O gritante avanço da criminalidade nos dias atuais, faz com que surjam inúmeros projetos legislativos que busquem refreá-la, dentre eles o referente à idade penal, porquanto não haveria outra forma de repressão dos ilícitos praticados por inimputáveis.
Todavia, crê-se que o problema não está inserido tão somente na imputabilidade, mas sim naqueles que nela se homiziam, recrutando jovens para a marginalidade.
Em que pese, na iminência de completar meio século, a Lei n.º 2.252, dos idos de 1954 determina que "constitui crime, punido com a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa de mil cruzeiros a dez mil cruzeiros, corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando infração penal ou induzindo-a a praticá-la" (art. 1.º), estando em plena vigência e, pelo que se infere, muito atual.
Verifica-se que a sanção irrogada não é de nada insignificante, considerando que em concurso com outros crimes, ficam inviabilizadas as benesses da Lei n.º 9.099/95.
Para Luiz Vicente Cernicchiaro [1], "a teleologia da lei busca impedir a atração de jovens (não se esgota em uma só vez) para a criminalidade", ou seja, "o elemento material, ou fato constitutivo deste delito, consiste em qualquer ação que caracteriza a co-autoria ou a cumplicidade com o menor de 18 anos, se este fosse imputável." [2]
Com acerto o legislador, em sendo impossível verificar o psíquico do menor e auferir a consumação ou não do evento danoso (corrupção), a não ser por fatores externos, como nenhum registro anterior referente à prática de ato infracional [3], considerando o cunho inteiramente subjetivo, sua mera facilitação é fato típico. "No primeiro caso, a vontade do menor se dilui na do agente; no segundo, a vontade do agente adere, secunda, acede a do menor. Facilitar a corrupção é coadjuvar, favorecer, prestar auxílio, ajudar a corrupção" [4]. Com efeito, "tem-se, pois, pluralidade alternativa de eventos típicos. O primeiro significa afetar o caráter do menor, de modo a ajustá-lo ao terreno do ilícito penal; o segundo é ensejar oportunidade para que isso aconteça" [5].
Mesmo havendo ferrenha discussão [6], trata-se de delito material, o que não significa exigir resultado material da ação criminosa. Mesmo não se enquadrando no rol dos crimes de mera conduta, verifica-se que a participação do menor em fato definido como crime, ou ainda a simples incitação, já dá ensejo à consumação do delito na forma da facilitação. O que se discute não é o perigo presumido pela própria lei, e sim a realização da conduta típica nela inserta com o verbo "facilitar". "O texto legal incrimina tanto corromper quanto facilitar a corrupção; só esta facilitação é suficiente e se verifica não só quando o maior realiza conduta criminosa com o menor, ainda não corrompido, como também quando apenas empresta colaboração à ação infratora da iniciativa do mesmo inimputável, pois assim estará a facilitar sua corrupção, aumentando-lhe a eficácia e experiência na vida tão diversificada do crime" [7].
Destarte, "o reconhecimento deste crime não depende de prova de efetiva corrupção pois esta é presumida pela potencialidade do ato, hábil a pelo menos facilitá-la, embora só posteriormente se exteriorize em fatos concretos, por estímulo ou inspiração daqueles que o menor foi induzido a praticar ou assistir" [8]. "Na hipótese, há resultado, qual seja, a probabilidade da corrupção. Lógico, a extensão do evento pode ser maior, compreendendo também a atração, o estímulo e o fornecimento de meios para a execução mostrar-se eficaz. O delinqüente não ganha carta de crédito aberta para atrair menores porque, antes, o adolescente incursionara no caminho do crime" [9]. De fato, "exigências adicionais para a tipificação são extra-legais e até esbarram no velho brocardo commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur, magis valeat quam pereat (Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduz à inutilidade)" [10].
Ademais, ao contrário daqueles que defendem a não ocorrência do fato típico quando já havia prova da perversão do menor [11], persiste o crime, pois "acentuar, concretizar, consolidar a corrupção, corrupção é". [12] Ora, "a corrupção vai se consolidando a medida em que alguém busca a colaboração do menor para a prática do ilícito penal. Não há limites estanques. Enseja graduação. A repetição da conduta delituosa vai, a pouco e pouco, corroendo a personalidade. O tipo penal se faz presente, assim, também quando o jovem é atraído, mais uma vez, para o campo da delinqüência. Não há perfeita igualdade com o crime do mencionado art. 218 do Código Penal, onde há vozes que excluem a criminalidade se a vítima estiver integrada na prática da vida sexual. Importante: o objeto jurídico é outro. Na lei nº 2.252/54 busca-se impedir o estímulo de ingresso, ou permanência na criminalidade" [13].
Por derradeiro, pelo simples prazer de argumentar, na análise do caso concreto, mormente no que tange ao concurso de crimes, há que se distinguir entre material ou formal, cuja aplicação necessariamente depende da conduta volitiva do agente.
Verifica-se, pois, pelos motivos esposados, ainda que com quase meio século desde sua promulgação, o diploma em comento não pode ser esquecido, devendo ser utilizado como instrumento de repressão às condutas típicas perpetradas em conluio de menores, quiçá diminuindo suas ocorrências.
Notas
01. Lei n.º 2.252/54. Fonte: http://www.neofito.com.br/artigos/art01/penal85.htm. Disponível em 25.09.02
02. ABREU, Waldir. A Corrupção Penal Infanto-Juvenil. Forense: São Paulo, 1995. p. 49.
03. Nesse sentido: TJRJ - APELAÇÃO CRIMINAL 1232/98 - Reg. em 15/10/98 - NOVA IGUAÇU - OITAVA CÂMARA CRIMINAL – Unânime -DES. LIBORNI SIQUEIRA - Julg: 17/09/98.
04. ABREU, Waldir. A Corrupção Penal Infanto-Juvenil. Forense: São Paulo, 1995. p. 41.
05. RECURSO ESPECIAL n.º182471. UF: PR. Julgado em 20/04/1999. SEXTA TURMA
06. Existem julgados tratando-o como crime formal: TJRJ – ACr 2086/98 – Reg. 221.098 – Cód. 98.050.02086 – RJ – 8ª C.Crim. – Rel. Des. João A. da Silva – J. 24.09.1998; e TJRJ - APELAÇÃO CRIMINAL 1232/98 - Reg. em 15/10/98 - NOVA IGUAÇU - OITAVA CÂMARA CRIMINAL – Unânime -DES. LIBORNI SIQUEIRA - Julg: 17/09/98. Outros entendem como crime de perigo: REsp 197.762/PR; e STJ, Recurso Especial n. 140.899-PR, (REG. nº 97.0050589-8), rel. Min. JOSÉ ARNALDO, DJ. 27.04.98.
07. ABREU, Waldir. A Corrupção Penal Infanto-Juvenil. Forense: São Paulo, 1995. p. 41. No mesmo sentido: Apelação criminal (Réu Preso) n. 01.001411-0, de Canoinhas. Relator: Des. Irineu João da Silva, e Apelação criminal n. 97.015819-0, de Jaraguá do Sul. Relator: Des. Nilton Macedo Machado.
08. TJRJ - APELAÇÃO CRIMINAL 1710/96 - Reg. em 11/12/97 - SÃO GONÇALO - PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL – Por Maioria -DES. PAULO GOMES DA SILVA FILHO - Julg: 23/09/97
09. RECURSO ESPECIAL n.º182471. UF: PR. Julgado em 20/04/1999. SEXTA TURMA
10. REsp 197.762/PR
11. Neste sentido: Apelação criminal n. 27.289, de Imbituba — Relator: Des. Márcio Batista; Apelação Criminal n. 99.001783-4, de Mafra. Relator: Des. Genésio Nolli; JC 58/418; RT 533/321; TJSP — RJTJSP 73/324; TRF 4ª R. – ACr 98.04.04693-8 – RS – 1ª T. – Rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa – DJU 20.05.1998; TJRJ – EI 4/97 – Reg. 130.498 – Cód. 97.054.00004 – Cabo Frio – S.Crim. – Relª Juíza Telma Musse Diuana – J. 26.11.1997; e TJRJ – ACr 2.565/98 – (Reg. 040699) – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Oscar Silvares – J. 03.03.1999.
12. RECURSO ESPECIAL n.º182471. UF: PR. Julgado em 20/04/1999. SEXTA TURMA
13. Idem.