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Quando o preço à vista é igual ao preço a prazo há configuração de uma venda casada?

10/10/2003 às 00:00

Resumo:


  • Comprar um produto com preço igual à vista ou a prazo pode significar aquisição forçada de dois produtos: o bem desejado e o crédito não solicitado.

  • Essa prática pode ser considerada venda casada e abusiva conforme o art. 39, I do Código de Defesa do Consumidor, pois condiciona a venda de um produto à aquisição de outro serviço (o crédito).

  • O consumidor tem o direito de liquidar o débito antecipadamente com redução proporcional dos juros, conforme art. 52 do CDC, para contornar a imposição de crédito embutido no preço do produto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Realizar uma compra sob a proposta de que o preço a ser pago à vista é o mesmo do preço a prazo significa comprar duas coisas ao mesmo tempo: o bem de consumo que se pretende obter e o crédito que o fornecedor está embutindo de forma sub-reptícia na venda.

Nos termos do art. 39, I do Código de Defesa do Consumidor, a venda casada é uma prática abusiva pela qual um fornecedor condiciona a venda de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço. Dessa forma, o consumidor só poderá adquirir aquilo que escolheu se aceitar comprar também outra coisa.

Quando o consumidor pretende obter uma mercadoria ou serviço, pagando à vista por ele e é informado de que o preço é o mesmo, à vista ou a prazo, está sendo forçado a comprar dois produtos ao mesmo tempo - o bem de consumo e o valor do crédito embutido no preço.

Explica-se: o crédito concedido nas compras a prazo pressupõe a respectiva remuneração para o empresário que o está concedendo. Assim, o consumidor pode levar para casa seu produto, utilizando para tanto, o dinheiro do próprio vendedor, que financia a compra do consumidor mediante remuneração. Essa remuneração se dá através dos juros. É como se o comerciante dissesse: "eu te empresto dinheiro para comprar hoje e você me paga depois, porém, vai pagar mais caro, porque eu quero uma remuneração pelo empréstimo".

Essa prática é tão antiga quanto o comércio. Vide as figuras dos títulos de crédito que surgiram na baixa idade média para documentar créditos entre comerciantes. Como se vê, não há nada de errado na cobrança de juros para a realização do empréstimo quando o consumidor precisa e quer o crédito para realizar sua compra. Para tanto o CDC municiou o consumidor do direito de verificar quanto está sendo cobrado de juros (art. 52, I) para que ele possa avaliar se vale a pena comprar a prazo ou não, cotejando o rendimento de suas aplicações com o montante de juros que pagará se utilizar o crédito do comerciante, ou se optar por outra fonte de financiamento.

No entanto, verificando a vantagem em vender a mercadoria e o crédito ao consumidor desavisado, muitas empresas convencionam que o preço é igual para ser pago à vista ou em parcelas mensais. A vantagem dessa prática para o fornecedor reside no fato de que ele está vendendo o bem de consumo e o crédito.

Apesar das reiteradas reclamações sobre inadimplência no comércio, os mecanismos de prevenção têm se tornado cada vez mais eficientes. As consultas rápidas e fáceis, principalmente para os grandes magazines e lojas de departamento, as quais contam com terminais integrados aos serviços de proteção ao crédito, previnem uma grande parte da inadimplência. Assim, os clientes que se propõem a comprar a prazo, geralmente são os bons pagadores pois já têm um histórico limpo que lhes permite tal facilidade. Para esses clientes é mais vantajoso vender o produto e o crédito, de forma conjugada, para ganhar duas vezes. Ganha-se pelo lucro do bem vendido e pelos juros inerentes ao crédito.

Ao dizer que não haverá distinção entre o valor pago à vista e o valor parcelado, o fornecedor está "estimulando" o consumidor a realizar a compra a prazo. Verifica-se então a ocorrência de uma venda casada, pois, o consumidor que gostaria de pagar à vista, não está comprando só a mercadoria mas também está pagando por um crédito que ele não precisava.

Quando o consumidor é obrigado a comprar pagando o bem ou serviço adquirido juntamente com o crédito embutido e imposto pelo fornecedor, está configurada a abusividade prevista no art. 39, I do CDC.

A relação de consumo que compreende uma cláusula abusiva tem como conseqüência a nulidade daquela disposição, sem prejuízo da continuidade do contrato naquilo em que for válido. Pelo princípio da preservação do contrato previsto no § 2.º do art. 51, "a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes".

Assim, a solução proposta para esse tipo de abusividade é a aplicação da faculdade que o consumidor tem de liquidar antecipadamente o débito mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos, conforme previsto no § 2.º do art. 52 do CDC. Se houver a imposição de fornecimento de crédito juntamente com o bem de consumo, sem espaço para argumentações - como sói acontecer nas grandes lojas -, o jeito é comprar a prazo e, na primeira oportunidade, requerer a liquidação à vista das parcelas, com redução proporcional dos juros.

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Sobre a autora
Lucíola Fabrete Lopes Nerilo

mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, professora de Direito Comercial na UNOESC, Campus de São Miguel do Oeste (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NERILO, Lucíola Fabrete Lopes. Quando o preço à vista é igual ao preço a prazo há configuração de uma venda casada?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 99, 10 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4387. Acesso em: 19 dez. 2024.

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