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Direito ambiental: espaço de construção da cidadania

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17/10/2003 às 00:00
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Espaços de Atuação no Direito Ambiental

O Direito tem como uma de suas finalidades a tutela de bens. No caso do ambiente, um bem de interesse difuso: não pertence a um particular, nem ao menos ao Estado. Pertence a todos, e à coletividade cabe sua defesa, quer diretamente, quer indiretamente.

Da forma indireta, sua defesa é feita mediante ação estatal, através dos órgãos que as esferas de governo criam para este fim. Nos Estados de democracia representativa, os governantes agem segundo a representação que lhes é outorgada pelos cidadãos, pelo menos em tese. Assim, teoricamente falando, o poder público, ao agir, estará fazendo-o em nome do povo, tornando legítima a atuação dos diversos órgãos encarregados da normatização, da fiscalização e da sanção por atos lesivos.

No Brasil, a esfera governamental instituiu um Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, criado pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, o qual é composto de uma estrutura articulada em diversas instâncias e organismos de natureza técnica e política, cuja atividade é coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente. Seus órgãos de maior destaque são: o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, de assessoramento e proposição de políticas governamentais, além de responsável pela expedição de normas e padrões para compatibilização das atividades econômicas com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida; e o IBAMA, de execução das políticas nacionais e diretrizes governamentais. O SISNAMA é composto ainda de órgãos representativos das demais esferas governamentais (Estados e Municípios).

Ao Ministério Público, através de seus órgãos próprios, cabe a propositura de diversas ações para a tutela do meio ambiente, além de, por força de lei, ser o fiscal do cumprimento da legislação pátria. A extensão de sua atividade ganhou corpo após a Constituição de 1988, a qual lhe conferiu autonomia administrativa, com maior liberdade de agir, o que lhe trouxe uma série de atribuições benéficas para o exercício da democracia.

O Ministério Público, na defesa do meio ambiente como um bem juridicamente tutelado, atua processualmente através da propositura da Ação Civil Pública, de responsabilização por atos lesivos ao meio ambiente, bem como da Ação Penal contra os autores dos tipos penais previstos na Lei de Crimes Ambientais. Mas existem diversas outras ações que podem ser impetradas pelo Ministério Público, sempre na defesa do insteresse público, a exemplo de:

a)defesa dos interesses das populações indígenas (C.F./88);

b)responsabilidade civil por danos decorrentes da poluição por óleo (Dec. 83.540/79);

c)reparatória de danos ao meio ambiente (Lei 6.938/81);

d)notificações (C.F./88, C.P.C.).

Na forma direta, o cidadão dispõe de um sem-número de espaços para agir em defesa do meio ambiente, de forma individual ou coletiva. Assim, pode atuar em diversos espaços institucionais como os Conselhos voltados para a defesa do meio ambiente, ou no acionamento do aparelho judiciário, como não institucionais, através de Organizações Não Governamentais (ONG''s), ou iniciativas de treinamento ou conscientização nas diversas formas de movimentos sociais.

A Educação Ambiental também é um importante espaço de defesa do ambiente, de maneira formal ou não-formal.

A participação direta da sociedade talvez seja a arena mais importante da proteção ambiental. Ela age de forma organizada, rápida e política, através de mecanismos de pressão social, sem contudo abrir mão da tutela estatal, por meio das ações competentes.

A partir do artigo 225 da Constituição Federal, inaugurou-se um novo modelo de cooperação Estado-Coletividade na abertura de espaços de consolidação da participação popular na defesa do meio ambiente, como é destacado por FERREIRA & FERREIRA (2000):

"No novo modelo, ainda não plenamente consolidado, a coletividade, por meio de suas instituições representativas, participa da formulação, implementação e gestão da totalidade de ações desenvolvidas pelo ente público. Neste cenário, desde que se efetive o modelo cooperativo, é possível consolidar o Estado Democrático, por co-responsabilizar a Coletividade e por estimular a edificação da cidadania. Aqui, fica implícito que o cidadão atua e constrói direitos/deveres sócio-ambientais a partir do exercício da cidadania, seja em movimentos sociais, seja em Conselhos de Meio Ambiente, figurando como sujeitos ativos".

Na esfera judicial, a sociedade tem à sua disposição diversas ações, das quais se destacam a Ação Popular, a ser impetrada pelo cidadão em pleno gozo de seus direitos políticos, para anular ato lesivo ao meio ambiente, a Ação Civil Pública, da qual é legítima para propô-la qualquer associação constituída há mais de um ano e que tenha a defesa do meio ambiente como uma de suas finalidades institucionais.

Importante frisar que, nesta nova categoria de direitos, onde se insere o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a participação da coletividade é essencial para a consolidação dos mesmos, o que implica numa reformulação do Estado contemporâneo, e por conseguinte da própria ordem jurídica, como um dos arcabouços de sustentação do aparelho estatal.

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Conclusão

Pelas circunstâncias levantadas, não se pode ter o direito e sua evolução como apenas uma maneira a mais de se obter resposta e solução para a problemática sócio-ambiental desta transição de século.

As transformações ocorridas nas ciências, que se refletem no saber/fazer dos juristas, de uma forma ou de outra acabam expressando a própria evolução social, traduzida na busca da dignidade humana, e uma tentativa de reconhecimento do valor intrínseco da natureza como um bem a ser protegido, independente da utilização a ser dada pelo homem.

Trata-se de dar guarida à necessidade de formação da cidadania ecológica, como mais um patamar de desenvolvimento dos direitos do homem, abrangendo signos das cidadanias civil, política e social, integrando novos direitos e novas condições de vida desejadas pelo cidadão do final do nosso século, na garantia de vida da atual e das futuras gerações.

A construção de uma cidadania ambiental plena passa pela transformação das condutas científicas e sociais, para a mudança do caráter da ciência jurídica como justificador do status quo, para uma natureza de construção da autonomia dos atores e de um Estado de felicidade social.


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Sobre o autor
Guilhardes de Jesus Júnior

advogado em Vitória da Conquista (BA), professor de Direito da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR), professor de Administração de Empresas e Turismo da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela UESC/PRODEMA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS JÚNIOR, Guilhardes. Direito ambiental: espaço de construção da cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 106, 17 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4378. Acesso em: 10 mai. 2024.

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