com os Objetivos das Nações Unidas, Salientando, a este propósito, que nada no presente Estatuto deverá ser entendido como autorizando qualquer Estado-Parte a intervir em um conflito armado ou nos assuntos internos de qualquer Estado, Determinados em perseguir este objetivo e no interesse das gerações presentes e vindouras, a criar um Tribunal Penal Internacional com caráter permanente e independente, no âmbito do sistema das Nações Unidas, e com jurisdição sobre os crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional no seu conjunto, Sublinhando que o Tribunal Penal Internacional, criado pelo presente Estatuto, será complementar às jurisdições penais nacionais, Decididos a garantir o respeito duradouro pela efetivação da justiça internacional […].

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    Assim, entende o Professor Luigi Condorelli, que em face do princípio da complementaridade, o Tribunal funciona como um verdadeiro “tapa-buracos”, já que,  “será chamado a funcionar somente se e quando a justiça repressiva interna não funcione”.

8. Competência do Tribunal Penal Internacional

    O Tribunal Penal Internacional tem a sua competência materialmente limitada e delimitada no artigo 25º do Estatuto de Roma, o qual determina: 

“1. De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal será competente para julgar as pessoas físicas.

2. Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto.

3. Nos termos do presente Estatuto, será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem: a) Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável; b) Ordenar, solicitar ou instigar à prática desse crime, sob forma consumada ou sob a forma de tentativa; c) Com o propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou na tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua prática; d) Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum. Esta contribuição deverá ser intencional e ocorrer, conforme o caso: i) Com o propósito de levar a cabo a atividade ou o objetivo criminal do grupo, quando um ou outro impliquem a prática de um crime da competência do Tribunal; ou, ii) Com o conhecimento da intenção do grupo de cometer o crime; e) No caso de crime de genocídio, incitar, direta e publicamente, à sua prática; iii) Tentar cometer o crime mediante atos que contribuam substancialmente para a sua execução, ainda que não se venha a consumar devido a circunstâncias alheias à sua vontade. Porém, quem desistir da prática do crime, ou impedir de outra forma que este se consuma, não poderá ser punido em conformidade com o presente Estatuto pela tentativa, se renunciar total e voluntariamente ao propósito delituoso.

4. O disposto no presente Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas físicas em nada afetará a responsabilidade do Estado, de acordo com o direito internacional”.

    Assim, por ter competência material limitada, o Tribunal Penal Internacional só pode atuar apenas nos crimes internacionais de maior gravidade: crimes contra a humanidade, de guerra e de agressão e genocídio.

    Os Crimes Contra a Humanidade são condutas criminosas exercidas com a intenção de disseminar o terror e o medo em qualquer população civil, exercidas a qualquer instante cronológico. A escravidão foi sem dúvida um crime contra a humanidade, razão pela qual, entendemos que tal aspecto também se estende ao crime de tráfico de pessoas. É com esse entendimento que o Professor Valério de Oliveira Mazzuoli pontua: 

“Por ‘escravidão’ entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças.26

9. Conclusão 

    O Crime de Tráfico de Pessoas assusta pela sua presença em todo o mundo, movimentando valores astronômicos de dinheiro. Trata-se de um crime silencioso e que atravessa as fronteiras territoriais dos Países, motivo pelo qual é fundamental que os Estados promovam por meio de Tratados Internacionais, mecanismos de combate e vigilância. Em face do conflito de competência territorial para julgamento dos envolvimentos, entendemos que o Tribunal Penal Internacional detém a competência para tal ato, afinal, promovendo uma interpretação extensiva da palavra “escravidão” percebe-se que não se restringe a apenas ao ato de aplicar trabalhos forçados, mas sim a qualquer tipo de privação da liberdade. Assim, há a competência material que permite ao Tribunal promover a devida apuração e punição dos criminosos. 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Justiça. Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília: Ministério da Justiça, 2007.

Campanha Coração Azul contra o tráfico de pessoas. Acesso em: 16 out. 2015.

JESUS, Damásio de. Tráfico internacional de mulheres e crianças. São Paulo: Saraiva, 2003.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Premier, 2011.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Acesso em: 16 out. 2015.

REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2014.

SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2014. v. 1.

ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. Direito Processual Penal Internacional. São Paulo: Atlas, 2013.

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Sobre o autor
Afonso Mendes Santos

Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Consultor Legislativo com extensão em Processo Legislativo Municipal, Lei Orgânica Municipal e Orçamento Público Avançado pelo Instituto Brasileiro Legislativo (ILB).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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