Resumo: O Brasil tem sido um dos principais destinos turísticos, culturais, artísticos e esportivos em nível mundial nos últimos tempos, em que a indústria de eventos de lazer tem crescido, angariando altos investimentos. Assim, este artigo tem o objetivo de analisar medidas jurídicas a serem utilizadas na produção de eventos de lazer e entretenimento, para que produtoras de eventos, prestadores de serviços e o consumidor possam atuar de forma preventiva contra percalços que possam advir dessa relação. Trata-se, quanto à abordagem, de pesquisa qualitativa realizada por meio de instrumentais técnicos bibliográficos e documentais. Dessa forma, as reflexões partem do estudo do direito social constitucional ao lazer e entretenimento, relacionado-o com o direito do consumidor nos dias atuais, nas suas noções de fornecedor, consumidor, prestador de serviços. Na sequência, são apresentadas medidas e sugestões preventivas na produção de eventos de lazer. Nesse sentido, conclui-se que a indústria do lazer e entretenimento está exigindo cada vez mais legislação específica atualizada e fiscalização para as suas relações com o mercado atual e de profissionais qualificados para a produção de eventos que ofereçam, de um lado, segurança, diversão e bem-estar ao consumidor e, de outro, garantia de tranquilidade de atividade bem realizada por parte das empresas.
Palavras-chave: Direito constitucional ao lazer e ao entretenimento. Prevenção jurídica na produção de eventos.
1 INTRODUÇÃO
A indústria de eventos de lazer vem crescendo de forma significativa no Brasil, surgindo cada vez mais atividades diferentes que angariam grandes investimentos e público diversificado. O país, que já era considerado um importante destino turístico, está ainda mais procurado para investimentos na área, com crescimento elevado especialmente até 2016, já que aqui aportam eventos esportivos e artísticos mundiais.
As cidades, de modo geral, oferecem diversos eventos artísticos de lazer, pequenos ou grandiosos, para divertir e alegrar as pessoas, e/ou mesmo com finalidade econômica, os chamados eventos de entretenimento, em que geralmente encontram-se aglomerados de pessoas, podendo, assim, ocorrer problemas com os envolvidos, como riscos à saúde, à vida, ao patrimônio, dentre outros.
Assim, o objetivo geral deste artigo será identificar medidas jurídicas preventivas a serem utilizadas na produção de eventos de lazer. Dentro dessa linha de ação, quanto à abordagem, o artigo se utilizará de pesquisa qualitativa e método dedutivo, a partir dos ensinamentos de Mezzaroba e Monteiro (2014), com instrumentais técnicos bibliográficos e documentais. Para contemplar esse método, descrever-se-ão o conceito e os conteúdos do direito constitucional ao lazer e entretenimento no Brasil, algumas definições utilizadas pelo Código de Defesa do Consumidor na prestação de serviços em geral, passando pela responsabilidade de quem produz eventos, até examinar aspectos relevantes da legislação e contratos para produção de eventos no ordenamento jurídico brasileiro, bem como sugerir mecanismos jurídicos preventivos.
2 O direito ao lazer, O ENTRETENIMENTO e o CDC
O lazer, direito fundamental elencado na Constituição Federal de 1988 (CF/1988), passou a ser reconhecido como tal principalmente após a Revolução Industrial, quando os trabalhadores começaram a lutar por seus direitos e conquistaram seu período de não-trabalho. Atualmente, o lazer é considerado não só como o tempo disponível da pessoa, mas também como meio de negócio, sendo que tal mercado está cada vez mais profissionalizado. Eventos de lazer fazem nascer entre os participantes uma relação de consumo, em que são encontrados sujeitos de direito como o consumidor, que pode ser o público que adquiriu ingresso para um show, os prestadores de serviços, como as equipes que trabalham para organizar um espetáculo, e os artistas, que são contratados para a realização do evento. Assim, o objetivo, nesta seção, será descrever o conceito e conteúdos do lazer e entretenimento, as definições de consumidor, fornecedor/prestador de serviço do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e abordar a responsabilidade da prestação de serviços ao consumidor.
2.1 O direito constitucional ao lazer
O direito ao lazer foi inserido no art. 6º da CF/1988, no rol dos direitos sociais, com o intuito de proporcionar melhores condições de vida às pessoas: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Os direitos sociais podem ser considerados os direitos fundamentais do homem, conforme Moraes (2012, p. 205), pois são “verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Democrático de Direito, tendo por finalidade a melhoria de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social”.
Considerando que o trabalho é a principal fonte de subsistência do ser humano, ou seja, é uma maneira de levar uma vida digna, com o mínimo de satisfação das necessidades básicas, pode-se dizer que o direito ao lazer é fundamental para as pessoas, tendo em vista que tal atividade alivia as tensões geradas no trabalho, seja por meio da participação do indivíduo em algum evento de lazer, seja simplesmente passando um tempo livre consigo próprio, com a sua família ou amigos. Nesse sentido, o direito ao lazer, por ser um direito constitucional, deve fazer parte da vida de todos os seres humanos:
É preciso valorizar a pessoa como um ser individual e coletivo, independente das forças sociais e produtivas e, a partir disso, construir um mundo novo por meio da busca da qualidade dos tempos, dentro e fora do trabalho, e também de novas posturas das atitudes cotidianas, nas quais a vida seja vivida como o maior bem existente, permitindo que se reduza a alienação das pessoas em relação ao mundo e se instale efetivamente em nosso meio a dignidade humana (CHEMIN, 2007, p. 61).
Além disso, esse direito está estampado em outros diversos artigos da Constituição Federal, de forma intrínseca, reputando a sua importância para a vida humana: desde o art. 1º, III, que fala da dignidade humana, até o art. 227, que incumbe como dever, entre outros, à família, sociedade e ao Estado, proporcionarem momentos de lazer às crianças, adolescentes e jovens, inclusive em outros diplomas legais (Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, Lei do Desporto etc.), demonstrando a sua necessidade para a formação e desenvolvimento da pessoa humana.
2.1.1 Conteúdos do lazer e a modalidade entretenimento
A doutrina no Brasil ainda é divergente quanto a um conceito claro de lazer. Levantamento feito por Marcellino (2000, p. 28-29) divide o conceito em duas linhas: aquela que destaca “o aspecto atitude, considerando o lazer como um estilo de vida, portanto independente de um tempo determinado, e a que privilegia o aspecto tempo, situando-se como liberado do trabalho, ou como tempo livre, não só do trabalho, mas de outras obrigações – familiares, sociais, religiosas”, enfatizando a qualidade das ocupações desenvolvidas.
O lazer pode ser considerado uma liberdade do indivíduo, de escolher no seu tempo de não-trabalho o que fazer desde que lhe agrade. Entretanto, Camargo (1999) comenta que seria uma ousadia falar em liberdade de escolha para o lazer, uma vez que as decisões tomadas pelo ser humano estão baseadas em influências anteriores, dadas pela mídia, pressão da sociedade ou classe social. Refere como exemplo que uma pessoa ao assistir a uma exposição badalada pode estar demonstrando uma imposição clara ou velada do meio social em que vive.
Ainda, outras características são destacadas por Camargo (1999, p. 12), como o prazer: “o mais correto seria dizer que, em toda escolha de lazer, existe o princípio da busca do prazer”; a liberação: “o lazer é sempre liberatório de obrigações: busca compensar ou substituir algum esforço que a vida social impõe” (p. 12); e a gratuidade, relativizada pelo autor: “o lazer nunca é inteiramente gratuito. Apenas o é mais do que um ato da rotina profissional, quando o indivíduo está de olho na remuneração [...]” (p. 12).
Os conteúdos do lazer se desdobram em inúmeras atividades, dentre elas, Camargo (1999), aproveitando-se das ideias do francês Dumazedier, refere estas: a) atividades físicas e desportivas, como caminhadas, prática de esportes diversos; para alguns pura e simplesmente a contemplação da natureza por intermédio de um momento da busca da solidão, de estar consigo mesmo; b) atividades manuais de lazer, que se ligam às atividades de manipular, de transformar e explorar a natureza; c) atividades artísticas de lazer, que podem abranger as manuais, mas podem também ser compreendidas como arte, como o cinema, o teatro, a literatura, as artes plásticas, assim como também são considerados todos os gêneros de festas; d) atividades associativas de lazer, que vão desde atividades domésticas, como jogos, passeios com os filhos, até a frequência a associações e movimentos culturais; e, por fim, refere e) atividades turísticas de lazer, em que os indivíduos buscam mudar de paisagem, ritmo e estilo de vida, podendo ser por período longo, ou mesmo em um curto espaço de tempo.
Já especificamente quanto ao entretenimento como modalidade de lazer, ao longo da história, sempre houve atividades programadas e divertidas, como jogos, brincadeiras de rua, circo, festas, teatros, shows, campeonatos. Trigo (2003, p. 26) relata que “no século passado, surgiu o cinema, o rádio, a televisão (hoje com dvds, cabo e videogames) e finalmente os computadores, grandes responsáveis pela transformação do entretenimento em tecnologia de ponta e destinado à massa”. Também refere que havia um conceito acadêmico e empresarial para lazer, como um momento de ócio, descanso, férias etc. Todavia, o conceito de entretenimento teria surgido mais tarde, entre os séculos XIX e XX, com a estruturação do capitalismo, na sua fase pós-industrial.
Por sua vez, Sztajnberg (2003) busca na Grécia antiga e depois em Roma os primeiros indícios de entretenimento, que se seguiram na Inglaterra e culminaram na Revolução Francesa como marco que acabou por abrir caminhos, por intermédio da filosofia da época, para a atividade artística e de diversão programada, apresentando como exemplo a Lei de 1791, que regulamentou a representação pública das obras nos teatros, e dois anos mais tarde a lei que regulou a reprodução dessas peças (o que inspirou o direito autoral no Brasil).
O filósofo francês Gilles Lipovetsky, citado por Macedo (2014, texto digital), explica que estamos vivendo numa sociedade transitória, fugidia, denominada:
[...] ‘sociedade-moda’, completamente reestruturada pelas técnicas do efêmero, da renovação e da sedução permanentes. Nasce toda uma cultura hedonista e psicologista que incita à satisfação imediata das necessidades, estimula a urgência dos prazeres, enaltece o florescimento pessoal, coloca no pedestal o paraíso do bem-estar, do conforto e do lazer. Consumir sem esperar; [...] divertir-se; não renunciar a nada [...].
Para o filósofo, isso significa que atualmente as pessoas estão vivenciando o fenômeno do hipermodernismo, amparado nas tecnologias da informação e da comunicação, o que vem ao encontro de outro filósofo francês, Guy Debord, que refere o tipo de sociedade em que vivemos: sociedade do espetáculo, em que o aparecer se liga com o ter, com o ostentar, num consumo exacerbado fora do comum (MACEDO, 2014), e o entretenimento tem sido buscado por indivíduos para ocupar esse tempo e espaço de visibilidade instantânea.
2.2 Definições do Código de Defesa do Consumidor
O entretenimento, como outras modalidades de lazer, que partem da prestação de serviço de um fornecedor para o desejo de plena utilização por um consumidor, é uma relação regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) desde 1990, ano de criação da Lei 8.078 no Brasil, em que a prestação de serviço foi considerada relação de consumo. Para que ocorra a plena utilidade do lazer, ou para que o consumidor possa usufruí-lo na sua totalidade, deve ocorrer o sentimento de satisfação por parte desse receptor, ou níveis desejados de resposta, conforme Andrade (2001).
O CDC traz diversas definições que importam à prestação de serviços ao consumidor, como a de fornecedor, consumidor, produto e prestação de serviço, que serão explicitadas a seguir. Ademais, a lei perpassa tanto pelos direitos civis dos cidadãos, como consumidores e fornecedores, quanto apresenta as sanções penais aplicáveis à desobediência da norma.
Natale e Olivieri (2006, p. 68) comparam as relações contratuais estabelecidas entre o consumidor e o fornecedor com a venda de ingressos para um show, por exemplo, comentando que “com a venda de um ingresso, o produtor está assumindo a obrigação de realizar um evento com todas as condições nele estabelecidas (como em um contrato)”. Ainda: “a mudança de qualquer condição do evento, como data, horário, local, artista a se apresentar, valor do ingresso, garantem ao consumidor o direito de reaver o seu dinheiro investido no ingresso, ou de requerer a troca por outro ingresso, se for de seu interesse e houver essa possibilidade” (p. 68). Tudo isso, conforme os autores, desde que essas mudanças tenham sido ocasionadas por motivos que não dependam da vontade do produtor, caso contrário, poderá ser responsabilizado civilmente e ainda sofrer sanções penais por crime contra a economia popular.
O entretenimento vem sendo explicado, atualmente, como a indústria da experiência, ou seja, a indústria de vivências que fogem do cotidiano, do horário de trabalho, da simples convivência com a família e amigos. Sendo assim, conforme Gonçalves (2007), pode-se dizer que a indústria do entretenimento evoluiu para um mercado mais profissionalizado, uma verdadeira economia do entretenimento, que está em constante busca da figura do consumidor.
A fim de iniciar o estudo sobre esse “personagem” da economia do entretenimento, o consumidor, dá-se a definição trazida pelo CDC: “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.
Tanto o consumidor quanto o fornecedor podem ser pessoas físicas ou jurídicas, conforme Gonçalves (2007, p. 31), “uma vez que tanto a pessoa física quanto a pessoa jurídica podem se utilizar dos serviços de entretenimento prestados por um fornecedor”. Todavia, este último também pode ser pessoa física ou jurídica, uma vez que o que importa nessa relação é que o produto ou serviço de entretenimento seja disponibilizado para o mercado consumidor.
No cap. III da referida norma, que versa sobre os direitos básicos do consumidor, no que tange à prestação de serviços, há importantes garantias, como a proteção à vida, à saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços; a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos serviços; a informação adequada e clara sobre os diferentes tipos de produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; a modificação do contrato que prejudique o consumidor na prestação de serviço, ou que o torne demasiado oneroso àquele, e a adequada prestação de serviços ao público em geral.
Para fornecedor, o art. 3º do CDC traz a seguinte definição: “é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Sendo assim, Nunes (2009) destaca que esse artigo deixa claro que o legislador pretendeu dar extensão às pessoas enumeradas como fornecedores, sendo todas as pessoas físicas, jurídicas e ainda os entes despersonalizados, não havendo exclusão alguma do tipo de pessoa jurídica.
O doutrinador ainda refere a importância de se diferenciar as atividades relacionadas no art. 3º do CDC. Fala de atividade típica e atípica. A primeira ocorre quando um comerciante exerce suas atividades regularmente, conforme seu estatuto. Todavia, o mesmo comerciante pode desenvolver atividades atípicas, de forma rotineira ou eventual, quando, “por exemplo, se uma loja de roupas vende seu computador usado para que possa adquirir um novo, ainda que se possa descobrir no computador um destinatário final, não se tem relação de consumo, porque essa loja não é considerada fornecedora”, explica Nunes (2009, p. 109). Já a pessoa física vai desenvolver atividade atípica quando praticar atividades de comércio ou indústria.
No ramo do entretenimento, fica evidenciada a gama de fornecedores e prestadores de serviços. Santos e Silveira apud Trigo (2001) citam o teatro, o cinema, os autores e editoras de livros, as emissoras de rádio, as emissoras de TV, os produtores de shows, os proprietários de casas noturnas e bares. Contudo, no entendimento de Nunes (2009), é importante ressaltar que o termo fornecedor é gênero, do qual fabricante, produtor, construtor etc. são espécies. Assim, a lei consumerista faz a distinção, pois quando quer que todos sejam responsabilizados usa o termo fornecedor, e quando pretende designar um ente específico cita comerciante, produtor, construtor e as demais espécies que possam fornecer produtos e serviços.
Assim, se pode concluir que, para que ocorra relação de consumo no entretenimento, deve, de um lado, existir um fornecedor, com todas as suas características elencadas no art. 3º do CDC, praticando atividade típica de seu ato constitutivo e, do outro lado, um consumidor, que irá usufruir dessas atividades. Por isso, uma pessoa que promova uma festa particular ou evento, que não seja a sua atividade profissional, não gera relação de consumo com os participantes do evento. Já, se para a realização desse evento particular houver a contratação de uma produtora, a relação de consumo se concretiza.
2.3 Responsabilidade pela prestação de serviço ao consumidor
De forma geral, na seara civil, em se tratando de responsabilidade, há três requisitos para que seja configurada: conduta culposa ou dolosa, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Já para o CDC, “a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço é objetiva, ou sem culpa”, conforme Khouri (2005, p. 150). Refere o autor que, para comprovar o dano, basta que haja nexo de causalidade entre o dano e qualquer defeito do produto ou serviço, pois para a responsabilidade objetiva torna-se irrelevante qualquer pesquisa em torno da conduta do fornecedor, tendo o consumidor que provar somente o dano, caso contrário, pagando-se indenização sem dano seria enriquecimento ilícito do consumidor.
O ordenamento jurídico brasileiro não contempla a limitação para indenização por responsabilidade, ou seja, a indenização não é “tarifada”.
Então, o CDC, conforme Gonçalves (2010), consagrou a responsabilidade objetiva do fornecedor, principalmente pelo fato de vivermos atualmente em uma sociedade de produção e consumo de massa, que despersonalizou a relação entre o consumidor e o fornecedor. A legislação traz, segundo o estudioso, a responsabilidade objetiva tanto pelo fato do produto ou serviço, como a oriunda do vício do produto ou serviço, sendo a obrigação de indenizar do fornecedor independentemente de culpa.
O caput do art. 14 do CDC dispõe sobre a responsabilidade do fornecedor: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. Todavia, Nunes (2009) comenta que o legislador pecou em alguns termos utilizados no artigo, como fornecedor em vez de prestador, e a confusão no emprego dos termos vício e defeito. Essa generalização de fornecedor poderia levar a abusos de interpretação da lei, responsabilizando todos os fornecedores da prestação de serviço indistintamente. Isso significa que uma empresa de turismo poderia ser responsabilizada pela queda de um avião de passageiros, conforme o autor.
Sendo assim, Khouri (2005) menciona a importância de se diferenciar o real fornecedor do serviço daquele que simplesmente introduz o serviço no mercado, como, por exemplo, o corretor de imóveis, que apenas intermedeia o negócio entre a imobiliária e o cliente. Essa distinção é essencial para a aplicação da responsabilidade objetiva, uma vez que, por analogia ao art. 12 do CDC, somente o real fornecedor do serviço pode ser responsabilizado objetivamente, sem culpa, por um acidente de consumo. Afinal, tal responsabilidade não poderia ser transferida para quem apenas oferece o serviço ao consumidor, sem ter alguma participação na concepção ou execução do projeto, pois tal ônus poderia ser – e provavelmente seria – incompatível à receita do prestador de serviço, gerando, assim, a extinção do ramo.
Fazendo-se ligação com a produção de eventos de lazer, interpreta-se que as produtoras de eventos e outros profissionais dessa área, quando são os donos do evento, os produtores da sua própria iniciativa, deverão ser considerados fornecedores dos serviços, com responsabilidade objetiva por eventuais danos que acontecerem; já quando contratados por um cliente para a organização de um evento deverão ser considerados pela legislação consumerista como prestadores de serviço que intermedeiam a relação do consumidor (cliente) com o fornecedor dos produtos ou serviços (o artista, o local do evento, o serviço de bebida, o serviço de comida etc.) e, por consequência, deverão ser responsabilizados subjetivamente por danos que possam ocorrer aos consumidores de seus eventos: “Na imputação pelo risco da atividade (aquele adotado por nossa legislação pátria), a responsabilidade é, de certa forma, mitigada. Isto porque se admitiu a possibilidade de exclusão por determinados fatos que rompem o nexo de causalidade entre o fato gerador e o efetivo dano” (MARCIAL, 2013, notas de aula).
Assim, quando a responsabilidade do produtor seria subjetiva, o consumidor deverá provar o nexo de causalidade, a culpa do agente e o dano, sendo que o nexo de causalidade é o vínculo entre a conduta ilícita praticada pelo agente, de ação ou omissão, e o dano decorrente de tal conduta. É importante ressaltar que o dano deve ocorrer diretamente da conduta praticada, ou seja, ser exclusivo dessa conduta, sendo esse elemento necessário para configurar a responsabilidade civil do agente causador do dano.
Já a exclusão de responsabilidade do prestador de serviços pode ocorrer nos seguintes casos, taxativamente: em tendo prestado o serviço, provar que o defeito não existe e em sendo a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, conforme § 3º, do art. 14, CDC. Sendo assim, em ocorrendo culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, rompe-se o nexo de causalidade, deixando de existir o elo entre a conduta do agente e o dano sofrido pelo consumidor. Todavia, conforme Nunes (2009), o ônus de produzir essa prova, de que não houve o nexo de causalidade, é do prestador de serviço.
Desse modo, visto que o entretenimento é uma das modalidades do direito social constitucional ao lazer (CF/1988, art. 6º) e que – ao ser oferecido por fornecedor, como parte de sua atividade de produtor de eventos – tem proteção do CDC, pois se trata de uma prestação de serviço ao consumidor. Então, de que modo é possível fazer prevenção de condutas antijurídicas na produção de eventos de lazer e entretenimento?