Há algum tempo atrás fiz algumas considerações sobre os casos envolvendo atiradores nos EUA http://ggnnoticias.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/elefante-cinema-e-realidade,http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/os-modelos-e-seus-duplos, e http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/indiana-jones-e-a-perdicao-dos-ocidentais-por-fabio-de-oliveira-ribeiro. O tema me parece ligado a outro: a violência policial nos EUA http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/violencia-policial-nos-eua-e-no-brasil-diferencas-e-paralelismos.
Retorno à questão por causa de uma notícia compartilhada no Facebook hoje: https://www.rt.com/usa/323056-park-mass-shooting-new-orleans/.
Hoje a expressões “mass shooting” e “mass shooting in US” conduz a 26.100.000 e 68.700.000 resultados no Google. O Tsunami de informação sobre o assunto revela que a percepção do problema é grande. Estamos mesmo diante de uma epidemia de atiradores nos EUA? É difícil responder esta pergunta apenas consultando resultados na internet. Afinal, as expressões “peace in America” e “peace in US” contam respectivamente com 332.000.000 e 172.000.000 no Google.
Os números da paz são muito maiores que o dos atiradores, mas esta superioridade pode ser enganosa. Não conheço as estatísticas, mas tenho a viva impressão que nos últimos anos os casos de atiradores se tornaram mais freqüentes e mais letais envolvendo um número crescente de pessoas. O desejo de paz expresso expressado pela massiva quantidade de resultados na internet pode ser, portanto, apenas um reflexo do aumento dos casos de “mass shooting”. Algo semelhante ocorre no Rio de Janeiro, onde o movimento pela paz tem crescido e a violência se recusa a declinar.
Quais são as causas da violência nos EUA? Um delas pode ser o fracasso da comunicação interpessoal nos EUA. Dois filmes exploram este tema. Os protagonistas de The Social Network (2010) e Nightcrawler (2014) tem evidentes semelhanças. Ambos são viciados em internet e tem grande dificuldade para se comunicar na vida real. Um deles ganha notoriedade e dinheiro ao descobrir o apetite das pessoas por comunicação virtual. O outro explora as fragilidades do jornalismo para ganhar dinheiro de maneira mais ou menos desonesta e sinistra. Os personagens centrais dos dois filmes são movidos pela ganância como se esta fosse algo bom – como disse Gordon Gekko no filme Wall Street (1987) - mas apenas um deles deliberadamente comete ilegalidades.
A dificuldade de comunicação era uma característica dos filmes de Faroeste. Os brancos não entendiam os índios, os índios não se entendiam entre si, criminosos e mocinhos raramente conversavam de maneira amistosa. Os diálogos que predominavam naqueles filmes eram entre pistolas e rifles de repetição. Quem sacava mais rápido e tinha melhor pontaria colocava um final na discussão.
Hannah Arend afirma que a democracia é um regime político instável e delicado que só pode existir no espaço voluntariamente criado por pessoas diferentes. Onde os diferentes se matam não há nem diálogo, nem democracia. Não havia democracia nos Faroestes. Há uma democracia num país onde o “mass shooting” substitui as conversações amistosas?
“Quando um povo civilizado recai na barbárie, pelo retorno da insegurança, pela ruptura das pontes, o abandono das estradas, das correspondências, dos vínculos sociais, ele se torna relativamente mudo. Falava-se muito em meio a ele em prosa e em verso, por via oral e escrita; quase não se fala mais. Pode-se fazer uma idéia de quanto se gostava de conversar, no momento em que o Império romano ia findar, por diversas passagens de Macróbio, contemporâneo de Teodósio, o jovem. Em suas Saturnais (compostas inteiramente em diálogos), um dos interlocutores diz ao outro: ‘trata teu escravo com doçura, admite-o de bom grado na conversação’.Ele censura o costume , raro em sua época, ao que parece, dos que não permitem a seu escravo conversar com eles ao servir a mesa.” (A Opinião e as Massas, Gabriel Tarde, Martins Fontes, São Paulo, 2005, p. 115).
Recair na barbárie foi algo que ocorreu aos romanos. Algo semelhante está ocorrendo aos norte-americanos? Esta pergunta é mais difícil de responder do que qualquer outra.
A impossibilidade de comunicação parece ter acarretado o mais espetacular caso de violência policial dos últimos tempos nos EUA. Um garoto autista foi morto por policiaishttp://www.cbsnews.com/news/autistic-6-year-old-shot-killed-during-police-pursuit-in-louisiana-report-says/. O autismo dos legisladores dos EUA é evidente. Eles se recusam a controlar a venda de armas, preferindo culpar os pistoleiros e/ou as vítimas à dificultar o acesso a armas de fogo e munição.
Curiosamente, estes mesmos legisladores se comunicam muito bem com os lobistas das fábricas de armamentos que financiaram suas campanhas e com os eleitores que desejam continuar armados. A democracia dos EUA funciona, mas o espaço para o diálogo me parece bastante limitado quando as propostas dos desiguais são sempre derrotadas pelas dos “mais iguais”. Ainda bem que a nossa democracia não funciona como a shootingcracia norte-americana.
Coloquem seus óculos 3D, os assassinatos em massa continuarão sangrando os EUA. De fato eles constituem um filão importante e rentável do jornalismo lá e cá. Next...