Analise crítica dos delitos de lavagem de capitais em face da lei nº 12.683/2012

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O intuito do presente trabalho é fazer uma análise das alterações trazidas à Lei nº 9.613/1998, que foi alterada recentemente pela Lei nº 12.683/2012, no contexto da prevenção e repressão do crime de lavagem de dinheiro.

Sumário. Intodução. 1. A extinção do rol taxativo de crimes antecedentes. 2. Medidas assecuratórias e alienação antecipada. 3.Das pessoas sujeitas ao mecanismo de controle. 4. A elevação do valor da multa como meio de coibição dos crimes. Conclusão. Bibliografia.

  Introdução

 O crime de Lavagem de Capitais pode ser traduzido, segundo o Conselho de Atividades Financeiras - COAF, como "um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico".

Com o intuito de combater esse delito, além de cumprir acordos internacionais, é que o Brasil aprovou a Lei nº 9.613/1998 que foi alterada recentemente pela Lei nº 12.683/2012, a qual trouxe relevantes inovações para a prevenção e repressão do crime de lavagem de dinheiro.

Entre as alterações feitas na Lei de Lavagem de dinheiro, destaca-se e passa-se analisar, entre outras, a extinção do rol taxativo de crimes antecedentes, a possibilidade de alienação antecipada dos bens decorrentes desse ilícito, assim como outras medidas assecuratórias, a inclusão de novas pessoas sujeitas aos mecanismos de controle e o aumento do valor máximo da multa imposta a esse delito.

1.    A extinção do rol taxativo de crimes antecedentes

A lavagem de dinheiro é um delito secundário e por isso depende, necessariamente, de uma transgressão anterior, a qual a doutrina consagrou denominar de "crime antecedente". Ocorre que a Lei nº 12.683/2012 alterou na Lei nº 9.613/1998, também conhecida com a Levi de Lavagem de Dinheiro, extinguindo o rol taxativo de crimes antecedentes para se caracterizar a prática do crime de lavagem conforme dispõe o artigo 1º da legislação supra citada.

Antes dessa extinção, o rol tratava dos crimes  de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; de terrorismo e seu financiamento; de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; de extorsão mediante sequestro; contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa e por particular contra a administração pública estrangeira.

A nova redação dado ao artigo 1º da Lei 9.613/1998 determina que o crime de lavagem de dinheiro se concretizará quando houver a ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal e não apenas dos crimes citados anteriormente.

Cabe ressaltar, entretanto, que infração penal, segundo a doutrina, é gênero da qual os crimes e contravenções penais são espécies, sendo assim, atualmente é necessário que haja um infração penal antecedente para que se possa configurar o crime de lavagem de dinheiro.

Essa nova posição adotada pelo legislador é consonante com a evolução doutrinária relativa a esse tipo de delito, a qual entende que existe no mundo três "gerações" de leis sobre a lavagem de dinheiro no mundo. A primeira delas tem apenas como crime antecedente o trafico de drogas, a segunda já traz um rol de crimes que devem ser considerados como antecedentes, ampliando a repressão sobre esse delito secundário, a terceira, no entanto, é a mais ampla de todas, pois determina que qualquer infração penal pode ser considerada antecedente para o enquadramento do tipo penal de lavagem de dinheiro, sendo esta última a atualmente adotada pelo Brasil.

A ampliação trazida pela Lei nº 12.683/2012 possui pontos positivos e negativos, tendo em vista que esse posicionamento facilita a criminalização e a persecução penal daqueles que se dedicam profissionalmente à lavagem de dinheiro, entretanto, a não delimitação das infrações penais antecedentes pode gerar um apenamento maior pelo crime secundário de lavagem de dinheiro do que o crime anterior e impossibilitar que os recursos disponíveis à prevenção e à persecução penal sejam focados na criminalidade mais grave.

Nesse sentido, Sergio Fernando Moro diz que:

"As duas consequências negativas são contornáveis. para a primeira, seria oportuna norma que impusesse proporcionalidade entre a pena para o crime antecedente e a pena para crime de lavagem. para a segunda, seria importante o desenvolvimento de mecanismos formais e controláveis para viabilizar certa seletividade na prevenção e repressão do crime de lavagem."

Portanto, os benefícios trazidos pela extinção do rol taxativo acarretarão uma forte repressão aqueles que, habitualmente ou não, praticam o crime de lavagem de dinheiro, tendo em vista a gama variada de infrações penais que podem ser consideradas como antecedentes.

2.    Medidas Assecuratórias e Alienação Antecipada

É sabido que o combate eficaz ao crime organizado necessita de medidas que tornem indisponíveis os bens da organização criminosa desde o início do processo, ou ainda durante a investigação. Isso se faz necessário para inibir a atuação da organização, que, com os bens disponíveis ainda pode influir nas atividades que desejar mesmo com a prisão preventiva, através de interpostos ou até mesmo de dentro das unidades prisionais.

A arrecadação cautelar e posterior confisco dos bens tinha previsão no artigo 4º da Lei 9.613/98, e, anteriormente à lei n° 12.683/2012, seu caput previa apenas a apreensão ou o sequestro de bens, direitos ou valores, havendo até então divergência doutrinária sobre a possibilidade de o juiz poder determinar a hipoteca legal e o arresto.

A nova redação determina que o juiz poderá decretar medidas assecuratórias, terminologia mais ampla que pode ser vista como um gênero que engloba todas essas espécies de medidas cautelares e a possibilidade de incidência de tais medidas sobre bens, direitos ou valores que estejam em nome não só do investigado (antes da ação penal) ou acusado (após a ação penal), mas também de interpostas pessoas, ou seja, de “laranjas”, e prevê ainda que as medidas poderão recair sobre os objetos dos crimes, assim como qualquer instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos na citada lei.

O parágrafo primeiro do supracitado artigo sofreu uma importante mudança: anteriormente o sequestro e a apreensão deveriam ser levantados se a ação penal não fosse proposta pelo ministério público no prazo de 120 dias, o que poderia torná-la ineficaz. Agora a regra é não haver prazo para intentar a ação penal, e a exceção é o sequestro (60 dias, de acordo com o art. 131, I do CPP).

A mais importante mudança trazida, porém, diz respeito a previsão expressa da alienação antecipada para os processos de lavagem de dinheiro. Sabe-se que, no Brasil, o trânsito em julgado de uma sentença condenatória pode levar muitos anos, fazendo com que o posterior perdimento dos bens em favor da União perdesse efetividade por diversos tipos de desvalorização, deterioração ou dificuldade de armazenamento a que estão sujeitas a maior parte dos bens.

A saída para tal problema é a alienação antecipada, não prevista no texto anterior à lei 12.683/2012 e que consiste na venda, por meio de leilão, antes do trânsito em julgado da ação penal, dos bens que foram objeto de medidas assecuratórias e que estão sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou ainda, quando houver dificuldade para sua manutenção. Seu produto fica depositado em conta judicial, até o final da ação penal respectiva, onde poderá ser devolvido, em caso de absolvição, ou perdido em favor da União, Estado ou ao Fundo Nacional Antidrogas (art. 62, § 9º, da Lei n° 11.343/2006).

O procedimento da alienação antecipada está prevista no artigo 4-A e seus treze parágrafos.

Já foi discutida a constitucionalidade da alienação antecipada sob a ótica da violação ao princípio do devido processo legal, o princípio da presunção de inocência e o direito de propriedade. Todas as alegações foram superadas: não há arbitrariedade, pois a lei traz requisitos e procedimentos a serem formalizados. Não há violação a presunção da inocência, pois desde que necessária e proporcional ao caso concreto, na mesma medida não são inconstitucionais a prisão preventiva, o arresto, o sequestro, e a busca e apreensão. Também não se viola o direito de propriedade, pois efetivamente só é perdido o valor econômico com o trânsito em julgado da sentença condenatória, além disso, nenhum princípio ou direito é absoluto.

3.    Das Pessoas Sujeitas ao Mecanismo de Controle

Segundo Barros (2012) qualquer pessoa pode figurar como agente lavador.

A Lei de Lavagem de Dinheiro não previu a responsabilização da pessoa jurídica, sendo atribuído ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf a função de disciplinar, receber, examinar, identificar e aplicar penas administrativas, sobre as ocorrências suspeitas de atos de lavagem previstos na Lei praticados tanto por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades.

No ordenamento jurídico brasileiro não existe dispositivo legal que permita punir penalmente uma pessoa jurídica operadora de lavagem de dinheiro, a empresa que pratica essa lavagem, em principio, não será considerada sujeito ativo do crime, mas apenas o seu diretor ou representante estatutário.

A abordagem dos temas sobre corrupção e lavagem de dinheiro busca como fundamento final: o combate à criminalidade organizada.

Para o autor Marco Antonio de Barros, “sob o prisma repressivo do direito penal econômico, essa opção do legislador pode dificultar a determinação judicial de medidas processuais penais assecuratórias contra a pessoa jurídica. Entretanto, essa excludente de ilicitude não pode valer para o caso em que a atividade comercial ou socioeconômica desenvolvida seja equivalente ao modus operandi de uma organização criminosa, e desde que a lei penal já tenha estabelecido as características gerais e especificas que permitam identificar uma entidade dessa natureza”.

Tanto as pessoas físicas quanto as jurídica, que atuam em áreas dos ramos bancários, financeiro, comercial, securitário, além dos outros relacionados com a movimentação de riquezas circulantes no País, estão submetidos e um rígido mecanismo de controle e de punição administrativa mantidos por órgãos reguladores oficiais, tudo de acordo com o modelo preventivo ditado pela Lei de Lavagem brasileira.

Ainda segundo o autor Barros (2012), existem operações ou transações realizadas por instituições, que não obstante atuarem num ramo de negócios legítimos, também participam ou são utilizadas, ainda que involuntariamente, na lavagem de recursos ilegais.

Pela nova redação do Lei nº 12.683, considera-se que as instituições ou agentes intermediários mais comuns nos procedimentos de lavagem são os seguintes:

a)    Bancos, inclusive bancos comerciais, bancos privados e caixas de poupança;

b)    Corretoras de ações ou de mercadorias;

c)    Bancos de investimento ou empresas de investimento;

d)    Operadoras de câmbio;

e)    Emitentes, resgatores e descontadores de cheques de viagens, de cheques, de ordens de pagamento ou de outros instrumentos semelhantes;

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f)     Serviços de correios;

g)    Casas de penhores;

h)   Empresas de empréstimo ou financiamento;

i)     Transferidores de recursos (empresas de remessas de dinheiro);

j)      Cassinos e casas de jogos;

k)    Companhias de seguros;

l)     Corretores de metias preciosos, gemas e joais;

m) Agencias de viagens;

n)   Vendedores de veículos no varejo (inclusive de automóveis, aeronaves e barcos);

o)    Corretores imobiliários;

O aumento do rol de atividades e sujeitos que a nova redação da Lei de Lavagem de Capitais trouxe e que podem estar ligadas à atividades que viabilizem a Lavagem de dinheiro é um passo no sentido de que um mundo em plena expansão global com vários braços do crime em diversos seguimentos da econômica, ampliar este rol, com certeza busca fechar o certo.

4.    A ELEVAÇÃO DO VALOR DA MULTA COMO MEIO DE COIBIÇÃO DOS CRIMES

O artigo 11, III, § 3º da denominada Nova Lei de Lavagem trouxe também significativa alteração no tocante ao valor da multa aplicável às pessoas referidas no artigo tratado no capítulo anterior desse trabalho. É inegável que a elevação da multa de R$ 200.000,00 para R$ 20.000.000,00 deve ser entendida como efetiva tentativa na contribuição da repressão da lavagem de dinheiro.

O risco de fracasso econômico das atividades ilícitas, decorrente da perda dos valores obtidos ilicitamente ou a impossibilidade de sua transferência, de sua transformação em capital financeiro, ou da sua utilização como meio de pagamento atenuam as motivações para a prática criminosa.

Esse assunto é, inclusive, objeto de pesquisa econômica, pelo Professor Gary Becker, em que se estuda a relação entre os estímulos e desestímulos econômicos e os índices de criminalidade. Por esse estudo, conseguiu-se provar que um dos mais fortes fatores para a redução da criminalidade é a imposição de perdas econômicas ao criminoso.

Comparativamente, nesse sentido de tentativa de coibição da prática de crimes que lesam o sistema financeiro, a Lei n.º 12.683/2012 caminha na mesma linha das Leis de Anticorrupção, quais sejam, a  Lei n.º12.846/2013 e a nova Lei do CADE, Lei nº 12.529/2011, pois todas possuem previsões de multa que, aplicadas com as proporções expressas, por meio de porcentagens ou em valores fixados pela Lei, visam agravar as penas aplicadas.

 Conclusão

 Inegavelmente a Lei de Lavagem de dinheiro alterada pela Lei nº 12.683/2012, trouxe relevantes avanços para a prevenção e combate desse delito.

Entre essas importantes alterações estão a extinção do rol taxativo de crimes antecedentes, admitindo-se agora como crime antecedente da lavagem de dinheiro qualquer infração penal; a inclusão das hipóteses de alienação antecipada e outras medidas assecuratórias que garantam que os bens não sofram desvalorização ou deterioração; inclusão de novos sujeitos obrigados tais como cartórios, profissionais que exerçam atividades de assessoria ou consultoria financeira, além de representantes de atletas e artistas, dentre outros e o aumento do valor máximo da multa para R$ 20 milhões.

Essas são apenas algumas mudanças decorrentes da alteração realizada pela Lei 12.683/2012 que representam o comprometimento do Brasil na repressão efetiva de crimes de lavagem de dinheiro.

 

 Bibliografia

 

BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/1998 – 3ª edição revisada, atualizada e ampliada – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012;

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à Lei n.° 12.683/2012, que alterou a Lei de Lavagem de Dinheiro. Dizer o Direito. Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br. Acesso em: 20/09/2015.

DELMANTO, Roberto. Leis penais especiais comentadas - 2º Edição - São Paulo: Editora Saraiva, 2013

Moro, Sergio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro - 1º Edição - São Paulo: Editora Saraiva, 2010

Penal - Lei nº 12.683/12 – Lavagem de dinheiro

http://www.atualizacaolegislativa.com.br/2012/08/penal-lei-n-1268312-lavagem-de-dinheiro.html (acesso em 20/09/2015);

REZENDE, Bruno Titz de. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

 

 

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Sobre os autores
Bruno Castanho Antunes

Estudante de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Denise Cardoso Pimentel

Estudante de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Cristina Benedita da Silva

Estudante de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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