Pena de morte: barbárie inútil ou mecanismo eficaz na contenção da criminalidade?

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Ante aos altos índices de violência, a discussão sobre a implantação da pena de morte no Brasil para os crimes mais graves e repugnantes aparece mais uma vez de forma intensa em diversos setores da sociedade.

Resumo: Ante aos altos índices de violência, a discussão sobre a implantação da pena de morte no Brasil para os crimes mais graves e repugnantes aparece mais uma vez de forma intensa em diversos setores da sociedade. A ambição por punições mais severas é fortalecida pela influência da mídia e de grupos conservadores que espalham a ideia de insegurança desenfreada, de inocuidade do atual sistema punitivo, elevando a pena de morte como solução para a criminalidade. Contudo, no presente artigo restará evidenciada a impossibilidade constitucional de utilização da pena de morte no Brasil, bem como a sua vedação diante do princípio da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chaves: Pena de morte, pena capital, criminalidade, inconstitucionalidade, Cláusula Pétrea.

Sumário: Introdução. 1. Breve evolução histórica da pena. 1.1 Evolução da pena de morte. 2. A pena de morte na atual ordem mundial. 3. Ordenamento jurídico brasileiro e a pena capital. 3.1 Constituição Federal de 1988 e pena de morte. 3.2 A fragilidade da pena de morte diante da possibilidade de erros judiciários. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Diante do crescimento vertiginoso dos apontadores da criminalidade, não raras vezes, volta à tona a discussão acerca da implementação da pena de morte no Direto Penal do Brasil para os delitos mais graves, dotados de hediondez e que geram comoção nacional por seu caráter repulsivo. A sociedade brasileira fomentada pelo pânico instaurado pela sensação constante de insegurança tem clamado pela pena capital como punição justa e adequada para o individuo que delinque. O apelo midiático exerce forte influência sobre a formação da opinião pública, fator que contribui consideravelmente para esse aumento do anseio popular por medidas repressivas mais drásticas.

Grupos civis defensores dos postulados do Direito Penal do Inimigo e do Movimento de Lei e Ordem, bem como parlamentares envolvidos com ideias não garantistas e com a promoção do Direito Penal Simbólico, tem reacendido o debate sobre a temática, mesmo constando na Carta Política de 1988 a sua vedação explícita (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “a”) e a vedação do seu reestabelecimento por meio de Emenda Constitucional por se tratar o direito individual à vida de Cláusula Pétrea (artigo 60, §4º, inciso IV da Constituição da República).

O crescente aumento de crimes como estupro, sequestro e latrocínio, tem alimentado o descontentamento social com o sistema punitivo brasileiro e consequente descrédito do Poder Judiciário, acarretando ainda, de modo reflexivo, a deslegitimação e o enfraquecimento do instituto das penas privativas de liberdade que comprovadamente não cumprem com sua função preventiva de inibir a prática destes (e outros) delitos, objetivo este que se espera alcançar com a redução da maioridade penal, com a pena de caráter perpétuo, inclusive com a famigerada pena capital.

Indiscutível é a necessidade da aplicação de sanção ao membro da sociedade que descumpre as regras impostas, ferindo, assim, o pacto social. Contudo, imperioso faz-se levantar questões acerca da viabilidade do retorno da pena de morte ao ordenamento jurídico brasileiro: seria esta a solução milagrosa para a delinquência desenfreada? Erradicar seres humanos ao frágil argumento de que não se ajustam ao modelo social é ato ético, válido e de fato necessário? Não estaria camada considerável da sociedade utilizando a pena de morte como meio de profilaxia social? O que preleciona a ordem legal pátria acerca desse tema?

Utilizando como parâmetro norteador tais questionamentos e outros pontos pertinentes ao assunto em comento desenvolvidos ao longo do trabalho, discute-se no presente artigo a (in)validade constitucional do implemento da pena capital, a fragilidade do sistema frente a adoção de penalidade tão drástica, as implicações jurídicas e também o impacto social que decorreriam desta.

Imperioso faz-se mencionar que a proposta primeira do presente ensaio, qual seja expor a comoção popular diante da violência exacerbada e a busca irracional na pena de morte por justiça e sensação de tranquilidade social, será amparada pela mais notória doutrina e jurisprudência sobre o assunto, assim como revistas especializadas na matéria que tragam o pensamento de juristas e reportagens que ofereçam dados verdadeiramente concretos sobre a pena de morte como mitigador dos altos índices de criminalidade nos principais sistemas jurídicos comparados que a adotam em seus ordenamentos. A título de ilustração também serão utilizados emblemáticos casos que revelam o quão assustadora pode ser a ideia da pena de morte, ante os erros aos quais qualquer processo judicial está sujeito, por maiores que sejam os cuidados tomados em sua condução.

Busca-se verificar, afinal, que a pena de morte, punição de ordem física aplicável em diversos países constitui flagrante atentado à garantia da dignidade da pessoa humana e o direito à vida, além de inviabilizar totalmente o intento reabilitador do individuo que delinque e configurar-se como um gritante retrocesso aos tempos de barbárie e de irracionalidade dos corpos supliciados.

1.    Breve evolução histórica da pena                    

Antes de iniciar um breve esboço histórico acerca da evolução da pena, faz-se necessário mencionar que para a análise da temática aqui desenvolvida, adota-se a conceituação de pena preconizada pelo distinto jurista Rogério Greco.

A pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica a uma infração penal. Quando o agente comete um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu Ius Puniendi. (GRECO, 2005, p. 542)

A pena surge como instrumento essencial de contenção de comportamentos indesejados a partir do momento em que o homem, animal naturalmente social e político – como fundamentou Aristóteles – passa a conviver junto aos seus iguais. Ou seja, desde os primórdios da organização humana em agrupamentos, o entendimento de regras de conduta que dirigem a interação social se fez necessária, assim como as punições para aqueles que venham a infringi-las, já que nem sempre a coexistência coletiva se dá de maneira harmônica.

Tais normas comportamentais são o espelho da necessidade de defesa dos interesses coletivos, da necessidade de mantê-los intactos e, de igual maneira, como mecanismo de conservação da paz na sociedade. Assim, infere-se que as penas são aplicadas desde os tempos primeiros da humanidade; evidente que com contornos inteiramente diferentes dos observados no andamento contemporâneo.

É possível afirmar que a aplicação das penas estreou no tempo bárbaro, sem as características de um sistema orgânico e organizado, com a denominada vingança privada. Nesta não existia justiça, nem mesmo Estado. O individuo considerado culpado era punido pela vítima, pelos seus familiares ou pelo próprio grupo social no qual estava inserido. Inexistia qualquer regra limitadora na resposta à agressão. Em momento posterior, surge o instituto da composição, segundo o qual o ofensor pode se livrar da repreensão com a compra da sua liberdade. Troca-se a liberdade por dinheiro, terras, gados, armamento. Investe-se na ideia de que as penas violentas devem ser abrandadas, como também deve ser reforçada a utilidade social, intrínseca a qualquer sanção criminal.

Afora a fase da vingança particular, podem ser apontadas outras duas fases da vendetta punitiva. São elas a vingança divina e a vingança pública. Na vingança divina, o individuo que pratica infrações criminais era punido conforme a ira da divindade ofendida pelo crime, assumindo a punição caráter somente e tão somente de castigo. Em contrapartida, a vingança pública surge com a perda do sentindo sacro da pena, alterando-se para a sanção aplicada em nome de uma autoridade pública, “representante” dos interesses do povo. Surge, assim, a figura do soberano – rei, príncipes, monarcas.

Faz imperioso mencionar, que no período que compreende as vinganças não regulamentadas pelo Estado, assim como aquelas praticadas pelo soberano representante estatal, o corpo, vis corpolis, era empregado como mecanismo de intimidação e de repreensão. Período no qual a pena de morte fora densamente difundida.  É a era da ostentação dos suplícios através do castigo físico. O corpo, subjugado em público, é o principal instrumento de repreensão. As forcas, guilhotinas, fogueiras, amputações e desmembramentos possuíam o fito de castigar o infrator e de atemorizar todos aqueles que assistiam a verdadeiras carnificinas, punindo o fato e colocando medo nos demais, para que não delinquissem.

Todo esse espetáculo da dor começa a ser questionado e, de forma progressiva, começa a perder força, inicialmente com o surgimento dos conceitos do Iluminismo, quando nasceram as primeiras teorias balizadoras da aplicação de penas menos cruéis e mais humanizadas. As preleções de Cesar Beccaria em sua obra Dei delitti e delle pene, por exemplo, tornaram-se símbolo na reação liberal contra os desumanos abusos do cenário penal da época. De acordo com o pensamento de Beccaria, qualquer arbitrariedade contrapõe a ideia de razão e, assim, impõe-se uma fixação lógica das condutas delituosas e suas respectivas penas.

Já no final do Século XVIII, com o surgimento do movimento constitucionalista e do conceito de dignidade da pessoa humana, principalmente o francês, e com a gênese da Primeira Geração de direitos pautada, sobretudo, em direitos e garantias individuais, houve um amplo fortalecimento do caráter humanizador do sistema punitivo e consequente enfraquecimento das penas dolorosas. Com o neoconstitucionalismo ourindo do pós-guerras, foi sedimentado o fim da necessidade e da vibialidade da aplicação de penas cruéis. Percebeu-se a extrema necessidade de instituir novo fundamento para a ordenamento jurídica constitucional, já que as atrocidades cometidas nas duas grandes guerras, pontuando as empreendidas pelos regimes nazista e facista, causaram grande impacto negativo na ordem jurídico-social mundial.

Com o intuito de construir um mundo sob novos alicerces ideológicos, a mudança de paradigma se deu principalmente com a ideia da dignidade da pessoa humana como princípio norteador da ordem jurídica global e do Estado Democrático de Direito. Todo Estado pautado em ideais jurídico-democráticos passa a ser apoiado na principiologia irradiada da dignidade da pessoa humana. Um novo fundamento que incidirá em todos os ramos do Direito, a fim de garantir o mínimo existencial aos povos, bem como o fortalecimento dos Direitos inerentes ao homem. Surge, a partir desse contexto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU, em 1948.

Por fim, pontua-se que na atualidade, embora haja sistemas jurídicos esparsos que ainda utilizam punições de cunho severo, cruel e degradante,  prepondera a cultura do encarceramento, tendo maior relevo a pena de privação da liberdade que, frise-se, deve ser limitada, compondo a ultima ratio da política criminal, devido os seus reflexos mitigadores no direito à liberdade e em outros direitos e garantias constitucionalmente protegidas. De igual maneira, as penas alternativas estão sendo amplamente difundidas como espécies de sanção moderna e como solução para a crise na qual vive o sistema prisional contemporâneo. Ainda assim, a despeito da racionalidade norteando o sistema punitivo, a tsunami de violência que assola as mais variadas sociedades, tem reacendido a discussão acerca da utilização da pena de morte como instrumento hábil de punição estatal.

1.1 Evolução da pena de morte

Ao analisar-se o supramencionado escorço evolutivo da penalogia, pontuando especificamente a dinâmica da pena capital, nota-se que esta vem sendo  difundida em diversos regimes políticos ao longo da história da humanidade e conectada a uma redução gradativa no rigor da sua aplicação.

Há registros da prática da pena capital desde os tempos remotos. Podem ser mencionados como exemplos de dispositivos que a consentiam, o Código de Hamurabi regido pela Lei de Talião (Olho por olho, dente por dente), o Código de Manu e o Código Draconiano da Grécia Antiga. Todos comprovam a comum prática de execuções na Antiguidade. Com o decorrer dos anos, o modelo de punição através da morte foi sendo espalhada pelas nações, sendo adotada na maioria delas.

A pena capital era executada de variadas maneiras, a mencionar crucificações, apedrejamentos, forca, esquartejamentos, decapitações. Em Roma, a Lei das XII Tábuas previa a punição por meio da pena capital. Na Grécia, a execução era realizada por meio de veneno ou por inanição. No Egito, a pena de morte era executada de forma variada. Ora o acusado era entregue a animais selvagens ou peçonhentos, ora era queimado vivo. A pena poderia ser até mesmo estendida aos familiares, caso o individuo mentisse no julgamento. A Grã-Bretanha, ordenamento que inspirou os Estados Unidos, também lançava mão da pena de morte como meio de punição. No Século X, a forma mais usual de execução era o enforcamento. Posteriormente, no reinado de Henrique VIII, a fervura e o esquartejamento também foram muito usados.

Foucault descreve:

Finalmente foi esquartejado (relata a Gazette d’Amsterdam). Em última operação foi muito longo, porque os cavalos utilizados não estavam feitos à atração, de modo que, em vez de quatro foi preciso de seis: e como isso não bastasse, foi necessário, para desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhes os nervos e retalhar-lhes as juntas... (FOUCAULT, 2008, p. 9)

De maneira geral, era precedida de um processo cuja característica principal era o sigilo e a quase nula possibilidade de defesa por parte do acusado. A execução era assistida por todos, a fim de funcionar como exemplo e demonstrar o poder do Estado e da Igreja.  O sistema probatório era dotado de imparcialidade, falhas e não possuía regramento a ser atendido, sendo muito utilizada a tortura para obter-se a confissão do individuo inocente.

Na Idade Média, período conhecido como Idade das Trevas, a pena de morte foi intensamente utilizada. Os Movimentos Absolutista e Inquisitivo a utilizavam para punir aqueles que infringiam suas regras impostas ou que discordavam da ideologia por eles pregada. O meio mais empregado era as fogueiras, já que o fogo era símbolo de purificação.

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Com o florescimento dos ideais iluminista, o Estado Absolutista começa um processo de enfraquecimento e a legitimidade da pena capital passa a ser questionada e sua aplicação cada vez mais restringida. A ideia de que a punição deve ser regulada por um caráter humanizador vai tomando corpo entre os estudiosos e entre parcela da sociedade que não mais consentiam com o caráter aflitivo da pena de morte. Contudo, foi no Século XVIII que se deu o marco fundamental para a substituição das penas corporais pelas penas privativas de liberdade, principalmente com base na dignidade da pessoa humana. Repensar a sistemática da punição tornou-se extremamente necessário diante das execuções que ocorriam na Europa, principalmente na França pré-revolução. A partir daí, iniciou-se um processo gradual de abolição da pena de morte na maioria das nações.

Com base nessa nova vertente de proteção universal aos direitos e garantias do homem e do cidadão, fortalecida desde os primeiras teorias do constitucionalismo, até os preceitos do neoconstitucionalismo, é possível, assim, desconstruir a necessidade e o cabimento da pena capital como instrumento hábil de sanção no bojo do Direito Criminal. A pena de morte totalmente revestida de caráter retributivo e feição punitiva fere a dignidade da pessoa humana, já que direitos e garantias do indivíduo são sacrificados em prol da satisfação social em ver o criminoso morto e execrado do convívio em sociedade.

A narrativa histórico-penal tem demonstrado através de exemplos claros, logo mais citados, que a possibilidade de aplicação da pena de morte nos mais variados Estados vem servindo, apenas, como base para o cometimento de mais injustiças. Logo, deslegitima-se a ideia de punir-se com a morte, indigna esta do ser humano detentor de direitos e garantias fundamentais à sua existência.

2. Pena de morte na atual ordem mundial          

Na contemporaneidade, não há presença da punição por pena de morte para crimes comuns nos Estados-membros da União Europeia. Tal alteração de postura frente a pena capital se deu muito pela mudança de consciência que vem ocorrendo desde as guerras ocorridas no século passado, mas grande parcela dessa nova realidade se deve a recomendação advinda da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que vigora desde 1953. Ao teor do Protocolo nº 6, a pena de morte está vedada, com exceção aquelas aplicadas em tempo de guerra.

Abolida em toda a América Latina, na Oceania e na Europa, a pena capital resiste na África, na Ásia e em apenas quatro países do continente americano: Estados Unidos, Trinidad e Tobago, Barbados e Guiana. Na Europa, a exceção é a Bielorrússia ou Belarus. De acordo com matéria postada no site do Estadão em janeiro de 2015, dados apresentados no relatório de Sentenças de Morte e Execuções pela Anistia Internacional em 2013, 57 países preveem a pena de morte dentre as penas aplicáveis em seus territórios. Dados ainda apontam que tal pena ainda está prevista na legislação penal de 35 países, contudo, não se tem notícia da sua aplicação nos últimos 10 anos. Já em 7 países, incluindo o Brasil, há a vedação expressa de pena de morte para crimes comuns, excetuando a sua ocorrência em tempo de guerra. Nos demais países, as execuções foram totalmente abolidas. 

Os métodos de execução empregados variam de país a país. A título de exemplo, cita-se: a Arábia Saudita utiliza a decapitação, os Estados Unidos a eletrocução e a injeção letal, o Japão e o Irã o enforcamento, a China o fuzilamento e a injeção letal, a Indonésia o fuzilamento. Quatro países ainda utilizam execuções públicas, que remetem a ostentação dos corpos supliciados da Idade Média: Irã, Coreia do Norte, Arábia Saudita e Somália.

O relatório ainda expõe informações contendo números acerca do total de execuções no ano de 2013. Segundo os dados, 778 pessoas foram executadas em 22 países. Embora a China não exponha o número de execuções por ser considerado assunto de cunho sigiloso e constituir segredo de estado, sabe-se que ela promove no lapso temporal de um ano mais execuções que todos os outros países que preveem pena de morte juntos.

Nos Estados Unidos, desde 1996, 7 estados aboliram a condenação à pena de morte das suas legislações penais, subsistindo ainda em 32 dos seus 50 Estados. Apesar da quantidade considerável de Estados que a preveem, percebe-se que ao longo dos anos tem ocorrida diminuição nos números de execuções. Em 2014, por exemplo, foram realizadas 35 execuções de presos, uma queda expressiva de 64% tomando como parâmetro o ano de 1999, no qual foram executados 98 condenados. Constata-se igualmente uma diminuição do número de condenados ao corredor da morte. Em 1996, havia 315 presos nessa condição. Já no ano de 2014, havia 95. Parcela crescente da população norte-americana vem se opondo a pena de mortes diante dos problemas envolvendo as injeções letais e a ocorrência de situações em que elas falharam causando dor ao condenado e, também,  frente a não diminuição da criminalidade.

Ao analisar-se os números mencionados, nota-se que a tendência atual pela abolição da pena de morte e os constantes movimentos pró-abolicionistas encabeçados pela Anistia Internacional e pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas não tem atingido o seu escopo. Diversos ordenamentos jurídicos continuam executando indivíduos infratores a título de punição, muitos ferindo direitos inerentes ao homem, bem como garantias que protejam tais direitos. Apesar da elevação do princípio da dignidade da pessoa humana a valor absoluto e norteador do sistema legal,  leis pautadas em preconceito de gênero e de raça, em intolerância religiosa e em segregação social ainda levam pessoas para o corredor da morte, reflexo de sociedades excludentes e intolerantes.

Recentemente, após esgotarem todas as possibilidades de apelação pelo governo brasileiro por meio do pedido de clemência, os brasileiros Marco Archer e Rodrigo Gularte foram executados na Indonésia, ambos condenados à morte por tráfico de drogas.

Por fim, estudiosos da área assinalam que a sociedade está caminhando para uma diminuição do número de pessoas que levantam a bandeira pró-execução, já que cada vez mais faz-se notório a ineficácia da pena de morte como mecanismo de redução de índices de criminalidade, por trata-se essa de medida criada apenas para satisfazer anseios da população ou de um grupo dominante da sociedade, e não para  implemento de meios eficazes à segurança pública e à paz social.

3. Ordenamento jurídico brasileiro e a pena capital

Ao longo do período em que o Brasil permaneceu como colônia de Portugal, a pena de morte foi largamente utilizada com requintes de crueldade; visavam castigar os infratores e, simultaneamente, intimidar os outros, caracterizando, assim, a pena como exemplo.

Já no Brasil Imperial, a pena de morte para infrações comuns era legitimamente permitida. Contudo, com as mudanças ideológicas ocorridas no seio da sociedade, esse instrumento de punição foi perdendo força em decorrência das inúmeras situações de injustiças em que eram perpetradas, sobretudo contra o setor negro da sociedade, já liberto, mas que passava por um processo de marginalização e de segregação social. De tal modo, mesmo contando de previsão, a aplicação da pena de morte passou a ser substituída por outras espécies de pena, sendo utilizada apenas em casos excepcionais.

A previsão legal da pena de morte aplicada a crimes civis foi suprimida do ordenamento jurídico brasileiro, enfim, com o término do Período Imperial, precisamente a partir da promulgação da Constituição Republicana de 1889. A única possibilidade da referida pena que permaneceu em vigor no ordenamento foi seu cabimento para os crimes militares cometidos em tempos de guerra. Contudo, a previsão da pena capital ressurgiu para determinados crimes cometidos por civis, quando da vigência dos regimes totalitários brotados das Constituições de 1937 e de 1969.

 Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição Cidadã, pautada sobremaneira na dignidade da pessoa humana, a vedação da pena de morte para crimes civis passa a ser expressamente prevista em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea “a”, excepcionando sua aplicação apenas em alguns casos de crimes militares perpetrados em tempo de guerra, ou seja, quando há situação de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX da Bíblia Política. Coube, assim, a codificação penal castrense a tarefa de prescrever os crimes militares em que a pena de morte poderá ser aplicada, desde que em tempos de guerra declarada contra Estado estrangeiro, v.g., os crimes militares de traição, covardia qualificada.

Entretanto, para derrubar qualquer argumento favorável à pena de morte, necessário se faz analisar tal sanção a luz da Constituição Federal de 1988 e também demonstrar a sua impossibilidade de implementação no País para os crimes comuns, mesmo através de emenda constitucional, tendo em vista a vedação da aplicação da referida espécie de pena figurar no rol das Cláusulas Pétreas.

3.1 Constituição Federal de 1988 e pena de morte

Notório é que o Poder Constituinte Originário fez constar expressamente no texto da Constituição Republicana de 05 de outubro de 1988 um núcleo revestido de imutabilidade, margeado de impossibilidade de supressão, caracterizando uma verdadeira limitação jurídico-material de alteração do texto originário pelo Poder Constituído Reformador. Esse conjunto de elementos dotados de imutabilidade são chamados de Cláusulas Pétreas.

Esse núcleo imutável constitucional está preconizado no §4º do art. 60 da Carta Maior Constituição, abaixo subscritos:

Artigo 60 – A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...)

§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

(BRASIL, 2014, p. 30) (GRIFO DOS AUTORES)

Cláusulas Pétreas, dessa maneira, como a própria terminologia infere, são matérias constitucionais gravada de imutabilidade pelo legislador constituinte originário, impossíveis de serem suprimidas ou restringidas por meio de emenda constitucional, tratando-as como alicerce da Carta Política de 1988 e como parâmetro para as alterações no texto constitucional em sede de Poder de Reforma.

Conforme preceitua o inciso IV supramencionado, os direitos e garantias individuais figuram expressamente no rol de matérias imutáveis. Aludidos direitos e garantias estão elencadas de forma expressa no artigo 5º e seus incisos da Constituição Federal, havendo ainda a possibilidade de disposições implícitas no próprio texto constitucional ou em leis infraconstitucionais que se coadunam com este. Nesse contexto, localiza-se a proibição de aplicação de pena capital, excetuando a possibilidade de sua ocorrência nos caso de guerra declarada, conforme consta no inciso XLVII do aludido artigo: “XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; (...).

O distinto e aclamado constitucionalista José Afonso da silva afirma não haver muitas dúvidas de que

ao direito à vida contrapõe-se a pena de morte. Uma Constituição que assegure o direito à vida incidirá em irremediável incoerência se admitir a pena de morte. É da tradição do Direito Constitucional brasileiro vedá-la, admitida só no caso de guerra externa declarada, nos termos do art. 84, XIX (art. 5º, XLVII, a), porque, aí, a Constituição tem que a sobrevivência da nacionalidade é um valor mais importante do que a vida individual de quem porventura venha a trair a pátria em momento cruciante. (SILVA, 2009, p. 201)

Outro parâmetro norteador para a impossibilidade da previsão da pena capital no direito nacional é o princípio de que toda pessoa deve receber tratamento digno. A dignidade da pessoa humana aparece no texto constitucional em seu artigo 1º, inciso III, dispositivo que trata dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

A dignidade se reveste de base para todo o sistema principiológico e regramento normativo constitucionais, inclusive para as normas infraconstitucionais. O texto de 1988, de forma clara, doa verdadeira importância à dignidade humana, como forma de distanciar a nova realidade política do contexto político-social que a antecedeu, a dizer o Regime Militar que vigorou no País por pouco mais de duas décadas. Destarte, a partir de 1988, passa a valer uma nova era dos direitos e garantias individuais, sob a égide de um ordenamento jurídico que coloca no patamar mais elevado a dignidade humana.

Uadi Lammêgo Bulos (2012, p.320) diante da análise do conjunto de princípios constitucionais fundamentais leciona que o princípio da dignidade da pessoa humana “é vetor que agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988.” Percebe-se, ainda, que este princípio funciona tanto como limite às atuações do poder estatal, quanto como fonte que assegura aos cidadãos a expectativa de que não haverá violação de seus valores intrínsecos, absolutos, essenciais à própria condição humana. Sendo assim, não há que se conceber a desconsideração da dignidade da pessoa humana em nenhuma forma de aplicação ou criação de normas jurídicas.

E, entrelaçada com os preceitos inerentes a tal princípio, a pena de morte apresenta-se eivada de inconstitucionalidade, por ferir direitos e garantias fundamentais inerentes ao homem e a sua dignidade.  A vida é o direito mais absoluto de todos, sem preço, não podendo ser trocado ou substituído, se quer disponibilizado. A ideia de que um mesmo Estado que preconiza a inviolabilidade do direito à vida o viola através do seu poder de punir é dotada de incoerência jurídica. 

Segundo as lições do Ministro Gilmar Mendes,

A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades dispostos na Constituição. Esses direitos têm nos marcos da vida de cada indivíduo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito de estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse. (MENDES, 2009, p. 393)

Nesse mesmo sentido, o professor Pedro Lenza:

O direito à vida, previsto de forma genérica no art. 5º, caput, abrange tanto o direito de não ser morto, privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna. Em decorrência do seu primeiro desdobramento (direito de não ser privado da vida de modo artificial), encontramos a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX. Assim, mesmo por emenda constitucional é vedada a instituição da pena de morte no Brasil, sob pena de ferir a cláusula pétrea do art. 60, § 4º, IV. (LENZA, 2008, p. 595)

Bobbio (2004, p. 191) comenta que: “Considerando do ponto de vista do direito à vida, o problema da pena de morte insere-se no debate geral sobre o direito à vida em sentido estrito e, por conseguinte, sobre o fundamento de validade, e eventualmente, sobre os limites da norma “não matarás”.

A partir do disposto acima, figurando a vedação de aplicação de pena capital para crimes civis no rol das Cláusulas Pétreas e sendo o direito à vida pautado na dignidade da pessoa humana, afirma-se que esta não pode ser implantada no ordenamento jurídico pátrio, por se tratar de núcleo imutável, não passível de modificação tendente a aboli-la ou reduzi-la por emenda à Constituição. Imperioso se faz mencionar que qualquer proposta de emenda ou PEC que verse sobre o assunto está gravada de vício de inconstitucionalidade material desde o seu nascedouro, não devendo ser levada nem mesmo à votação, lembrando que esta está sujeita ao controle preventivo de constitucionalidade.

Não há embasamento constitucional, portanto, para o atendimento pelo Poder Legislativo do anseio e da pressão popular pelo retorno ao sistema jurídico-penal brasileiro da pena de morte como forma de punição de crimes não militares e fora da excepcionalidade da guerra, ainda que tratando-se de crime hediondo.

3.2 A fragilidade da pena de morte diante da possibilidade de erros judiciários

Um estudo da Universidade de Michigan nos Estados Unidos indica que um a cada 25 condenados à morte nos EUA é inocente. Partindo do pressuposto que injustiças ocorrem no ordenamento jurídico norte-americano, mesmo tratando-se de Justiça Criminal mais aparelhada, questiona-se: a pena capital é um mecanismo seguro de punição e de aplicação da justiça no Brasil, onde é notório o sucateamento do Poder Judiciário?

Durante toda história do sistema punitivo norte-americano e da aplicação da pena de morte, ocorreram inúmeros casos de erros judiciários envolvendo sentenciados ao corredor da morte. Tais erros advieram, principalmente, de produção probatória insuficiente, confissões obtida por meios ilícitos e ilegítimos. O último caso marcante envolvendo suposta falha judiciária na aplicação da pena de morte ocorreu em setembro de 2011. Um homem negro chamado Troy Davis foi acusado, julgado e condenado por matar um policial em serviço, no ano de 1989. Durante o tempo em que esteve preso, cerca de 20 anos, sua defesa demonstrou que a condenação fora pautada em depoimentos inconsistentes e que não possuía embasamento probatório suficiente. Ainda, assim, Davis foi executado por meio de injeção letal.

O sistema judicial brasileiro possui diversos casos de erros judiciais. Indivíduos inocentes foram condenados injustamente em processos norteados por lastro probatório fragilizado, pela ausência de contraditório e ampla defesa e de imparcialidade do Estado-Juiz, que mitigou o devido processo legal no intuito de oferecer uma resposta rápida para a cobrança da sociedade. Tal como ocorrera no fatídico caso dos irmãos Joaquim Rosa e Sebastião José Naves, no Estado de Minas Gerais, em 1937. Os irmãos Naves foram acusados pela morte de seu primo e sócio Benedito Pereira Caetano e torturados para confessarem a autoria do crime. Levados ao Tribunal do Júri, foram absolvidos. A acusação não se contentou e recorreu, mas os jurados mantiveram a absolvição. Como na época não havia a soberania dos veredictos proferidos pelo júri, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reformou a decisão e condenou Joaquim e Sebastião a 16 anos e seis meses de reclusão. A condenação foi pautada em confissão obtida por meio de tortura e um lastro probatório insuficiente e lacunoso. Posteriormente, obteve-se na Revisão Criminal a inocência tardia dos irmão Naves e a indenização arbitrada pela corte.

Outro caso emblemático foi ocorreu com Marcos Mariano da Silva, pernambucano, preso em 1976 confundido com um homicida que era seu homônimo. Após sofrer as consequências de ingressar no sistema prisional e permanecer nele por 19 anos, onde debilitou-se a sua saúde, inclusiva com a perda da visão em virtude de estilhaços da granada utilizada pelas forças de segurança em uma rebelião, faleceu de infarto. Seis anos depois da sua morte, o verdadeiro criminoso apareceu e foi preso. O Estado de Pernambuco foi condenado a pagar indenização e ficou reconhecido o erro judicial.

Diante da análise dos casos supracitados, percebe-se que há um considerável risco de perpetra-se pena capital a inocentes. Tal afirmação é fortalecida quando faz-se notar a possibilidade de ter-se processos pautados em provas insuficientes e até mesmo forjadas no intento de condenar indivíduos inocentes a crime que sabidamente não cometeram. Também quando analisa-se valores imorais e desprovidos de ética em uma sociedade cada vez mais intencionada a condenar o criminoso de forma rápida, a fim de responder aos anseios por vingança a qualquer custo; vinganças imediatas, sem certeza contundente sobre a verdadeira autoria do crime pelo réu.

A justiça dos homens é imperfeita, passível de corrupções, artimanhas e fator representativo de poder, assim como seus próprios criadores o são. Logo por isso, que Montesquieu dizia que o poder precisa ser limitado pelo poder. Deve-se compreender que a limitação ao poder punitivo do Estado Democrático de Direito, no que diz respeito ao sistema punitivo, encontra-se na vedação da aplicação de penas degradantes, de trabalhos forçados e de que tenham como objeto a vida humana, assim como o parâmetro imposto pela dignidade da pessoa humana.

Com base em todos os fatores negativos expostos ao longo do estudo aqui desenvolvido, é que se reconhece a impossibilidade de aplicação da morte do infrator como pena, pois, sobretudo, impede ao Estado retratar-se de possível erro que tenha praticado através da justiça que, nem sempre, produz condenações perfeitas. Em verdade, o próprio sistema jurídico não é perfeito. O legislador é passível de erros. E em relação a tais falhas, o próprio ordenamento jurídico constitucional prevê o controle de constitucionalidade, o que ratifica a imperfeição do órgão legiferante. Ora pois, se quem edita as leis comete relevante quantidade de erros, se o órgão que emana as normas é imperfeito, que dirá o órgão aplicador dotado de certa margem de subjetividade, qual seja o Poder Judiciário através de seus juízes.

Trata-se o erro de algo imanente ao ser humano, como a mais rica filosofia grega explica. Portanto, aplicar  pena de morte é sentenciar o condenado a incerteza jurídica, de a qualquer momento ser apenado de forma absoluta e não ter a possibilidade de retratação em caso de erro no julgamento. Aplicar a pena de morte no sistema judicial vigente é ignorar toda uma ordem jurídica conquistada para garantir os direitos individuais, expressão do Estado Democrático de Direito, e pautada na dignidade da pessoa humana.

Conclusão

O histórico-penal brasileiro, bem como a sistemática criminal nos principais ordenamentos jurídicos mundiais, demonstram que o instituto da pena de morte nunca apresentou-se como mecanismo adequado para contenção dos altos índices de crimes e da consequente criminalidade desenfreada que daí emerge. Ao contrário, desde muito tempo, a pena capital vem servindo apenas como método de punição desproporcional, falível quando aposta por condenação injusta.

Pesquisas demonstram que jamais se percebeu algum ganho significativo em termos de diminuição da criminalidade e da violência com o implemento da pena de morte. Não há prova que a pena capital agiria como meio eficiente no intento de dissuadir o criminoso a deixar de delinquir. Ainda assim, há constante coro no seio social pela necessidade desta como punição hábil ao individuo infrator, já que está-se em um momento de descrédito e de falência da pena de privação de liberdade. A pena capital é vista, assim, como mecanismo saneador das falhas do atual aparato executório penal.

Nada obstante, é manifesto que o Direito Penal e, por seguinte, os atos criminosos são estruturalmente, estatisticamente e até mesmo historicamente conectados às camadas menos favorecidas da sociedade. E frente à realidade, é certo asseverar que a pena de morte seria utilizada como meio de controle social e também como mecanismo de segregação. Ainda sobrevive a visão de que a sociedade deve prevenir-se e defender-se dos membros indesejados, lançando mão até mesmo de instrumentos de inocuização, profilaxia definitiva de criminosos.  

Contudo, imperioso se faz pontuar que o clamor social no sentido de instituir a pena de morte para crimes comuns no Brasil é inócuo, pois esta é expressamente vedada na Constituição Federal vigente, tratando-se referida proibição de garantia individual, com previsão no artigo 5ª, inciso XLVII do Texto Maior, figurando, portanto, no rol das Cláusulas Pétreas, constante no inciso IV, do §4º do artigo 60, núcleo imutável da Constituição impossível de abolida por meio do Poder Constituído Derivado. Está-se diante de uma vedação de caráter absoluto, podendo ser abolida ou restringida somente e tão somente através de uma ruptura total do atual regime e surgimento de um novo Poder Constituinte Originário.

O fundamento da dignidade da pessoa humana também é parâmetro balizador de tal vedação, já que trata-se de alicerce e de valor norteador do sistema constitucional pátrio. Relativizar o direito à vida através da instituição da pena de morte fere frontalmente a dignidade do homem, pilar do Estado Democrático de Direito. Subtrair do individuo sua vida como punição ao mal perpetrado por este é retirar-lhe o seu maior bem, qual seja a vida.  A pena de morte, assim, reveste-se de flagrante afronta a dignidade da pessoa humana, princípio que rege todo o ordenamento jurídico e que atribui ao Estado, através dos seus Poderes, o dever de reverenciar os direitos do homem, propiciando-lhe uma vida digna.

Conclui-se, ainda, que, se a pena de privação da liberdade, método de punição menos severo, deve ser utilizada em ultima ratio, ou seja, quando outros meios não forem adequados para o tratamento do criminoso, bem como eficientes para sua reinserção na sociedade, a utilização da pena de morte que apresenta-se como exagero irracional quiçá deve ser cogitada.

Com o sistema judiciário publicamente fragilizado em decorrência de limitações de ordem econômica e legal que impedem a perfeita consecução do que está previsto em lei e com alguns casos de erros judiciais – levando em consideração a premissa de que o juízo algum será perfeito, assim como o sistema não o é – fica clara a insegurança jurídica da aplicação de tal pena, de caráter absoluto e irremediável.         

A análise aqui feita só confirma a inutilidade da pena de morte e o seu caráter simbólico para aqueles que, sedentos por vingança irracional, defendem-na. Ademais, a pena de morte não inova, mas retroage em direção a métodos que comprovadamente no decorrer da história não obtiveram resultados satisfatórios na busca pela pacificação da sociedade e respeito a sua ordem jurídica penal. Ela foi abolida do ordenamento jurídico brasileiro precisamente por não apresentar efeitos positivos e concretos, e, também, pela possibilidade real da ocorrência de erros judiciários, irreparáveis diante da morte.

Por fim, transcreve-se aqui as últimas palavras de Napoleon Beazley, executado por injeção letal em 2002, no Estado do Texas, EUA: “Hoje à noite dizemos ao mundo que não há segunda chance aos olhos da justiça. Hoje à noite nós dizemos às nossas crianças que, em alguns casos, matar é correto. Nesta noite ninguém vence. Ninguém sai daqui vitorioso."

Chegará o dia em que a justiça punitiva não mais precisará de agulhas, cordas, fuzis e guilhotina?

Referências bibliográficas

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Sobre os autores
Quelle Naiana Stephane Cruz

Advogada. Graduada pela UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Pós-graduanda em Direito Penal e Criminologia pela FTC – Faculdade de Tecnologia e Ciência. E-mail: [email protected]

Rafael Lago Vasconcelos

Graduando do VI Semestre do Curso de Direito na Faculdade de Ilhéus – CESUPI (Centro de Ensino Superior de Ilhéus).

Taiana Levinne Carneiro Cordeiro

Advogada criminalista, professora de penal e processo penal da faculdade de Ilhéus/BA, professora de cursinho preparatório para concurso, especialista em processo penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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