Terrorismo na França e a volta do Direito Penal do Inimigo

21/11/2015 às 15:32
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O artigo analisa o cenário jurídico do Estado francês após os atentados do Estado Islâmico e concluí que a França seguirá o exemplo dos EUA e adotará o direito penal do inimigo visando o combate do terrorismo.

A sexta-feira 13 de novembro de 2015 entrou para a história como o início de uma nova guerra mundial ao terror, ou para alguns, já estamos vivenciando a  terceira guerra mundial. 

A primeira declaração oficial do  Governo  foi de que “a França entrou em guerra” contra o Estado Islâmico, o mais cruel grupo radical islâmico que se tem notícia.

Dias depois, a França iniciou, por meio de aviões de combate, um pesado bombardeio à Siria em alguns locais dominados por aquele grupo terrorista.

Outra medida adotada pelo presidente socialista François Hollande, afeta o campo jurídico. E é isso que queremos tratar neste artigo.

A primeira medida jurídica adotada pelo Governo francês, após os ataques de 13 de novembro, foi estender o chamado “estado de emergência” por mais três meses.

Esse estado de emergência prevê algumas medidas polêmicas, dentre elas, permite aos agentes policiais, a detenção de suspeitos e entrada em domicílios sem ordem judicial. O estado de emergência encontra respaldo na legislação antiterror francesa, que foi aprovada após os últimos ataques ocorridos em janeiro, ao seminário Charlie Hebdo.

A outra medida jurídica proposta pelo socialista Hollande será uma reforma constitucional que de mais poderes aos órgãos de investigação para combater o terrorismo.

De acordo, com matéria publicada na imprensa a  mudança constitucional anunciada prevê mais autoridade policial para perseguir e vigiar os suspeitos, endurecer as penas e dar mais poderes ao Executivo para situações de exceção, sem chegar ao estado de sítio, que implicaria ceder poder aos militares. A mudança constitucional recairá na legislação sobre o estado de emergência. Será preciso do apoio de três quintos do Parlamento. Considerando os debates recentes para aprovar medidas contra o terrorismo, o Executivo não terá problemas para levar adiante o novo pacote[1].

Essas medidas jurídicas anunciadas pelo presidente Hollande nada mais são do que a adoção pelo Estado francês do “direito penal do inimigo”.

Legislações “duras” contra o terrorismo e contra criminosos em geral, são bastante comuns em países que já foram alvos de grupos terroristas. Os Estados Unidos e a Gra-Bretanha são exemplos disso.

Nos Estados Unidos, após o 11 de setembro, o governo do republicano George Bush aprovou a chamada  Lei do Ato Patriótico (Patriot Act), que nada mais foi uma lei que restringia direitos fundamentais para supostamente combater o terrorismo.

De acordo com notícia veiculada na imprensa, há três medidas incluídas no Patriot Act que são consideradas cruciais pelas agências de inteligência: a "vigilância móvel" das comunicações de suspeitos que utilizam várias linhas telefônicas; o princípio do "lobo solitário", que permite investigar um suspeito de atividades terroristas por conta própria, e a possibilidade de acesso das autoridades a "todo dado tangível" relativo ao suspeito, incluindo e-mails.[2]

A França vai seguir o mesmo caminho de legitimação do “direito penal do inimigo”. Suspeitos de serem terroristas, poderão ser vigiados, interrogados, presos, ter conversas gravadas, e-mails vasculhados,  ter seus telefonemas grampeados pelos agentes de segurança sem a necessidade de ordem judicial.

O “direito penal do inimigo” é uma teoria jurídica desenvolvida por Gunther Jakobs, e segundo Cleber Masson, seu pensamento coloca em discussão a real efetividade do Direito Penal existente, pugnando pela flexibilização ou mesmo supressão de diversas garantias materiais e processuais até então reputadas em uníssono como absolutas e intocáveis[3].

Quem é o inimigo para Jakobs? Segundo, Masson, inimigo, para ele, é o indivíduo que afronta a estrutura do Estado, pretendendo desestabilizar a ordem nele reinante  ou, quiçá, destruí-lo. É a pessoa que revela um modo de vida contrário às normas jurídicas, não aceitando as regras impostas pelo Direito para a manutenção da coletividade. Agindo assim, demonstra não ser um cidadão e, por consequência, todas as garantias inerentes às pessoas de bem não podem ser a ele aplicadas[4].

Os “terroristas” se tornaram um exemplo de “inimigos” a serem combatidos e mortos, pelos norte-americanos , após o 11 de setembro.

Dentro dessa ótica, o “inimigo” escolhido não tem direito a ter direitos. Não goza dos direitos fundamentais previstos na Constituição, mas somente os cidadãos de bem, podem ter esses direitos.

Continua Masson, aduzindo que o inimigo, assim, não pode gozar de direitos processuais, como o da ampla defesa e o de constituir defensor, haja vista que, sendo uma ameaça à ordem pública, desconsidera-se sua posição de sujeito na relação jurídico-processual. Possível, inclusive, a sua incomunicabilidade. Em uma guerra, o importante é vencer, ainda que para isso haja deslealdade com o adversário[5].

O grande problema de legislações baseadas no direito penal do inimigo é que dependendo do governo, os alvos podem ser qualquer pessoa, mesmo aquelas que não sejam terroristas ou criminosos. Exemplificamos. Na França, a partir de agora, qualquer refugiado sírio ou qualquer muçulmano será um terrorista em potencial e os órgãos de segurança passarão a vigiar os passos dessas pessoas.

Quem não se lembra do compatriota Jean Charles que foi brutalmente assassinado pela polícia londrina ao ser confundido com um terrorista? Esse é um problema que pode acontecer. Inocentes serem confundidos com o “ inimigo” e serem presos ou até mortos.

É evidente que o Governo da França deve reagir à ameaça do Estado Islâmico, que como já dito, é um grupo terrorista muito cruel, mas entendemos que os direitos fundamentais dos cidadãos de bem, nacionais ou estrangeiros que residem na França, devem ser observados.

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É preferível que a França alie-se à Rússia e formem uma ampla coalização internacional para invadir por terra as regiões da Síria e do Iraque dominadas pelo Estado Islâmico. Entendemos que a mudança da Constituição para se adotar o direito penal do inimigo não é melhor solução, pois a longo prazo poderá atingir pessoas inocentes.

Assim, não podemos admitir que o direito penal do inimigo seja utilizado como uma álibi para se restringir os direitos fundamentais e instalar uma ditadura disfarçada.

REFERÊNCIAS

Congresso dos EUA prorroga lei antiterrorista Patriot Act. Disponível: http://exame.abril.com.br/economia/noticias/congresso-dos-eua-prorroga-lei-antiterrorista-patriot-act-2. Acesso em : 21/11/2015.

França mudará sua Constituição para combater o jihadismo. Disponível em:http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/16/internacional/1447691479_418681.html Acesso   em: 21/11/2015.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte geral – vol. 01. São Paulo: Metódo.


[1] http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/16/internacional/1447691479_418681.html Acesso   em: 21/11/2015.

[2] http://exame.abril.com.br/economia/noticias/congresso-dos-eua-prorroga-lei-antiterrorista-patriot-act-2. Acesso em : 21/11/2015.

[3] Direito Penal Esquematizado – Parte geral – vol. 01. São Paulo: Metódo, pg. 84.

[4] Idem, pg. 85.

[5] Ibidem, pg. 86.

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Sobre o autor
Márcio de Almeida Farias

Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará. Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Pará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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