A proteção do direito à vida dos nascituros no Brasil e as Convenções sobre Direitos Humanos.

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Resumo:


  • Convenção dos Direitos das Crianças reconhece o direito à vida desde a concepção.

  • Legislação brasileira, como a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, garante a proteção do direito à vida das crianças.

  • Ministério da Saúde emitiu portarias relacionadas ao aborto, gerando polêmicas sobre a legalidade dos procedimentos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O direito mais importante é o direito à vida, o fundamento de todos os direitos. E, portanto, o direito à vida das crianças é o direito humano mais valioso pela sua condição de pessoa em desenvolvimento físico, social e espiritual.

I – INTRODUÇÃO

            O direito mais importante é o direito à vida, o fundamento de todos os direitos. E, portanto, o direito à vida das crianças é o direito humano mais valioso pela sua condição de pessoa em desenvolvimento físico, social e espiritual.

            Nesse contexto, este artigo visa dar um panorâma da proteção dos direito à vida das crianças não nascidas (nascituros) no Brasil. Primeiramente, abordaremos o marco inicial desse direito, de acordo com as Convenções Internacionais sobre direitos. Depois o quadro legislativo de proteção desse direito no Brasil. Em seguida, a proteção realizada pelos juízes e tribunais do país e as medidas administrativo-políticas que podemos anotar nesse contexto, em especial a atuação do Ministério da Saúde.

 

II – MARCO INICIAL DO DIREITO À VIDA.

 

            Preliminarmente, cumpre destacar qual é o marco inicial do direito à vida das crianças, isto é, quando começa a vida humana e como é considerada esta vida do ponto de vista do direito internacional e nacional.

            A Convenção dos direitos das crianças assinala que todas as crianças tem direito à vida (art. 6)[1]. Considera-se criança as pessoas “tanto antes como após o seu nascimento”, conforme previsto no preâmbulo da Convenção[2]. Este dado se corrobora pela extensão do conceito de criança, para efeitos da convenção considerando como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes” (art. 1, da Convenção), sem que haja uma delimitação quanto ao início desse processo vital. Ora, como o início do processo vital se dá com a concepção, logo, este é o marco inicial da pessoa e, portanto, da vida de uma criança[3].

            As crinças são dotadas de personalidade jurídica e, portanto, são sujeitos de direitos e deveres, ainda que não tenham a capacidade civil para atuar em nome próprio, mas, sim, representados.[4]

            Nesse sentido também podemos citar o Pacto de São José da Costa Rica que define que todo o ser humano é pessoa[5] e que a vida deve ser protegida desde a concepção. Logo, a pessoa tem seu marco inicial com a concepção, portanto, a partir desse momento tem reconhecido o seu direito à vida[6]. O processo que se inicia com a concepção é um processo contínuo, gradual e coordenado de desenvolvimento de um ser humano e, portanto, de uma pessoa humana. Destacar artificialmente estágios nesse desenvolvimento único que vai desde de a concepção até a formação completa da pessoa humana é um erro científico, filosófico e jurídico grave[7].

            Dessa forma o aborto voluntário está vedado pela Convenção e pelo Pacto de São José da Costa Rica, já que seria uma grave violação dos direitos humanos, isto é, a morte de um ser humano inocente no seio de sua mãe[8]. Há que se ressaltar ainda o dever de cuidado dos pais e o interesse superior dos direitos das crianças como princípios fundamentais adotados pela Convenção de Direitos das Crianças[9].

            A Corte Interamericana decidiu de forma inesperada, em contradição com a sua própria jurisprudência, em caso único, que a vida teria como março inicial, com base no Pacto de São José da Costa Rica, a nidação e não a concepção[10]. Contudo, está mesma decisão é bastante questionável do ponto de vista jurídico, considerando a literalidade do texto da Covenção Interamericana e Direitos Humanos, que é clara ao falar de concepção, que é um conceito científico diverso de implantação no útero (nidação), bem como o fato biológico de que na concepção já estão presentes todos os elementos característico de uma pessoa, qual seja, a presença do código genético humano, que caracteriza uma pessoa com características irrepetíveis, cujo processo vital se inicial neste mesmo momento.[11] Ademais a decisão não tem efeito erga omnes.

            Dessa forma, criança é todo o ser humano já concebido até os seus 18 anos completos, nos termos da Convenção dos Direitos das Crianças e do Pacto de São José da Costa Rica. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos e deve ser defendido e promovido de forma incisiva pelos Estados Partes.

 

III –  A LEGISLAÇÃO PROTETIVA DO DIREITO À VIDA DAS CRIANÇAS.

 

            No Brasil a Constituição Federal de 1988, com base na Declaração dos Direitos da Criança, vez previsão do art. 227, que garantiu a primazia “absoluta” dos direitos da crianças, dentre eles o direito à vida, vejamos o teor do referido artigo:

 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

 

Está norma de feliz iniciativa dos Constituintes, pode-se dizer, confere status constitucional aos direitos das crianças, pois enfeixa um rol extenso de defesa e proteção das crianças em sede do texto constitucional e, portanto, são direitos fundamentais das crianças brasileiras.

Logo em seguida ao texto Consttiucional, de 5 de outubro de 1988, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (13 de julho de 1990) como forma de dar cumprimento à Convenção dos Direitos da Criança assinada pelo Brasil. O ECA prevê em seu artigo 7º que deverá ser adotada polícias que “promovam o nascimento”[12]. Assim de forma implícita, garantiu-se o direito à vida das crianças desde a concepção que é o marco inicial da gestação e da vida humana.

De outra sorte, em 21 de novembro de 1990 foi promulgado o próprio texto da Convenção do Direitos da Criança pelo Decreto nº 99.710, que no Brasil tem status normativo de supralegalidade, ou seja, está em nível somente inferior à Constituição e superior as demais leis, em razão de versar sobre direitos humanos[13]. Dessa forma, a Convenção derrogou o Código Civil na parte que não recolhece personalidade jurídica ao nascituro, esi que todo o ser humano é pessoa para efeitos do Pacto de São José da Costa Rica.

O aborto é considerado crime no Brasil, de forma explítica, desde o Código Penal do Império de 1830 (art. 199). O Código Penal vigente (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) estabelece o aborto como crime nos casos de auto-aborto e aborto consentido em seu art. 124[14]; aborto realizado por terceiro, com ou sem o consentimento da gestante (artigos 126 e 125, do CP[15]). Não se pune o aborto praticado por médico nos casos de estupro e risco da vida para a mãe, conforme prevê o art. 128 do CP[16]. A Corte Constitucional Brasileira (Supremo Tribunal Federal) considerou que o aborto de uma criança anencéfala não é crime, conforme decisão na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 54.[17]

O Projeto de Lei do Senado - PLS nº 236, de 2012 que trata da Reforma do Código Penal na sua primeira versão ampliava o rol de casos permitidos de aborto, inserindo a possibilidade do aborto por risco à saúde da mãe, para outras casos de doença do feto que inviabilizem a vida extra-uterina e para o caso de fertilização artificial não consentida[18].

Em todos esses casos o direito fundamental à vida está sendo relativizado em face de interesses de menor grau valorativo, em desfavor da vida de um ser inocente. A ponderação de direitos deve priorizar a manutenção do núcleo essencial do direito fundamental, que no caso é a própria vida. Logo, os outros direitos, como o direito à saúde e intimidade da mãe, não podem ser utilizados como fundamento para se autorizar o aborto de uma criança.

Outro Projeto de Lei de autoria do Deputado Jean Willys (PL 882/2015), querendo garantir um hipotético direito de decidir sobre a interrupção da gravidez durante as primeiras doze semanas da gestação, como se a vida do bebê pertencesse a mulher. Busca revogar ainda esse os Artigos 124, 126 e 128 do atual Código Penal, fazendo com que o aborto deixe de ser crime, em qualquer circunstância, exceto quando realizado contra a vontade da gestante. Autorizando o aborto em qualquer fase da gravidez. O texto deve ser reprovado pois viola os direitos humanos do nascituro já consagrados na convenções de direitos humanos citadas e a garantida do direito inviolável a vida dos nascituros presente no art. 5º, caput, e 227 da Constituição Federal. 

Verifica-se, portanto, que a cultura do aborto está bem disseminada no país, com tentativas legislativas e judiciais de ampliação do rol de violações desse direito, apesar dos protocolos internacionais assinados pelo Brasil, como a própria Convenção dos Direitos da Criança e o Pacto de São José da Costa Rica estabelecerem o contrário.

De outra sorte, não se tem presente na campanha favorável a despenalização do aborto que o próprio aborto é um mal físico e psíquico que pode causar danos irreparáveis à vida da mulher[19].

Contudo, há movimentos da sociedade civil que lutam pela defesa desse direito inviolável, podendo ser citado pela abrangência e pela atuação o Movimento Brasil Sem Aborto, que congrega cientistas, políticos, e cidadãos em geral na defesa da vida desde a concepção.[20]

Este movimento encabeça a aprovação do Projeto de Lei nº 478, de 2007, entitulado Estatuto do Nascituro, no qual se prevê a proteção do embrião mesmo concebido na fecundação in vitro, bem como a possibilidade da adoção da criança concebida por estupro e uma pensão para a mulher necessitada vítima da violência sexual que venha a ter o filho[21].

IV – A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA DEFESA E PROMOÇÃO DO DIREITO À VIDA DAS CRIANÇAS.

 

            Infelizmente a Corte Suprema do Brasil (STF), que deveria ser a guardião do direito à vida dos seus cidadãos, tem julgado de forma contrária aos interesses dos menores e autorizado casos de exceção aos direitos garantidos nos Pactos Internacionais de Direitos Humanos.

            Na já citada ADPF 54 julgou pela possibilidade do aborto de crianças anencefálicas com base em conjecturas sobre a inexistências de vida humana ou de vida humana inviável. A decisão abriu um caminho perigoso contra os direitos das crianças deficientes, que conta com uma Convenção Específica adotada pelo Brasil com força de emenda constitucional (art. 5º, §4º da CF/88), que protege o direito à vida das crianças com deficiência física.

            A anencefalia é uma má formação do cérebro da criança que conduz a uma morte prematura. A morte prematura não é capaz de anular o direito à vida da criança anencéfala, nem mesmo autorizar a sua morte antecipada[22]. Está decisão abriu caminho para que outros casos de má formações congênitas possam ser alegadas como justificativa para o aborto[23].

            Em outro momento o STF considerou válida lei que autoriza a utilização de embriões congelados em pesquisas científicas com céludas-tronco na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510/DF – Distrito Federal[24]. Essa decisão, por sua fez, relativizou o início da vida humana e os direitos das crianças em fase embrionária, indevidamente congeladas em processos de fertilização in vitro, outra grave violação dos direitos humanos das crianças permitida no Brasil e em diversos países. A decisão considerou o embrião e o feto como não pessoas humanas. Ademais, o controle das doações de embriões congelados para experiências é falho, pois não se sabe para o que estão sendo utilizados e se o número divulgado pelo órgãos controlador (ANVISA) é verdadeiro[25]. Em todas essas decisões a força dos meios de comunicação na formação da opinião pública atuaram de forma insidiosa[26]. O Poder Judiciário repercutiu de forma indevida os clamores dos meios de comunicação em descompasso com a vontade da maioria da população que é contrária ao aborto, conforme pesquisas de opinião.[27]

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V – A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL.

            O Ministério da Saúde tem sido omisso na defesa dos direitos do nascituro e mesmo conivente com a campanha abortista no país. Isto se verifica com a edição de Portarias que visam facilitar o aborto e mesmo ampliá-lo sem base legal. Podemos citar a Portaria n° 415, de 21 de maio de 2014, que inclui o procedimento de aborto em toda a rede do SUS, possibilitando a realização de abortos ilegais no Sistema Unico de Saúde, que é o sistema público do Brasil[28]. A Portaria foi revogada logo em seguida, considerando os riscos criados para a realização de abortos em casos ilegais[29].

            Também foi autorizada o acesso indiscriminado à pílula do dia seguinte como forma antigestatória[30]. Verifica-se, contudo, que os dados médicos mais confiáveis é de que a pílula do dia seguinte tem efeitos abortivos, na medida em que podem impedir a nidação e, portanto, a fixação do zigoto no endométrio.[31]

            Toda essa celeuma se deu pela aprovação da Lei nº 12.845, de 2013, que adotou uma linguagem equivoca ao acentuar no texto a expressão “profilaxia da gravidez”. O termo gera grande discussões, pois a gravidez não é considerada uma doença e a sua utilização possibilita a realização do aborto no Sistema de Saúde Público do Brasil. Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei nº 6.022, de 2013 que visa alterar a Lei nº 12.845, de 2013, em vista de sua indireta repercussão na fragilização do direito à vida das crianças nascituras.

Convém destacar neste ponto que a Corte Suprema de Justiça da Argentina julgou que o fármaco “Imediat”, anticoncepcional de emergência, “posee efectos abortivos, al impedir el anidamiento del embrión en sua lugar proprio de implantación, el endometrio.” E, portanto, não poderia ser fabricado, distribuído e comercializado no país, por caracterizar o aborto de uma criança, eis que “os pactos internacionales contienen cláusulas especifícas que resquardan la vida de la persona humana desde del momento de la concepción.” E “además todo ser humano a partir de la concepción es considerado niño y tiene el derecho intrínseco a la vida (arts. 6.1 de la Convención sobre Derechos de los Niños)[32]

            No Brasil, o Governo Federal e os movimentos abortistas utilizam o discurso quanto à necessidade da legalização do aborto, em face do índice elevado de mortes por aborto clandestino no Brasil. No entanto, o próprio Ministério da Saúde admite que o número de mortes seja de aproximadamente 250 mulheres por ano, o que representa apenas 1% das mortes de mulheres no país. A legalização do aborto gerará um número elevadíssimo de mortes, como se pode perceber na realidade de outros países[33].

            Acresce-se a esse dado o número de aborto não contabilizados pelas estatísticas fruto da utilização de anticoncepcionais abortivos tais como : a) as pílulas anticoncepcionais, pois causam abortos precoces na maior parte das vezes; b) as minipílulas, as pílulas do dia seguinte (já assinalado); c) os contragestativos (RU-486, o misoprostol, as prostaglandinas, a vacina anti-hCG e a vacina anti-TBA); d) abortivos injetáveis ou por inserção como o Norplant e a Depo- Provera; e) todos os dispositivos intra-uterinos (DIU)[34].

 

VI – CONCLUSÃO

 

            Como se pode perceber, a defesa do direito à vida das crianças não nascidas no Brasil é precário. Primeiramente, pela falta da adoção pelo Estado Brasileiro do critério científico e jurídico adequado quanto à proteção dos nascituros, o que gera decisões legislativas, judiciais e político-administrativas em descompasso com o direito à vida das crianças. De outra sorte, também se confude a população com o discurso de que os seres humanos em processo de desenvolvimento embrionário não são pessoas e, portanto, estão excluídos da proteção legal de vida. Alega-se, ainda, de que os “direitos reprodutivos” das mulheres estão acima do valor vida das crianças[35].

            Em segundo lugar, a proteção é precária pela falta de uma campanha que promova a conscientização dos males do aborto e da importância da vida humana, seja qual for o seu estado. Uma política de valorização da vida intra-uterina e conscientização do valor da pessoa humana é um dos deveres do Estado Brasileiro já que está obrigado pela Convenção de Direitos das Crianças a proteger de forma efetiva do direito à vida da criança, ainda que em relação a ofensas de terceiros, mesmo no caso da ação criminosa da própria genitora.

As normas de proteção de direitos humanos fundamentais, em especial a inviolabilidade do direito à vida das crianças, tem natureza de ius cogens no direito internacional e, portanto, deve ser aplicada por todos os Estados, pois são inderrogáveis, emperativas, e independentes de normas constitucionais em contrário[36]. Há, portanto, um dever de proteção assumido pelo Estado Brasileiro decorrente da Convenção e também da própria natureza do direito humano à vida que é reconhecido pela Constituição Brasileira como um direito humano fundamental (art. 5º, caput, e art. 227, já citado). Fato esse reconhecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos na Opinião Consuntiva nº 17, de 2002, que determina o dever de proteção erga omnes dos direitos fundamentais das crianças.

 

Leslei Lester dos Anjos Magalhães

Advogado da União, Mestre em Direito Constitucional, Diretor Cultural da ANAJUR.

*Informe apresentado no curso Diplomatura en Promoción y Protección de los Derechos Humanos realizado pela Universidade de Zaragoza (Espanha) e InterMedia Social Innovation (Itália). Julho de 2014, atualizado para esta publicação.

 

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Sobre o autor
Leslei Lester dos Anjos Magalhães

Advogado da União, Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (1998), Mestre em Direito Constitucional pelo IDP (2010), autor do livro: O princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida. Saraiva : São Paulo, 2012.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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