Ação penal e suas espécies

11/11/2015 às 18:34
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A ação penal é o meio pelo qual se busca a aplicação da jurisdição estatal para um fato penalmente relevante, pois o Estado tem o monopólio da distribuição de justiça, sendo vedadas autodefesa ou autocomposição.

A ação penal é o meio pelo qual se busca a aplicação da jurisdição estatal para um fato penalmente relevante, pois o Estado tem o monopólio da distribuição de justiça, sendo vedadas autodefesa ou autocomposição. Em suma, traduz-se no direito de agir na esfera penal, com mesma natureza jurídica da ação civil, por meio de invocação da prestação jurisdicional, exercida perante juízes e tribunais, conforme direito constitucionalmente assegurado no art. 5º, XXXV.

Pode ser pública (com titularidade do Ministério Público, regendo-se pelo princípio da obrigatoriedade, pois, com provas suficientes e condições legais, deve-se ajuizar a ação) condicionada ou incondicionada, e privada (regulada pelos princípios de indivisibilidade e oportunidade, pois o ajuizamento da ação fica adstrito ao critério ou vontade do ofendido. Há, ainda, a possibilidade de ser privada subsidiária da pública).

AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA

Independente da forma incondicionada ou condicionada, como adiante serão explicadas, a ação penal de iniciativa pública é regida por alguns princípios intrínsecos à sua função. Eles são: obrigatoriedade ou legalidade, oficialidade, indisponibilidade, indivisibilidade e intranscendência.

A obrigatoriedade ou legalidade reside no dever do Ministério Público na propositura da ação desde que haja constatação de ato típico, ilícito e culpável realizado pelo agente, além de lastro comprobatório suficiente registrado na peça inicial da descrição do ato. De acordo com o art. 129, I, da Constituição Federal, o princípio da oficialidade decorre da necessidade da procedência e transcorrência dos atos processuais por meio de órgão oficial, na forma da lei.

A indisponibilidade vem no sentido de que, após propositura, não é mais possível dispor dessa ação, ela terá de ser levada ate seu fim pelo Ministério Público, o que não obsta o direito e o dever do órgão em alegar a improcedência da ação imposta, pedindo a absolvição dos acusados no caso:

Ressaltado deve ser que a representação é irretratável; uma vez autorizado a instaurar o processo criminal, o dominus litis passa a ter de obedecer, dentre outros, o princípio da indisponibilidade, em virtude do quê, se quiser pedir o arquivamento do feito, há de submeter ao Juiz as razões para tê-lo feito, a fim de que seja julgado. Destarte, perde a vítima ou seu representante legal, a partir do momento em que expressa sua vontade de fazer processar o infrator, a discricionariedade que lhe é conferida pelo estado, de aquilatar a defesa de seu interesse (que, neste caso, se sobrepõe ao interesse público), se a instauração do processo vai ou não lhe acarretar dano maior que o já sofrido.

A indivisibilidade vem para assegurar que, mesmo com a indicação de um só agente para a prática do crime, os outros envolvidos no ato também serão atingidos pela propositura da ação. Isto refuta a possibilidade do acionamento de responsabilidade de um dos integrantes da infração pelo Ministério Público. E, deste último princípio, decorre o da intranscendência, ou seja, a ação penal deverá atingir somente em face daqueles que realmente praticaram a ação, sem adicionar estranhos ou terceiros inocentes no processo.

A incondicionada não necessita de representação ou requisição, pois atinge, de forma contundente, o interesse geral e, desse modo, o Estado, na forma do Ministério Público, é obrigado a agir. O princípio da oportunidade também deverá ser obedecido na medida em que a propositura pelo Ministério Público é facultativa, bastando que haja constatação de prática delituosa para se propor uma ação penal. Como titular da ação, o parquet usará de discricionariedade para decidir pela propositura, ficando a seu cargo a avaliação do interesse público do ato.

Existe a ação pública condicionada, muito mais específica e rara de ocorrer. Nesta figura, o agente público ainda é titular para propositura da ação, entretanto a representação por parte do ofendido, de quem seja capaz de representá-lo ou, ainda, por requisição do Ministro da Justiça, torna-se uma condição de procedibilidade sem a qual a ação não poderá ser instaurada.

Os interesses conflitantes do ofendido e do Estado colidem, tendo-se em vista que o Estado procurará a condenação da prática delituosa, mas dependerá da avaliação de oportunidade e conveniência da vítima, nem sempre disposta a se expor perante o público. Como forma exemplificativa, pode-se citar os crimes praticados contra a honra do Presidente da República ou contra chefe de chefe de governo ou crimes praticados por estrangeiros contra brasileiros fora do Brasil. Uma vez proposta a ação, devidamente observada a condição de procedibilidade que exige, a ação prosseguirá até o fim, regida pelo Ministério Público.

No caso de morte do ofendido, representar-lo-ão o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Pode ocorrer por requisição do Ministro da Justiça. É retratável até o oferecimento da denúncia, porém, nos casos de crimes de menor potencial ofensivo, há possibilidade de transação. Essa representação poderá ser feita em até 6 (seis) meses.

Em alguns casos, por falta de elementos fundamentais ao oferecimento da denúncia, pode o ministério público requerer ao juiz a devolução dos autos de inquérito à delegacia para realização de mais diligências. A punibilidade poderá ser extinta quando o Ministério Público a entender como inexistente, requerendo, destarte, uma decisão judicial nesse sentido. O inquérito poderá ser arquivado quando, mediante requerimento do Ministério Público, o juiz concordar com esse procedimento.

Se, porém, for de encontro a esse requerimento, deverá enviar os autos para o procurador-geral. Ele, por sua vez, poderá se aliar ao juiz e arquivar os autos ou terá o poder de, ele mesmo, ajuizar a ação ou designar outro órgão do Ministério. A relação processual será inviável no momento do conhecimento de que o indiciado já responde em processo diverso, foi absolvido ou condenado pelo mesmo fato (nesse último caso, reconhece-se a coisa julgada).

AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA: DEFINIÇÃO E PRINCÍPIOS

A ação penal privada, diversamente, terá sua legitimidade residente na iniciativa do ofendido ou quem o legalmente represente, mediante queixa (o menor poderá levar ao conhecimento do juiz o fato e esse, de ofício, ou à requisição do Ministério Público, nomeará um curador especial). Pessoas jurídicas também poderão promover ação penal, porém devidamente representadas pelas pessoas que constam nos contratos ou estatutos sociais para essa específica função, ou na falta desses, pelos gerentes ou diretores. O caráter mais “pessoal” da ação penal de iniciativa privada fica evidente nos crimes que a constituem, a saber:

a) Dos crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria, arts. 138 a 145, obedecendo as restrições estabelecidas neste último artigo;

b) Dos crimes da usurpação: os de alteração de limites, usurpação de águas e esbulho possessório, art. 161, §1º, I e II, desde que não haja violência e se refira a propriedade particular.

c) Dos crimes de dano: quando há destruição, inutilização ou deterioração de coisa alheia, com por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima, como também na introdução ou no abandono de animais em propriedade alheia, art. 163, caput, parágrafo único, IV e 164 c/c o art. 167.

d) Do estelionato e outras fraudes: na fraude à execução, art. 179 e parágrafo único.

e) Dos crimes contra a propriedade intelectual: os de violação ao direito autoral, usurpação de nome ou pseudônimo alheio, salvo quando praticados em prejuízo de entidades de direito, arts. 184 a 186.

f) Dos crimes contra a propriedade industrial: contra as patentes, desenhos industriais, marcas, crimes cometidos por meio de marcas, e outros, contidos nos arts. 183 a 190 e 192 a 195 da lei nº 9.279/96, tendo em vista que tais delitos eram anteriormente estipulados no Código Penal, nos arts. 187 a 196.

g) Dos crimes contra a liberdade sexual: estupro, atentado violento ao pudor, este mediante violência ou fraude, posse sexual mediante fraude, sedução, corrupção de menores e rapto, arts. 213 a 225, obedecendo as restrições do § 1º, I e II do último artigo. 

h) Dos crimes contra o casamento: induzimento a erro essencial  e ocultação de impedimento para fins matrimoniais e o adultério, arts. 236 e parágrafo único e art. 240. Estes delitos são os estipulados pelo nosso sistema como os de natureza privada personalíssima, em que somente o ofendido exercerá o direito de queixa. E mesmo na morte ou  declaração judicial de ausência da vítima, este direito não poderá ser exercido, resultando na extinção da punibilidade.

Reger-se-ão por alguns princípios como: oportunidade, disponibilidade e indivisibilidade. A oportunidade traz o querelante à realidade da conveniência na propositura da ação. Somente propor-la-á se julgar oportuno e conveniente para seus interesses, contrariamente ao que versa o princípio da obrigatoriedade, por exemplo, no qual presente a constatação do ato delituoso há a obrigação de propor a ação.

A disponibilidade é uma regra nessa espécie de ação, pois é dado ao ofendido o direito de dispor da pretensão ajuizada. Vê-se isso na perempção, situação em que o interessado não atua no processo ou pede seu andamento por mais de 30 (trinta) dias seguidos, conforme previsão do art. 60, I, do Código de Processo Civil, combinado com o art. 107, IV, do Código Penal.

A indivisibilidade evita que a vingança pura e simples seja feita, pois, no caso de crime cometido por mais de uma pessoa, a ação é tida como indivisível e correrá contra todos os envolvidos. Na prática, a queixa apresentada contra um dos infratores acarretará a obrigação de todos os participantes do ato delituoso, conforme disposto no art. 48, do Código de Processo Penal.

O prazo para proposição da representação é de 6 (seis) meses, contados a partir da descoberta do autor da ação delitiva ou no dia em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.

ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA

Dentre suas espécies, ela pode ser de exclusiva iniciativa privada, personalíssima ou subsidiária da pública. As de exclusiva iniciativa privada são as promovidas perante queixa do ofendido ou quem tenha a qualidade para representá-lo. O interesse intimamente ligado ao ofendido, nestes casos, é mais respeitado do que o interesse público de punir, fator este alvo de críticas, pois poderia caracterizar-se na ressurreição da vindita privada. A preocupação aqui é com o possível aumento ou agravamento do sofrimento da vítima e seus familiares, evitando qualquer prolongamento aprofundamento dos horrores já vividos pela prática delituosa em si. A iniciativa privada terminará na sentença condenatória, visto que o Estado tem o monopólio do direito de punir, proibido a qualquer particular.

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A privada personalíssima só aceita que a própria vítima, e mais ninguém, proponha a ação. Este ato vem da consideração de que os efeitos do crime são de extremo foro íntimo, personalíssimos, o que legitima somente à pessoa ofendida a propositura da ação, ou seja, o juízo de pertinência da ação caberá única e exclusivamente à pessoa. É, certamente, uma exceção e pode ser exemplificada pela previsão do art. 236, do Código Penal, hipótese de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento. Devido ao seu caráter personalíssimo, não existe a possibilidade de sucessão da ação por morte ou ausência.

 A subsidiária da pública advém quando a vítima ou representante legal ajuizarem a ação, porquanto o Ministério Público não ofereceu denúncia no prazo legal estipulado (perante esgotamento do prazo para oferta da denúncia, conforme previsto no artigo 38 do Código de Processo Penal). A inércia, mesmo justificada, dá ao ofendido o direito de iniciar uma ação penal através de queixa, substituindo ao Ministério Público e à denúncia não feita. Porém, se o lapso temporal for transcorrido por motivação de arquivamento de inquérito ou devolução dos autos à delegacia para mais diligências, o particular não poderá propor a ação.

Mesmo proposta por particular, a ação não toma o caráter privado, permanecendo pública e, desta forma, o querelante não poderá intentar desistência, renúncia, perdão ou ensejo a perempção. Aceita a queixa, o Ministério Público, originalmente responsável pela ação, conforme art. 29, do Código de Processo Penal:

Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo o tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

Poderá proceder ao aditamento da queixa, oferecer denúncia substitutiva, requerer realização de diligências, produção de provas, recorrer e, a qualquer momento, com a negligência do querelante, retomar o prosseguimento da ação. Na regência da ação pelo ofendido, o Ministério Público atuará como fiscal da lei.

A ação penal privada poderá ser arquivada em situações nas quais o ofendido não ofereceu queixa dentro do prazo legal ou renunciar do direito de queixa. Ademais, se o ofendido reconhecer que o fato era atípico ou que a polícia não conseguiu localizar o autor do crime, os autos não serão arquivados, mas permanecerão em cartório até o exaurimento do prazo legal, decretando o juiz, em todos esses casos, a extinção da punibilidade.

São condições genéricas da ação a possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade das partes e, específicas, as condições de procedibilidade conforme o delito cometido. Outras modalidades de ação penal: ação de prevenção penal, essa voltada para aplicação de medidas de seguranças e as ações de impugnação, aplicáveis para sentenças penais condenatórias transitadas em julgado e Habeas corpus. A ação civil ex delicto é proposta no âmbito cível, a qual o autor da ação penal já acabada, ajuíza ação para requerer indenização pelos danos sofridos.

BIBLIOGRAFIA

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral – 17ª ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo : Saraiva, 2012.

GEORGE AGUIAR DIAS. Ação penal e sua importância social. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4568>. Acesso em: 26 de agosto de 2015

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – 16. Ed. – Rio de Janeiro : Impetus, 2014.

KARLA KARÊNINA ANDRADE CARLOS CAVALCANTE. Ação penal pública condicionada e incondicionada. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4739>. Acesso em: 29 de agosto de 2015

NUCCI, Gulherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 8ª edição, 2011.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 14ª edição, 2011. 

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Sobre a autora
Catarina Moraes Pellegrino

ACADÊMICA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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