Estado Democrático de Direito Brasileiro e a garantia constitucional ao Devido Processo Legal

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O presente trabalho aborda a questão do Devido Processo Legal salvaguardado pelo Estado Democrático de Direito brasileiro, das garantias da Ampla Defesa e do Contraditório, das ondas de acesso à Justiça.

Resumo

 

O presente trabalho aborda a questão do Devido Processo Legal salvaguardado pelo Estado Democrático de Direito brasileiro, e das garantias da Ampla Defesa e do Contraditório, problematizadas ao conjuntura sociohistórica nacional, informando tendências jurídicas, controvérsias doutrinárias e dissonâncias ao tratamento dessa problemática, à luz dos princípios constitucionais que comunicam os bens, valores e interesses protegidos pela égide da vigente Constituição. O Devido Processo Legal é analisado sob o prisma da legalidade kantiana, partindo da perspectiva impressa pelas ondas de acesso à justiça e de sua mutabilidade constatada com as diferentes experiências em contextos jurídicos internos, sobretudo ocidentais. Serão abordadas também questões como formação política-estatal, harmonização, independência e funções dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), supremacia legal, e alguns dos problemas enfrentados pela justiça brasileira.

 

Palavras-chave: Estado Democrático de Direito. Devido Processo Legal. Garantia constitucional. 

 

  1. Considerações Iniciais

 

            O intuito do presente trabalho é tecer uma breve análise acerca do Devido Processo Legal, garantia constitucional basilar do Estado Democrático de Direito brasileiro. Buscamos trazer ao lume a temática do Estado Democrático em Direito para, a posteriori, nos aprofundarmos em sua amplitude e efeitos práticos no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.

No primeiro pronto, ressaltamos a estrutura, importância e doutrinas em torno do instituto político-legal do Estado Democrático de Direito, para, finalmente, podermos ingressar em sua conceituação, direitos e garantias constitucionais, forma de governo, análise histórica das Constituições brasileiras, bem como a finalidade dos princípios dispostos na vigente Constituição brasileira.

Abordamos, também, a conceituação da forma de governo República Federativa, das garantias constitucionais inseridas em cláusulas pétreas, para, por fim, analisarmos o princípio do Devido Processo Legal e todos os que dele derivam como o princípio do contraditório e da ampla defesa, e analisaremos a temática das ondas de acesso à Justiça.

 

  1. Estado Democrático de Direito brasileiro: nuances da garantia ao Devido Processo Legal

           

Partindo da premissa de que o Estado de Direito é fruto da legalidade e também da legitimidade, sendo inerentes a ele normas de cunho constitucional para a sua regulamentação, dá-se origem as garantias individuais constitucionais. Lei essa que em um verdadeiro Estado Democrático de Direito, serão constituídas, mesmo que de forma indireta, pelos seus indivíduos. Ou seja, é através da eleição direta do povo, com a escolha de seus representantes, que ocorre a elaboração das leis, consoante informa a perspectiva kantiana.

            Ou seja, a base estrutural do Estado Democrático de Direito é, além da própria lei, a sujeição dos indivíduos aos princípios fundamentais inerentes, gerando assim, garantias aos cidadãos. E mais, esses princípios são imutáveis e constituem alicerce de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

            Canotilho (1999) entende que o Estado de Direito é a formação jurídica da esfera político-estatal, sendo determinada e regulada pelo próprio direito, ou seja, pelas leis e normas constitucionais. Partindo desse entendimento, Canotilho (1999) remata que é possível existir uma convivência em sociedade mais justa e com menos arbitrariedade estatal.

            E vai mais além, ao afirmar que o Estado de Direito pode apresentar diversas facetas, ora focando mais a justiça, ora a parte mais social, ou ainda mais, com a possibilidade de mesclar suas diversas formas, cada Estado com suas particularidades e conceituação.

            Concluindo acerca da conceituação e debate acerca do Estado de Direito, apesar desse regrar a vida em coletividade, a partir do seu poder de império, fundamentado na vigente Constituição, poderá, também, sofrer danos e reparações, assim como qualquer outro indivíduo. Ou seja, ele também é regrado, em face da supremacia da lei (Canotilho, 1999).

            Os princípios constitucionais são, pois, normas presentes no ordenamento com o intuito de transmitir os valores e bens protegidos pela égide da Constituição. Entretanto, nem todo princípio será uma norma jurídica e nem toda norma jurídica é oriunda de um princípio, podendo ter como origem outra fonte do direito. Para tornar-se uma norma, o princípio precisará ser positivado, constituindo, assim, preceitos básicos que compõem a estrutura constitucional, recebendo a denominação, consoante José Afonso da Silva (2004), de normas-princípios.

            Canotilho (1983) divide os princípios constitucionais em duas categorias; os princípios político-constitucionais, que constituem as decisões políticas fundamentais, ditadas nas normas constitucionais, e, os princípios jurídico-constitucionais, informadores da ordem jurídica do país. Entretanto, apesar da diferenciação da nomenclatura e sentido jurídico, ambos são princípios norteadores, presentes na Constituição, ou no mínimo, oriundos dela, como é o caso dos princípios inseridos no artigo 5º, LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.

            República Federativa do Brasil, por sua vez, é a denominação da forma de governo, indicando, também que o Brasil se trata de um país com a formação de Estado Federal. O federalismo teve origem com a constituição norte-americana de 1787, que reproduz a união de “coletividades políticas autônomas” (SILVA, 2007), possuindo o Brasil a formação política de Estado Federal desde a proclamação da Constituição de 1889, conservando-se com essa estrutura até a vigente Carta Magna, mesmo com a Constituição de 1967, onde a denominação de federalismo era apenas, por se dizer, de fachada.

A federação brasileira é, pois, composta pelos Estados-membros, Territórios Federais, Distrito Federal e pelos Municípios, sendo a União a denominação do Estado Federal brasileiro, que irá exercer prerrogativas da soberania a ela inerentes, sendo, assim, dotada de personalidade jurídica de Direito Público internacional.

            No Brasil, após longo período ditatorial (1964-1985), uma nova Constituição é promulgada, em 1988, cujo conteúdo primou por definir a estrutura democrática do estado nacional e as garantias individuais, como: a soberania estatal, a cidadania, a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político, presentes no artigo primeiro da Constituição Federal de 1988. E mais, em seu artigo terceiro estão presentes seus objetivos fundamentais, quais sejam: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades tanto sociais quanto regionais, e a promoção do bem de todos sem preconceitos (SILVA, 2007). A junção de todas essas garantias firma o início da era do Estado de Direito no Brasil pós-redemocratização.

Consoante Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2004), a Constituição, com base na doutrina clássica, representa a limitação do Poder Estatal. Analisa, por assim dizer que, por se tratar de uma limitação ao poder, representa, então, uma garantia de liberdade aos cidadãos, tendo em vista que a premissa de que estarão sempre asseguradas as ações, seja do próprio Estado, seja dos demais indivíduos, por um regramento constitucional, que tem a finalidade de preservar bens e interesses de caráter públicos.

            Assim, as garantias constitucionais podem ser entendidas como medidas ou remédios que estão dispostos na Constituição, com vistas à harmonização da função dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, ao exercerem suas prerrogativas.

Destarte, tal preceito constitucional ser aplicado em todas as relações jurídicas, públicas ou privadas, é, também, compreendido como o norte necessário de ser consultado quando da produção das normas jurídicas, ou seja, quando o Poder Legislativo usa de sua função para elaboração das leis, sejam elas federal, estadual ou municipal. Assim, será aplicado genericamente ao que diga respeito à vida, patrimônio ou liberdade dos indivíduos (DIDIER JR., 2007).

O Princípio da Legalidade é informador do Estado Democrático de Direito e, por ser adotado pelo Estado brasileiro, está inserido na égide da vigente Constituição. Tem a função de regulamentar, como premissa fundamental, que o Estado será sujeito à lei, sendo essa, sua essência principal (SILVA, 2007). Sendo assim, é correto afirmar que o Estado é sujeito ao império da lei, também denominado de supremacia legal. Esse princípio, entretanto, não deve ser analisado separadamente, mas sim, em conjunto com os demais inseridos no escopo da Constituição. É, pois, a sujeição e o respeito em relação à norma, assim como a obediência aos seus ditames. Já o Princípio da Reserva Legal será a própria regulamentação de determinadas matérias que só poderão ser aludidas mediante a elaboração de uma lei formal.

A Constituição preceitua que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, em seu artigo 5º, II. Sendo assim, a passagem em virtude de lei, não engloba somente as normas constitucionais, mas também as leis complementares, as leis infraconstitucionais, as medidas provisórias convertidas em lei e as leis delegadas. Ou seja, em virtude de lei corresponde a todo ato que possa ser equiparado a uma lei formal (SILVA, 2007).

Alexandre Freire Câmara (2004), acerca dos princípios, afirma que eles têm o propósito de orientar a interpretação dos operadores do direito, estando os mais importantes positivados na Constituição Federal, de 1988. Entretanto, ressalta que esses nem sempre irão coincidir com os princípios gerais do Direito.

O Princípio do Devido Processo Legal garante que o indivíduo só poderá ser tolhido de sua liberdade ou ter seus direitos e bens restringidos mediante um válido processo legal, a ser desempenhado pelo Poder Judiciário, através do juiz natural, sendo ainda assegurados, o contraditório e a ampla defesa, que são corolários do due processo of law (BERARDI, 2005). Tal preceito encontra-se positivado no artigo 5º. LIV da Carta Magna de 1988, e trata-se de um direito inerente ao cidadão, não podendo ser dele extirpado, nem pela autoridade estatal e nem por outro órgão.

A existência do direito ao Devido Processo Legal no Brasil se constituiu lentamente. Na Constituição de Império (1824) não havia qualquer referência a essa garantia. Já na segunda Carta Magna brasileira, de 1891, surgem algumas das garantias inerentes ao Devido Processo Legal, como o princípio da ampla defesa e do juízo natural. Entretanto, a primeira efetiva menção ocorreu com a edição do Código de Processo Criminal de 1831 e do Regulamento nº. 737 de 1850.

As Constituições seguintes, de 1934, 1937 e 1946 não prevêem expressamente essa garantia, independente de essa última Carta significar o retorno a democracia, com o fim da era Vargas. Contudo, mesmo durante a ditadura do Estado Novo, foram editados os Códigos de Processo Civil de 1939 e o de Processo Penal, em 1941, prevendo ambos, garantias processuais oriunda do Devido Processo Legal.

Com a Constituição seguinte, de 1967, assim como na Emenda Constitucional nº 1, de 1969, produzidas no período da ditadura militar, houve afetação drástica quanto ao direito material inerente à criminalidade política e ao dissenso administrativo.

A Constituição de 1988, também conhecida como a Constituição Cidadã (Ulisses Guimarães), veio para escancarar e garantir todos os direitos, recebendo essa denominação por trazer direitos antigos e por conceder novos direitos aos cidadãos, com direitos políticos, econômicos, culturais, sociais – ora inexistentes, e ampliando os direitos laborais per si, assim como outros, beneficiando toda a coletividade, com a efetivação de seus direitos, bem como assegurando não se repetir mais uma drástica história ditatorial.

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Evidencia-se que o inciso LIV do artigo 5º, que traz a cláusula do Devido Processo Legal, dispondo-o constitucionalmente pela primeira, in verbis: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Essa garantia constitucional afirma que o indivíduo somente poderá ser tolhido de sua liberdade ou ter seus direitos e bens restringidos mediante processo legal, a ser desempenhado pelo Poder Judiciário, sendo, ainda, assegurados o contraditório e a ampla defesa, que são corolários do due processo f law (BERARDI, 2005). Trata-se de um direito inerente ao cidadoa, não podendo dele ser extirpado pela autoridade estatal.

Por conseguinte, o Princípio do Devido Processo Legal é dividido em dois sentidos, o material e o formal, estando presente em todos os níveis do direito e devendo ser observados seus preceitos sempre que houver processo administrativo ou judicial, seja ele cível, criminal, trabalhista.

Com o substantive due processo f law, entende-se que só a regularidade formal do processo não é suficiente, fazendo-se necessário que a decisão judicial seja tida como substancialmente razoável (DIDIER JR., 2007). Sua materialização, consoante Carlos Augusto de Assis (2001), está interligada ao princípio da proporcionalidade da decisão judicial, devendo essa ser compatível com caso concreto, gerando um equilíbrio entre o processo e o princípio da segurança jurídica.

O sentido formal, atribuído ao devido processo legal, consiste no direito de processar e ser processado, consoante às normas previstas nos códigos e na Constituição nacional. É o direito positivo per si, que para ter aplicabilidade, deverá ser exercido, seja pelo próprio cidadão, seja pelo Estado através de suas funções. Assim, podemos compreender o devido processo legal como uma cláusula geral, inerente ao Estado de Direito e que deverá ser atendida e exercida por todos (DIDIER JR., 2007).

As diversas proteções inerentes ao cidadão, em termos de processo, correspondem a mecanismos legais que visam à melhor execução processual, bem como a garantir uma maior segurança jurídica, tanto para a parte, como para a busca da verdade e da justiça objetivadas pelo Estado-juiz. A partir dessa lógica e pretensão do legislador, surgem os princípios da Ampla Defesa e do Contraditório.

Ademais, os princípios constitucionais corolários do Devido Processo Legal, ora transcritos na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, além do direito ao contraditório e à ampla defesa, embarga os princípios do juízo natural, da inafastabilidade do controle jurisdicional, da proibição da prova ilícita, da publicidade dos atos processuais, do duplo grau de jurisdição, e, por fim, da motivação das decisões judiciais.

Dentre as questões que perpassam o debate acerca da efetividade do Devido Processo Legal no Brasil, algumas podem ser destacadas como prementes: uma pertinente ao tempo de processo remete a morosidade que caracteriza o acesso à Justiça e que vem alimentando amplo debate em torno de medidas que acelerem a prestação jurisdicional no país.

Outra questão diz respeito à burocratização dos procedimentos processuais que dificultam e também retardam o decurso do processo, fato que vem sendo combatido, entre outros meios, com a informatização da justiça, como a citação eletrônica. Ademais, há o sempre lembrado custo jurisdicional, que também dificulta o aceso à Justiça e que nem sempre pode ser mitigado através da justiça gratuita. No caso da Paraíba, o acesso ao judiciário comporta as mais elevadas custas judiciais do país, a contraste do baixo custo de vida e salários da população paraibana, que em sua maioria, é carente.

 

  1. Do princípio da ampla defesa

 

Em linhas gerais, o conceito de ampla defesa comporta duas ramificações, para melhor entendimento, compreendendo: a defesa técnica ou processual, onde é exigida do defensor, a capacidade postulatória; e a defesa material ou genérica, exercitada no percorrer do processo pelo acusado, também denominada de autodefesa. Essa garantia constitucional traduz a liberdade inerente ao indivíduo de, no âmbito do Estado Democrático de Direito, em defesa de seus interesses, poder alegar fatos e compor provas em seu favor.

O princípio do contraditório, por sua vez, e diferentemente da ampla defesa, projeta-se tanto no direito de ação, quanto no direito de defesa, correspondendo a uma manifestação fundamental do Estado de Direito, consoante Nelson Nery Junior (1997).

Conjuga-se a garantia do contraditório à da ampla defesa, sendo considerados pela doutrina moderna como inerentes ao próprio sentido de um processo justo e válido. Assim, as partes têm direito de se manifestar sobre tudo o que for trazido aos autos, além de tomar ciência sobre o procedimento.

 

2.1 Do Princípio do Juiz Natural

 

A garantia da parte ter, em seu processo, a presença do juiz natural abrange, também, o promotor natural, adotando-se uma visão mais moderna, vindo a desdobrar-se em outros três postulados: o da imparcialidade do juiz, vedando a criação de tribunais de exceção e determinando a competência pré-constituída na forma da lei, dispostos nos incisos XXXVII e LIII do artigo 5º da CF.

A garantia do juiz natural é fundamental para a manutenção do Estado de Direito, uma vez que impõe a imparcialidade no exercício da jurisdição, protegendo, ainda que não completamente, o interesse público em face do arbítrio do poder estatal.

Nota-se que a vedação da criação dos juízos de exceção não abrange as chamadas justiças especializadas, fazendo-se necessário tecer sua distinção doutrinária. Enquanto que as Justiças Especializadas, como é o caso da Justiça do Trabalho, corresponde a atribuição e a divisão da atividade jurisdicional do Estado entre vários órgãos do Poder Judiciário; enquanto que os tribunais de exceção, são os juizoes temporários criados para julgar casos em particular, como foi o caso do Tribunal de Nuremberg, na Alemanha, criando para julgar os crimes de guerra cometidos na 2ª Guerra Mundial.

O princípio do juiz natural também é aplicável ao processo administrativo, seja ele de qualquer espécie, pois o que se visa coibir é a criação de órgãos julgadores ex post facto ou ad personam, como ocorre com os tribunais de exceção já comentados, salvo as exceções estabelecidas na própria Constituição.

 

2.2 Do Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional

 

O inciso XXXV do artigo 5º da CF determina que nenhuma lei poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito, ou seja, ninguém, nem mesmo o Legislador, pode impedir que o jurisdicionado deduza sua pretensão em juízo, para que seja-lhe confirmado ou negado o direito pleiteado.             Todos têm o direito de pedir a tutela jurisdicional, e o Estado tem o poder e o dever de prestá-la. A referida norma visa a tutela não somente dos direitos individuais, como também dos direitos difusos e coletivos.

A garantia não deve ser confundida com o direito de petição, que é um direito político e impessoal e não uma garantia constitucional. Pode ser exercido por qualquer um de maneira informal, pois o peticionário não precisa ter sofrido qualquer gravame, basta que tenha interesse geral em manter a ordem jurídica.

 

2.3 Do Princípio do Contraditório

 

O Princípio do Contraditório projeta-se tanto no direito de ação quanto no direito de defesa. Trata-se de uma manifestação fundamental do Estado de Direito, no dizer de Nelson Nery Jr. (1997), ao tratar dos princípios constitucionais que informam o processo. O inciso LV do artigo 5º da CF assegura a aplicação do postulado tanto no processo judicial quanto no administrativo.

Conjuga-se a garantia do contraditório à ampla defesa, sendo considerados pela doutrina moderna como inerente ao próprio sentido do processo, corolários desse. Significa dizer que as partes têm o direito de se manifestar sobre todos os elementos trazidos aos autos, além de tomar conhecimento de todos os atos procedimentais praticados. Em suma, o contraditório é constituído pelos elementos da informação e da reação, não sendo admitidas exceções legais vigentes, apesar de Estado de Direito algum permitir que haja um direito absoluto, sem sujeição à outros.

 

2.4 Do Princípio da Proibição da Prova Ilícita

 

O texto do inciso LVI do artigo 5º da CF veda a produção e a juntada no processo de provas obtidas por meio de meios ilícitos, cuja regra incide no processo civil, penal e administrativo. E mais, pela teoria do fruto da árvore envenenada, de origem norte americana, todas as provas oriundas da prova ilícita também serão consideradas assim, devendo ser desentranhadas do processo, para que o mesmo não seja considerado nulo, correspondendo a presente norma à natureza jurídica material, e não processual, que seria o caso das provas ilegítimas.

Há diversas interpretações acerca dessa vedação constitucional, uma vez que doutrina e jurisprudência são divergentes, não se podendo afirmar que haja entendimento majoritário da matéria. Indubitável é que, como toda vedação constitucional, esta também não é absoluta, pois convive com outras regras a serem ponderadas. Utiliza-se o critério da ponderação de interesses para validar ou não a prova, dependendo do caso concreto.

 

2.5 Do Princípio da Publicidade dos Atos Processuais

 

O referido princípio está disposto no artigo 93, IX da CF, que trata da publicidade dos atos processuais. Contudo, como não há direitos absolutos no Estado de Direito, esse poderá ser contraposto ao direito à intimidade, tratado pelo artigo 5º, LX, que afirma que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".

Neste sentido, é garantida a publicidade dos atos processuais, onde toda a sociedade poderá ter acesso ao conteúdo dos autos de todos os processos judiciais, em tramitação ou arquivados, sendo, entretanto, mitigado quando essa publicidade puder violar o direito à intimidade das partes do processo e de seus defensores.

 

2.6 Do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição

 

Este princípio funda-se na possibilidade de a parte vencida, parcial ou totalmente, puder interpor recurso da decisão proferida, caso queira a sua revisão pelo órgão colegiado. A norma visa garantir a oportunidade de reexame da matéria, pois nenhum ato estatal pode ficar imune aos controles.

Apesar de não garantir o duplo grau de jurisdição expressamente, o legislador constitucional tratou de atribuir competência recursal a vários órgãos jurisdicionais, denominados Tribunais de segundo grau, com o faz no artigo 93, III da CF: "o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antiguidade e merecimento [...]".

 

2.7 Do Princípio da Motivação das Decisões Judiciais

 

O artigo 93, IX da CF estabelece que as decisões judiciais deveram ser motivadas, sob pena de nulidade. A referida norma constitucional representa uma importante manifestação expressa do Estado de Direito, com vistas a coibir todo tido de arbitrariedade que o Estado, em sua função jurisdicional, possa vir a praticar.

O juiz, ao proferir sua decisão, que será fundamentada de acordo com seu livre convencimento, com base nas provas e alegações contidas nos autos, deverá motivar as suas razões. Consoante a doutrina nacional, essa fundamentação corresponde a necessidade de o Juiz ter que elencar as razões de fato e de direito que o levaram a tomar sua decisão.

Não se trata, pois, de mera formalidade, tendo essa fundamentação implicação formal, no dizer de Nelson Nery Jr. (1997) "o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão".

 

 

  1. Das ondas de acesso à Justiça

 

A elaboração e consolidação do Estado de Direito é um processo histórico, forjado nos embates e desafios políticos, jurídicos, econômicos, sociais e culturais enfrentados em cada espaço nacional, e destes, com o contexto internacional. São processos complexos que por vezes impõem retrocessos quando da assunção de regimes autoritários ou propiciam avanços na chamada cartela de direitos, embora constitua desafio maior garantir a todos a sua extensão.

Como enfatiza Sorj (2001), o direito contemporâneo, introduzido pelas novas Constituições, pode ser dividido em ondas de acesso à Justiça. Entretanto, por mais que sejam vivenciadas pelas sociedades com um Estado de Direito incutido em seu seio político e jurídico, não implica que toda sociedade deverá passar por cada uma dessas ondas.

As ondas de acesso à Justiça, em suma, correspondem ao acesso ao judiciário e a garantia à assistência judiciária gratuita aos que dela necessitarem, os direitos metaindividuais e a noção do Welfare State, principalmente acerca dos direitos trabalhistas. O autor ainda se refere a duas novas ondas relacionadas ao meio ambiente e a biogenética.

Em relação aos interesses metaindividuais, coletivos ou difusos, que não podem ser tutelados pelos mesmos instrumentos utilizados para os interesses individuais, o Brasil possui reconhecida posição mundial acerca dos instrumentos protetores de tais direitos, como os instrumentos constitucionais da ação popular, da ação civil pública e do mandado de segurança coletivo (CÂMARA, 2004). Essa preocupação em tutelar os instrumentos inerentes aos interesses metaindividuais também é conhecida como a segunda onda de acesso à Justiça.

A terceira onda de acesso à Justiça corresponde à necessidade de constante reforma do Judiciário, para que se torne capaz de garantir meios eficazes a uma prestação jurisdicional apta a satisfazer o titular que ingressa para postular seus direitos (CÂMARA, 2004). Como exemplo dessa reforma, podemos citar o processo de abono das formas instrumentais, partindo do princípio da instrumentalidade das formas, onde muitos instrumentos já possuem abandono quase que total das formalidades, sendo considerados pela doutrina e jurisprudência como a flexibilidade ou mitigação no Direito, entendimento esse que é tido como princípio justrabalhista, orientador de todo o processo especializado.

Diversos autores, como Bernardo Sorj (2008), enxergar uma quarta onda de acesso à justiça, que envolveria direitos relativos ao meio ambiente e a ecologia. E mais, uma possível quinta onda seria relativa aos direitos inerentes as pesquisas biogenéticas genéticas.

Sorj (2008) alega, pois, que as ondas de acesso à Justiça são mutáveis, passíveis de absorção umas das outras, não havendo para isso, uma época taxativa para o exercício efetivo de cada onda. Assim, é possível entender-se que todas as cinco ondas já se iniciaram, entretanto, nunca terminaram, podendo, a depender da história e situação político-jurídica da sociedade, virem a se mesclar, não havendo, assim, uma divisão temporal taxativa das ondas de acesso à Justiça.

 

  1. Considerações finais

 

Com o presente trabalho buscamos transmitir uma acepção e compreensão mais ampla acerca do Devido Processo Legal no Estado de Direito, com enfoco no Brasil, bem como os demais princípios e garantias corolários desse.

Buscou-se ventilar acerca dos pontos gerais da temática debatida, como acerca da importância e composição da Constituição, a finalidade dos princípios constitucionais, o propósito das garantias constitucionais, da República Federativa do Brasil e da conceituação doutrinária do Princípio do Devido Processo Legal.

Mencionamos a origem e o intento do Devido Processo Legal, sua positivação em diversos incisos do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, que elenca os princípios e garantias constitucionais inerentes ao indivíduo, seu sentido material e formal.           

As garantias constitucionais asseguradas pela Carta Magna, diploma legal de maior importância no ordenamento jurídico brasileiro, bem como nos demais ordenamentos que possuam como modelo organizacional o de um Estado de Direito, são preceituadas de forma a tornar compreensível sua finalidade de harmonizar a função dos Poderes que compõem o Estado e, também, sobre suas prerrogativas legais.

No que concerne à República Federativa do Brasil, seu modelo pode ser descrito como uma organização governamental, partindo-se da conceituação dos institutos república e federalismo, sendo o país composto por Estados-membros, mas possuindo uma soberania extrema, personificada na entidade da União.

            Ressaltamos, também, alguns princípios oriundos do Devido Processo Legal, entre eles, analisamos o princípio do contraditório e o da ampla defesa, que possui dupla concepção – defesa material e processual.

 

Referências bibliográficas

ASSIS, Carlos Augusto de. Antecipação da tutela. São Paulo: Malheiros, 2001.

BERARDI, Luciana Andréa Accorsi. Devido Processo Legal: Do Processo devido à garantia constitucional. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/21/1321/>. São Paulo, 2005.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol. I. 11ª. ed. ver. e atual. Editora Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2004.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5ª. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1983.

______. Estado de Direito. 1ª. ed. Lisboa: Tipografia Guerra – Viseu, 1999.

FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição. 3ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.

DIDIER Junior, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 8ª. ed. rev., amp. e atual. Salvador: Edições Podivm, 2007.

NERY Junior, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.

SORJ, Bernardo. A Nova Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.

 

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Sobre a autora
Camila Rodrigues Neves de Almeida Lima

Doutoranda em Direito Público e Mestre em Direito Laboral pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC). Pós Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Escola da Magistratura Trabalhista da Paraíba (ESMAT 13) e em Processo Civil pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Advogada. E-mail: «[email protected]». Lattes: <http://lattes.cnpq.br/5477629799162848>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado ao Professor da disciplina de História do Direito Português, do Curso de Mestrado com Menção em Direito Laboral, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Leia mais: http://jus.com.br/artigos/43761/analise-historica-da-construcao-do-devido-processo-legal-no-brasil#ixzz3qLbdmtN2

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