RESUMO
Os contratos bancários são definidos, de maneira geral, como negócios jurídicos que propiciam as relações de crédito, o que é de extrema importância para a circulação de capital e consequentemente para o desenvolvimento econômico. Existem várias possibilidades de classificar os contratos bancários, todavia, esses são principalmente divididos em típicos e atípicos, de acordo com a espécie de obrigação contratual que as instituições bancárias assumem na relação jurídica.
Tendo em vista que a relação contratual envolve duas partes desiguais em relação ao poderio econômico que representam, esse negócio jurídico nem sempre é equilibrado. Logo, é importante ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor, que tem como objetivo satisfazer as necessidades dos consumidores , deve ser respeitado , zelando pela segurança jurídica dos indivíduos.
ABSTRACT
Bank contracts are defined , generally , as legal transactions that provide the credit relations , which is of utmost importance for the circulation of capital and to economic development . There are several ways to classify bank contracts , however , these are mainly divided into typical and atypical , according to the kind of contractual obligation that banking institutions are in legal relationship .
Given that the contractual relationship involves two unequal parts in relation to the economic power they represent, this legal business is not always balanced . It is therefore important to point out that the Consumer Protection Code, which aims to meet the needs of consumers, must be respected , ensuring the legal certainty of individuals.
PALAVRAS-CHAVE: Contrato bancário. Instituição financeira. Vulnerabilidade. Código de defesa do consumidor.
1. INTRODUÇÃO
O contrato bancário é caracterizado pela inafastabilidade da instituição financeira como polo contratual, além de possuir como objeto o intermédio de um crédito. Estes elementos não poderão ser analisados individualmente, pois um banco realiza contratos que não são bancários, como locação ou prestação de serviços, além do particular realizar operações creditícias que não são consideradas bancárias.
O jurista Fábio Ulhôa Coelho ao lecionar sobre o tema, conceitua o contrato bancário com relação ao conceito jurídico de atividade bancária, ou seja, operações econômicas ligadas à concessão, circulação ou administração do crédito. A instituição considerada financeira capta recursos com clientes e repassa para outros, através de operações passivas e ativas, respectivamente.
Superado o conceito preliminar de contratos bancários, passaremos a análise destes à luz do código de defesa do consumidor. O código de defesa do consumidor, em seu segundo artigo regulamenta que: “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” Através deste demonstramos que a pessoa jurídica atuante no mercado de consumo poderá ser caracterizada como consumidora.
Destarte, o objetivo do presente artigo é demonstrar que não restam mais dúvidas acerca da incidência das normas contidas no Diploma consumerista sobre as operações realizadas entre instituições financeiras e seus clientes, mormente porquanto o Supremo Tribunal Federal- STF, no julgamento da ADIN n.º 2591, pacificou a questão, decidindo o Pleno daquela Corte Superior pela constitucionalidade da incidência das normas insculpidas na Lei n.º 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, sobre todas as operações realizadas por instituições financeiras.
Passaremos então à análise dos contratos bancários de forma mais profunda, bem como a classificação dos mesmos à luz da doutrina brasileira.
2. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DE CONTRATO BANCÁRIO
Com base no artigo científico “Contratos bancários: conceito, classificação e características”, escrito pelo autor Deltan Martinazzo Dallagnol, é possível constatar que os contratos bancários são negócios jurídicos que proporcionam as relações creditícias realizadas entre o Banco e o cliente. É importante ressaltar que não se pode definir contrato bancário apenas pelo critério subjetivo, contrato realizado pelos Bancos, ou apenas pelo critério objetivo, relação de intermediação de crédito. Isso ocorre uma vez em que há contratos realizados pelos Bancos que não são bancários como de locação e prestação de serviços, por exemplo, assim como existem relações creditícias realizadas apenas por particulares, não envolvendo os Bancos. É possível perceber que são vários os conceitos explanados pelos autores, não havendo unanimidade entre as explicações, no entanto, para uma correta definição é necessário que os dois critérios acima citados apareçam interligados.
Os contratos bancários podem ser divididos em típicos, ativo e passivo, e atípicos. São considerados típicos os contratos bancários que realizam a operação bancária típica de crédito, podendo ser ativo quando o Banco assumir a posição de credor ou passivo quando for devedor da obrigação principal. Por outro lado, os contratos de prestação de serviços realizados pelos Bancos são considerados atípicos. Todavia, o autor Dornelles da Luz aborda uma terceira classe de contratos a qual inclui as definições típicas e atípicas formando uma categoria mista, sendo operações que envolvem créditos e serviços com características próprias. De acordo com Deltan Martinazzo Dallagnol:
· Duas espécies de obrigações costumam permear os contratos dos bancos múltiplos: de dar e de fazer. Os contratos típicos, isto é, de crédito, armam-se em estabelecer obrigações de dar dinheiro (moeda). Já os contratos atípicos, isto é, de mera prestação de serviços, contêm obrigação de fazer que vincula o banco. E nos contratos mistos, que envolvem créditos e serviços, como intermediação bancária no pagamento (pagamento e cobrança), intermediação bancária na emissão e venda de valores mobiliários, e no crédito documentário, assume o banco obrigações de fazer (prestação de serviço no recebimento e/ou pagamento de terceiro), as quais têm inerentes obrigações de dar, sendo a obrigação primeira e principal a de fazer.
Em sua maior parte, a atuação bancária se desenvolve sobre os contratos típicos, recolhimento e distribuição do capital, passivamente captando recursos junto à coletividade, dos quais necessita para processar sua atividade, e ativamente concedendo crédito com recursos arrecadados de outros clientes mediante as operações passivas.
Além dessa classificação, os contratos podem ser divididos ainda quanto à natureza do devedor, podendo ser público ou privado, quanto ao tempo de duração, podendo ser de curto, médio e longo prazo, quanto à natureza da garantia, podendo ser real ou pessoal, quanto ao destino dos bens financiados, de produção e de consumo e quanto à nacionalidade ou internacionalidade do crédito, segundo a posição das partes contratantes, sendo regidos por normas de um ou mais de um país.
3. A PRESENÇA DA VULNERABILIDADE NOS CONTRATOS BANCÁRIOS
O caput do Art. 4º da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) estabelece de forma clara que a política nacional das relações de consumo tem como objetivo a satisfação das necessidades dos consumidores, bem como a proteção dos seus interesses econômicos. O inciso I do mesmo artigo estabelece que o consumidor terá a sua vulnerabilidade reconhecida no mercado de consumo, o que implica na necessidade de uma proteção maior destas figuras nos contratos como um todo, para que se possa relacionar com o básico de independência no mercado de consumo.
Falar em vulnerabilidade, é dizer que determinada pessoa é considerada hipossuficiente, debilitada. A vulnerabilidade é uma característica que todos os consumidores possuem, haja vista que esta poderá ser técnica, jurídica, científica, fática ou socioeconômica, e até mesmo informacional, pois a vulnerabilidade é uma presunção material, diferentemente da hipossuficiência que é uma presunção formal.
Dentro desse aspecto, evoluiu a teoria finalista acerca de relação de consumo, cujo seu novo entendimento é no sentido de que no conceito de consumidor não se enquadra somente o destinatário final e econômico do produto, mas também aquele que, em virtude de sua enorme vulnerabilidade em face do fornecedor, merece respaldo das disposições protetistas da Lei Consumerista.
Faz-se mister trazer à baila autorizada lição dos insignes autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, CLÁUDIA LIMA MARQUES, ANTÔNIO HERMAN V. BENJAMIN e BRUNO MIRAGEM , ipsis litteris:
“Note-se que, de uma posição inicial mais forte, influenciada pela doutrina francesa e belga, os finalistas evoluíram para uma posição mais branda, se bem que sempre teleológica, aceitando a possibilidade de o Judiciário, reconhecendo a vulnerabilidade de uma pequena empresa ou profissional, que adquiriu, por exemplo, um produto fora de seu campo de especialidade, interpretar o art. 2.º de acordo com o fim da norma, isto é, proteção ao mais fraco na relação de consumo, e conceder a aplicação das normas especiais do CDC, analogicamente, também a estes profissionais.
(...)
No caso dos contratos, o problema é o desequilíbrio flagrante das forças dos contratantes. Uma das partes é vulnerável (art. 4.º, I), é o pólo mais fraco da relação, pois não pode discutir o conteúdo do contrato ou a informação recebida; mesmo que saiba que determinada cláusula é abusiva, só tem uma opção, “pegar ou largar”, isto é, aceitar o contrato nas condições que lhe oferece o fornecedor ou não aceitar e procurar outro fornecedor. Sua situação é estruturalmente e faticamente diferente do profissional que oferece o contrato. Este desequilíbrio fático de forças nas relações de consumo é a justificação para um tratamento desequilibrado e desigual dos co-contratantes, protegendo o direito daquele que está em posição mais fraca, o vulnerável, o que é desigual fática e juridicamente.” MIRAGEM, MARQUES, BENJAMIN, 2006, p. 84)
Com efeito, nos casos em que a discrepância de forças entre as partes figure de forma que a vontade de um dos contratantes se encontre seriamente coarctada em favorecimento da expressão volitiva do contratante mais poderoso (seja econômica, técnica ou intelectualmente), é perfeitamente cabível, senão indispensável, a incidência dos preceitos e princípios consubstanciados no Código de Defesa do Consumidor, de forma a proteger a parte desfavorecida, ou seja, vulnerável.
Destarte, passaremos à análise da aplicabilidade do código de defesa do consumidor nos contratos bancários, haja vista que já restou comprovada a vulnerabilidade do consumidor, configurando uma necessária proteção deste que é hipossuficiente.
4. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS CELEBRADOS COM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
Insta ressaltar, desde já, que o artigo 3.º, §2.º, do Diploma Consumerista é clarividente em dispor, de forma expressa, a inclusão das Instituições Financeiras no conceito de fornecedor, fato que enseja, indubitavelmente, na aplicação do aludido texto em suas relações com seus clientes, quaisquer que sejam, inclusive, aos contratos de empréstimos.
Sendo a instituição financeira considerada fornecedora, não há porque questionar a aplicabilidade do Código de Defesa do consumidor nestes contratos. Apesar disso, havia uma discrepância jurisprudencial sobre o tema, o que levou ao Supremo Tribunal Federal julgar uma ação direta de inconstitucionalidade ADIN 2591.
A Confederação Nacional do Sistema Financeiro que congrega a Federação Nacional dos Bancos, a Federação Nacional das Empresas Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, a Federação Interestadual das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimentos, e a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização ingressou no Supremo Tribunal Federal com a referida ação direta de inconstitucionalidade visando a desconsideração dos serviços bancários como relações de consumo.
Desta ação, o colendo Superior Tribunal de Justiça- STJ, consolidou em súmula a aplicabilidade do referido dispositivo aos contratos estabelecidos com instituições financeiras, conforme se infere do teor da Súmula 297 deste Sodalício, transcrita aqui, in verbis: “Súmula 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”
Portanto, é inquestionável que em casos em que a Instituição Financeira, detentora de imensurável poderio econômico, impõe ao consumidor condutas e práticas abusivas, devem ser aplicados os preceitos e normas constantes da lei consumerista, sendo indispensável, outrossim, a aplicação do disposto no artigo 6.º, inciso VIII, deste Diploma.
Este é igualmente, o entendimento pacificado no egrégio Superior Tribunal de Justiça conforme se infere da decisão proferida extraída dos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial 2004/0023119-7, do qual foi Relator o Ministro Humberto Gomes de Barros, in verbis:
AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. CDC. APLICABILIDADE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. IMPOSSIBILIDADE. CUMULAÇÃO DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA COM JUROS REMUNERATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. ART. 21 DO CPC. FIXAÇÃO DO QUANTUM EM FASE DE LIQUIDAÇÃO. - Aplica-se o CDC aos contratos bancários. - É defesa a capitalização mensal dos juros, mesmo que convencionada. Incide o preceito do Art. 4º do Decreto n. 22.626/33, redação não revogada pela Lei n. 4.595/64. - É lícita a cobrança de comissão de permanência no período da inadimplência, desde que não cumulada com a correção monetária (Súmula 30), nem com juros remuneratórios, calculada pela taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato (Súmulas 294 e 296). - Configurada a sucumbência recíproca, aplicável o Art. 21 do CPC. A redistribuição da verba honorária reserva-se à liquidação da sentença.
Dessa forma, a aplicabilidade do diploma consumerista nos contratos estabelecidos com instituições bancárias encontra-se comprovada, e está consolidada através de jurisprudência e súmula, conforme se pode verificar no presente artigo.
5. CONCLUSÃO
O contrato bancário é instrumento de operação de crédito o que é extremamente importante para a circulação de capital e movimentação econômica de um país. No entanto, é necessário atentar às cláusula que reguem muitas das operações bancárias de crédito. Não são raros os casos em que, devido ao desequilíbrio de forças existentes na relação contratual entre o banco e o particular, há nos contratos, a presença de cláusulas como os juros, por exemplo, cobrados muito além do considerado aceitável perante o ordenamento jurídico. Dessa maneira, é indispensável que os princípios estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor sejam exercidos afim de garantir e assegurar que os direitos dos cidadãos sejam cumpridos.
REFERÊNCIAS
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591. Disponível em: <http://www.professordelfino.adv.br/decisoes/JURISPRUDENCIA9.pdf>. Acesso em: 24 novembro 2011.
COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Cláudia L., BENJAMIN, Antônio Herman de V. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. 1311p.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Lei 8.078 de 11/09/90. Brasília, Diário Oficial da União, 1990.