É notório que no Brasil, hodiernamente, a violência ultrapassou os limites do aceitável (se é que alguma violência o é), ocasião em que o poder público e especialmente a sociedade encontram-se de mãos atadas frente ao seu enraizamento e crescimento desenfreado. Nesse diapasão, qualquer manifestação ou iniciativa com o escopo de combate-la revestem-se de caráter imprescindível e carregam consigo, de certo, a fidelidade e o apoio da sociedade.
Consoante o Estatuto do Desarmamento recém aprovado pelo Congresso Nacional, tal assertiva não é outra (e nem haveria de ser), contudo algumas reflexões mostram-se necessárias.
Cuida o referido Estatuto dentre outros procedimentos e imperativos legais tais como a proibição do porte irrestrito de arma e sua venda, a elevação da idade mínima para a compra bem como a majoração da pena para os traficantes, da possibilidade de o Estado indenizar aqueles que espontaneamente devolverem suas armas à polícia, e, nessa seara um exercício hipotético e fático (certamente) nos remete à conclusão de que tal procedimento, sem embargos à sua sincera intenção, não terá outro condão senão punir aquele que inicialmente deseja devolver sua arma e contribuir com sua parcela na "campanha do desarmamento", senão vejamos:
Caso 1. O cidadão "A" possui uma arma de fogo sem registro e imbuído do sentimento de civilidade passa a portar sua arma com o fito de entregá-la à polícia; para tanto, deixa sua residência pela manhã e faz uso de 2 ou 3 conduções até chegar ao local em que deve entregar seu armamento, sendo certo que foi impossibilitado de faze-lo conquanto um policial o prendeu durante o trajeto eis que estava em flagrante e inequívoco delito de "porte ilegal de arma de fogo", e que, como há de ser inafiançável, o cidadão "A" permanecerá preso.
Hipoteticamente, cabe a ele justificar sua conduta e ver-se solto porquanto está acobertado pela iniciativa preconizada no Estatuto;
Caso 2. O mesmo cidadão "A", agora, possui antecedentes criminais além de extensa "carreira" criminosa e encontra-se, v.g., em livramento condicional; pois bem, seu procedimento é o mesmo, ou seja, ressocializado que está pretende desde já contribuir com o bem da sociedade mas foi flagrado portando a arma; a questão nesse passo é saber: - justificando sua conduta com base no Estatuto do Desarmamento, o cidadão "A" livrar-se-á das mãos da Justiça?; terá outrossim seu benefício revogado eis que acaba de cometer um crime doloso?;
Caso 3. O cidadão "A", agora, é notadamente um criminoso e seu escopo não é outro senão perpetrar um delito usando a arma que está em sua posse, todavia, é flagrantemente detido e não será preso conquanto tem em seu favor – e fará uso certamente - da justificativa legal: - o porte dá-se com o fito de devolver a arma à polícia (!!).
Como há de se verificar, a iniciativa do cidadão em devolver a arma que possui em casa – independente da indenização a ser recebida – nos remeterá a inúmeras condutas "legais" e "ilegais" – concomitantemente – sendo certo que o "cidadão de bem" poderá ser preso e o "nato criminoso" poderá ver-se solto eis que suas condutas encontram-se respaldadas pelo Estatuto em voga.
A iniciativa é, repita-se, merecedora dos mais nobres e respeitosos créditos; contudo, não podemos nos divorciar do contexto fático criado pela edição e vigência de leis que confrontam outras leis já em uso, ocasião em que os procedimentos por ela asseverados devem revestir-se de garantias e cuidados necessários à real aplicação.
Ad argumentandum, em vista da não ilegalidade em possuir uma arma ainda que sem registro dentro da residência, tornar-se-ia mais eficaz, s.m.j., disponibilizar uma autorização e um requerimento junto ás delegacias, caso em que o cidadão manifestaria a vontade de entregar sua arma e munido de uma "provisória" (algo válido por, v.g., 12 horas)autorização de porte encontrar-se-ia em condição de fazê-lo; por outro lado, tomado o procedimento inicial e em não havendo a entrega à polícia, esta estaria de posse dos dados do referido cidadão bem como características da arma, promovendo imediata e coercitivamente sua apreensão.
Os fins não raras as vezes são justificados pelo meio, mas a justiça – na sua essência – deve ser mantida e respeitada sob pena de deixar desprotegido aquele que deveria, desde sempre, proteger.