Comercialização de gás natural: a invasão da competência privativa da União

08/11/2015 às 09:19
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Os Estados não poderiam estar legislando ou normatizando a atividade de comercialização de gás natural, cuja competência é privativa da União.

Com o advento da Lei nº 11.909, de 4 de março de 2009[i] – chamada usualmente de Lei do Gás Natural,  foram estabelecidas normas para a exploração das atividades econômicas de: transporte, importação, exportação, tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural. 

Ficou estabelecido pela Lei que as atividades econômicas, declinadas no parágrafo acima, serão reguladas e fiscalizadas pela União, na qualidade de poder concedente.

Tais atividades poderão ser exercidas,  através de autorização e concessões,  por empresa ou consórcio de empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País. 

A referida Lei esclarece que as atividades correrão por conta e risco do empreendedor e  não se constituirá prestação de serviço público.

Art. 1º Esta Lei institui normas para a exploração das atividades econômicas de transporte de gás natural por meio de condutos e da importação e exportação de gás natural, de que tratam os incisos III e IV do caput do art. 177 da Constituição Federal, bem como para a exploração das atividades de tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural.
§1º As atividades econômicas de que trata este artigo serão reguladas e fiscalizadas pela União, na qualidade de poder concedente, e poderão ser exercidas por empresa ou consórcio de empresas constituídos sob as leis brasileiras, com sede e administração no País. 
§2º A exploração das atividades decorrentes das autorizações e concessões de que trata esta Lei correrá por conta e risco do empreendedor, não se constituindo, em qualquer hipótese, prestação de serviço público. 
§3º Incumbe aos agentes da indústria do gás natural:
I - explorar as atividades relacionadas à indústria do gás natural, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas e ambientais aplicáveis e nos respectivos contratos de concessão ou autorizações, respeitada a legislação específica local sobre os serviços de gás canalizado;
II - permitir ao órgão fiscalizador competente o livre acesso, em qualquer época, às obras, aos equipamentos e às instalações vinculadas à exploração de sua atividade, bem como a seus registros contábeis.

A Lei define a comercialização de gás natural, como sendo a atividade de compra e venda de gás natural, realizada por meio da celebração de contratos negociados entre as partes e registrados na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

VIII - Comercialização de Gás Natural: atividade de compra e venda de gás natural, realizada por meio da celebração de contratos negociados entre as partes e registrados na ANP, ressalvado o disposto no § 2o do art. 25 da Constituição Federal;

E ainda,  altera a redação de incisos Art. 8º da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997[ii]:

Art. 8º A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe:
VII - fiscalizar diretamente e de forma concorrente nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, ou mediante convênios com órgãos dos Estados e do Distrito Federal as atividades integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, bem como aplicar as sanções administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato;
XI - organizar e manter o acervo das informações e dados técnicos relativos às atividades reguladas da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis; (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005)
XVI - regular e autorizar as atividades relacionadas à produção, à importação, à exportação, à armazenagem, à estocagem, ao transporte, à transferência, à distribuição, à revenda e à comercialização de biocombustíveis, assim como avaliação de conformidade e certificação de sua qualidade, fiscalizando-as diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios; 
XVII - exigir dos agentes regulados o envio de informações relativas às operações de produção, importação, exportação, refino, beneficiamento, tratamento, processamento, transporte, transferência, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda, destinação e comercialização de produtos sujeitos à sua regulação;
XXVI - autorizar a prática da atividade de comercialização de gás natural, dentro da esfera de competência da União;

Em 2 de dezembro de 2010, o Decreto nº 7.382, regulamentou os Capítulos I a VI e VIII da Lei do Gás Natural. O exercício de atividade de comercialização de gás natural foi regulamentado pela ANP, através da Resolução nº 52, de 29 de setembro de 2011[iii].

A referida Resolução estabelece que:

Art. 14. As obrigações previstas nos arts. 10, 11, 12 e 13 serão aplicáveis a partir da data de publicação desta Resolução [1] .
Parágrafo único. Eventuais repactuações de volumes, preço e prazo de vigência de contratos celebrados anteriormente à data de publicação desta Resolução, que impliquem novo aditivo contratual, deverão ser registradas na ANP e obedecer ao disposto no art. 10 desta Resolução.
Art. 15. As sociedades ou consórcios que tenham iniciado a comercialização de gás natural anteriormente à data de publicação desta Resolução, e que tenham interesse na continuidade do exercício de suas atividades, terão o prazo de até 180 (cento e oitenta) dias para requerer a respectiva autorização nos termos desta Resolução e remeter os contratos de compra e venda de gás natural vigentes que não tenham sido encaminhados para a ANP para o devido registro.
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Parágrafo único. A ANP efetuará o registro dos contratos de compra e venda de gás natural celebrados anteriormente à data de publicação desta Resolução e enviados à ANP por força do art. 10 da Portaria ANP nº 1 de 6 de janeiro de 2003.
Art. 16. O não atendimento ao disposto nesta Resolução sujeita o infrator às sanções administrativas previstas na Lei nº 9.847, de 26 de outubro de 1999 e no Decreto nº 2.953, de 28 de janeiro de 1999, sem prejuízo das penalidades de natureza civil e penal.

Segundo estabelecido, compete exclusivamente à União regulamentar e fiscalizar a comercialização do produto gás natural, cabendo penalidade para o seu não cumprimento.

Aos Estados compete regular a prestação do serviço de distribuição de gás canalizado, conforme disposto no § 2o do art. 25 da Constituição Federal.

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei,vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.

Deste modo, incumbe aos Estados, na forma da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995[iv], explorar  - diretamente ou mediante concessão  - os serviços locais de gás canalizado. Entende-se por serviços locais de gás canalizado, a movimentação do gás do ponto de recepção ao ponto de entrega ao usuário, por meio do sistema de distribuição.

Após mais de seis anos de vigência da Lei do Gás Natural, os Estados invadem a competência privativa da União, ao continuarem a legislar sobre a matéria de energia (inciso IV do Art. 22 da CF), e, sobretudo em questão relacionada com  comercialização de gás natural (parágrafo 4º ao Art. 177 da CF).

Segundo o Ministro Celso de Mello[v]:

 “A conclusão a que chega o eminente Relator, com apoio na lição da Professora Fernanda Dias Menezes de Almeida, é a de que, em hipóteses como essa, em que há conflito de competências normativas, devem prevalecer as determinações emanadas do titular da competência legislativa privativa.Logo, a razão pela qual se reconhece, no caso, a inconstitucionalidade formal decorre da usurpação das atribuições legislativas da União por parte do Estado-membro.

Pelo exposto, os Estados não poderiam estar legislando ou normatizando  a atividade de comercialização de gás natural, cuja competência é privativa da União. Portanto, se resta evidente invasão à esfera de competência legislativa federal pelo Estados da Federação.

[1] DOU 30.9.2011.

[i]  Lei nº 11.909, de 4 de março de 2009  - Dispõe sobre as atividades relativas ao transporte de gás natural, de que trata o art. 177 da Constituição Federal, bem como sobre as atividades de tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural; altera a Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997; e dá outras providências .

[ii] Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 -  Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências.

[iii] Resolução ANP nº 52, de 29.9.2011 - DOU 30.9.2011.

[iv] Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 - Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências.

[v] Voto do Senhor Ministro Celso de Mello na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.813 STF – procedência Rio Grande do Sul – Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei estadual (RS) nº 12.427/2006. Restrições ao comércio de produtos agrícolas importados no Estado. Competência privativa da União para legislar sobre comércio exterior e interestadual (CF, art. 22, inciso VIII)

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Sobre o autor
Cid Tomanik Pompeu Filho

Advogado especialista no mercado de gás natural e gás canalizado e consultor de empresas consumidoras de energia. Membro do Comitê da Energia da OABSP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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