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Educação: o desastre de SP

04/05/2016 às 16:02
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Analisam-se os números da educação de São Paulo, comparando-os no contexto nacional e no mundo, aplicando esses dados no projeto de reorganização da rede proposto pela Secretaria Estadual de Educação na realidade da divisão de verbas impostas pela Constituição Federal.

O governo tucano do Estado de São Paulo anunciou em 2015 o programa denominado de “reorganização escolar”. Até então estaria tudo bem, pois é público e notório que as escolas do Estado necessitam ser reorganizadas mesmo, principalmente com a melhoria do ensino oferecido aos alunos e às condições salariais dos profissionais que lá atuam.

Para ilustrar essa análise, vamos a alguns dados interessantes sobre a educação no Estado de São Paulo, frisando, desde já, que estamos tratando do maior Estado do país, o mais rico, que concentra um PIB de R$ 1,349 trilhões, enquanto o segundo colocado, o Estado do Rio de Janeiro, tem apenas R$ 462 bilhões. Observem a distância nos números da economia.

Na educação, nem de longe os números refletem a diferença do PIB, nem em qualidade, nem em salários pagos aos profissionais. Segundo pesquisa na internet, o Estado de São Paulo tem um piso salarial para os seus professores de R$ 1.894,12, e, comparando com o Distrito Federal, o maior Estado perde feio, pois o Distrito Federal, um pequeno Estado (tem o 7º lugar no PIB), paga aos seus profissionais R$ 2.260,08.

A qualidade da educação também deixa muito a desejar, merecendo ser reorganizada mesmo, com seriedade e força, mas sem desorganizar, sem causar pânico, de forma transparente e lúcida. O PISA, que é um dos mais importantes testes internacionais da educação, dá ao Estado de São Paulo, 404 pontos em matemática. Comparando com o Estado de Shangai, na China, o número chega a ser vergonhoso. O Estado chinês, muito mais populoso, com certeza, faz 613 pontos em matemática. No Brasil, no ranking do PISA, o maior Estado brasileiro fica em 7º lugar, atrás de Estados pobres, como é o caso do Espírito Santo, que ficou em primeiro, Rio Grande do Norte e Mato Grosso. Note-se que o Estado de Alagoas, último no PISA do Brasil, fez 342 pontos, ou seja, não muito longe dos 404 dos paulistas.

O IDEB de São Paulo é bom, se analisado perante os demais Estados brasileiros, porém, os números divulgados em 2014, referentes a 2013, marcam para São Paulo 4,1 pontos, que são idênticos aos números do ano de 2011. Significando dizer que, ao contrário do previsto e imaginário, de 2011 a 2013 a educação de São Paulo não evoluiu.

Postas as questões iniciais, vamos ao que o governo chama de reorganização. Pasmem os senhores mais desavisados. Para o governo de São Paulo, o Estado que tem o maior PIB, aquele de R$ 1,349 trilhões, reorganizar é fechar escolas. Isso mesmo. Vão fechar inúmeras escolas, tirar alunos de seus bairros e deslocar para outros, causar transtornos de todos os gostos para pais, alunos, professores, outros profissionais e para as comunidades.

O governo do Rio de Janeiro, nos últimos mandatos, visando combater o tráfico de drogas, ocupou comunidades com serviços públicos, trouxe o Estado para comunidades onde antes ele não existia, não era visto. O Estado de São Paulo está deixando inúmeras comunidades, onde a presença do Poder Público não será mais notada. E chama isso de reorganização.

O Estado quer obrigar alunos de uma comunidade, alunos pequenos, de 6 a 10 anos, a deslocarem-se para outros bairros, criando hiatos onde antes havia escolas públicas, onde havia a presença da educação. Vai distanciar o aluno da escola.

Isso porque os gestores da educação de São Paulo sabem que um em cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil abandona a escola antes de completar a última série. É o que indica o Relatório de Desenvolvimento 2012, divulgado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

O Brasil tem a terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), só atrás da Bósnia Herzegovina (26,8%) e das ilhas de São Cristovam e Névis, no Caribe (26,5%). Os números brasileiros chegam a ser impressionantes, 24,3%. E o secretário de Educação chama de reorganização do ensino o fechamento de escolas.

Pior é a justificativa que os gestores estaduais usam para o tal projeto de reorganização: a “tendência” de queda de 1,3%/ano da população escolar. E afirma mais que entre 1998 e 2015 as escolas públicas de São Paulo teriam perdido 2 milhões de alunos. Aí ficam algumas questões: o Estado ao divulgar esses números, para um público que não pode questionar, esconde que parte desses alunos foram para a rede pública municipal, no processo chamado de municipalização do ensino, outro desastre. Esconde que ocorreu a evasão escolar, por falta de qualidade no ensino e esconde que um projeto muito semelhante foi implantado na década de 1990, sob as mesmas e exatas justificativas.

Segundo a professora Sônia Kruppa, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo do último dia 17, o projeto de 1995 “gerou uma maior responsabilização dos municípios por esse atendimento, uma progressiva privatização dos níveis posteriores (ensino médio e superior) e um caráter comunitário e assistencialista para a educação infantil – contrariando a ampliação da cidadania e do dever do Estado, determinados pela Constituição, então submetida à modificação pela Proposta de Emenda Constitucional nº 233/1995, apresentado ao Congresso Nacional”.

Acrescenta ainda que “as medidas de 1995 não melhoraram a qualidade da escola paulista. Pelo contrário, destruíram a única rede pública brasileira que tinha alcançado a condição de universalizar o ensino fundamental num único prédio, ampliando o diálogo entre os professores na passagem dos anos iniciais para os anos finais do ensino fundamental e médio”.

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Duro é ouvir a presidente do sindicato dos professores afirmar que não existe transparência no projeto de reorganização, que a classe não participou das discussões que levaram a esse modelo e que a qualidade do ensino tende apenas a piorar.

É importante lembrar que medidas como essas devem ser fruto de longo planejamento, de preparação dos profissionais que estarão envolvidos, de publicidade dos atos e do projeto e, principalmente, de bases científicas sólidas para justificar o fechamento de escolas. O Brasil ainda é um país jovem, o interior de São Paulo está em franco crescimento e a única certeza de tudo isso é que um dia, as futuras gerações de gestores, chegarão à conclusão de que o fechamento de escolas não gerou resultados positivos e que as populações perderam em qualidade de atendimento no serviço público educacional.

E, quando chegarem a esta conclusão, infelizmente, será tarde demais, a evasão terá aumentado e muitas crianças terão perdido a oportunidade de ter estudado na época própria.

Minha saudosa tia Leda lecionou em escola multisseriada por mais de 40 anos. Com o fim das séries diferentes na mesma sala de aula, a escola que tinha 80 alunos e uma única professora, deveria ter recebido outras 6 educadoras. A distância de 35 quilômetros até a cidade mais próxima desanimou as concursadas e nenhuma delas topou a parada de percorrer estradas esburacadas, na época seca, e enlameadas, no verão (naquela época chovia no verão!); a unidade escolar foi fechada. Desses 80 alunos, pasmem os senhores, só 3 toparam estudar no distrito, que ficava fora da velha Fazenda Santa Margarida, no interior do Rio de Janeiro.

O Brasil, em 2013, ainda tinha 45 mil escolas multisseriadas, no interior e em áreas urbanas. E até hoje há quem defenda o modelo educacional que foi abolido e, na década de 80, tirou de 77 alunos da Escola Estadual João Gouveia Souto a oportunidade de se tornarem seres melhores, educados.

E assim vai a educação brasileira, de mal a pior, enquanto as potências mundiais investem em abrir frentes de educação, mesmo que para atender poucos, nós vivemos a realidade inversa, fechando unidades por todos os recantos, sob a justificativa de que a economia de recursos é necessária.

Quero ver economizarem em publicidade dos governos, em mordomias nas viagens e deslocamentos das autoridades e em outras atividades, em que realmente é necessário apertar o cinto. A economia, governador Alckmin, deve começar no próprio palácio, cortando servidores nomeados em cargos em comissão, ganhando, muitas vezes, sem receber, prestando serviços de baixa qualidade para a população.

Mas o blefe final não é esse. Os valores calculados do FUNDEB per capita considera as salas pequenas que o governo paulista justifica para fechar unidades de sua rede, o grande número de professores e até a localização das escolas, tudo na forma do artigo 211 da Constituição Federal. Isso significa dizer que o Estado de São Paulo, esse que quer economizar, recebe repasses do FUNDEB que consideram os problemas que eles alegam para economizar e fechar escolar. Uma leitura atenta dos manuais do FUNDEB impediria que alegações lançadas ao vento, sem nenhuma responsabilidade, fossem capazes de justificar as mazelas pretendidas.

Com a palavra, o Ministério Público do Estado de São Paulo e as autoridades federais. E lancemos mão dos ensinamentos e das palavras do saudoso professor Darcy Ribeiro, que disse que “só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.”.

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Sobre o autor
José Souto Tostes

Advogado especializado em licitações, palestrante na área de direito público e eleitoral. Responsável por treinamentos de empresários e equipes que trabalham com licitações públicas em diversas empresas. Procurador Municipal por 11 anos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOSTES, José Souto. Educação: o desastre de SP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4690, 4 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43769. Acesso em: 22 dez. 2024.

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