DELIMITAÇÃO DO TEMA..
É consabido que o tema não é pacifico na nossa Jurisprudência, bem como na Doutrina. Não há uma sólida posição que conduza com certo acerto a um consenso sobre o tema em diapasão.
Inobstante tal fato, uma grande parte da Doutrina vem se acostando na tese de ser impossível à Defesa do acusado, quando do seu julgamento pelo Júri Popular, modificar o seu entendimento defensivo na tréplica. Para sustentar este entendimento, escuda-se no fato, que haveria um evidente cerceamento no direito do Ministério Público em rebater tais afirmações, incorrendo em uma inobservância do princípio constitucional do contraditório.
Doutra banda, os que pregam ser possível tal situação, trazem à lume o principio da ampla defesa. Princípio norteador e constitutivo do próprio procedimento do Júri para referendar seu entendimento.
Sucintamente é este o ponto nevrálgico da questão, que adiante se irá debulhar. Diante desta celeuma, encontra-se um Judiciário atônito e dividido, ora entendendo ser possível a mudança de tese, ora negando vigência a este procedimento defensivo.
DA POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO DA TESE.
Exposto a problemática que o tema suscita, passamos a delineá-lo. Antes é de se registrar que data venia aos que discordam, somos pelo entendimento de ser possível tal inovação.
Como exposto supra, os que entendem ser não lograr êxito tal mudança, utilizam como argumento, que se o Magistrado presidente do Júri formular um quesito lastreado em uma tese de defesa que aportou no julgamento plenário quando esta tinha a palavra na tréplica, haveria um prejuízo para o direito de acusação, pois não teria oportunidade para rebater o que fora sustentado pela defesa. Desta feita, infere-se uma violação ao principio do contraditório, e neste sentido já se decidiu:
CRIMINAL – RECURSO ESPECIAL – JÚRI – NULIDADE – NÃO-INCLUSÃO DE QUESITOS A RESPEITO DE PRIVILÉGIO – INOVAÇÃO DE TESE DEFENSIVA NA TRÉPLICA – IMPOSSIBILIDADE – OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO – RECURSO DESPROVIDO – I. Não há ilegalidade na decisão que não incluiu, nos quesitos a serem apresentados aos jurados, tese a respeito de homicídio privilegiado, se esta somente foi sustentada por ocasião da tréplica. II. É incabível a inovação de tese defensiva, na fase de tréplica, não ventilada antes em nenhuma fase do processo, sob pena de violação ao princípio do contraditório. III. Recurso desprovido. [1]
Inegavelmente é de se registrar, como não podia ser, que agindo desta forma a defesa não deixa oportunidade do Ministério Público rebater as alegações articuladas na tréplica, inovando de tese ou não, o que fora ali proferido ficará sem resposta ou contraditório. Mas, inovando a tese defensiva, pode o Magistrado formular quesito aos jurados baseados no que fora sustentado pala defesa, mesmo sendo um ato supostamente atentatório ao principio do contraditório? Entendemos que sim.
UMA VISÃO AMPLA SOBRE O TEMA COMO MEIO DE DESLINDE.
Para que se possa entender este nosso ponto de vista, primordialmente, faz-se necessário tecermos algumas considerações de suma importância.
Primeiramente, não podemos seccionar o problema, observando-o simploriamente por um fato isolado. Não basta observar se a tese foi inovada ou não na tréplica, descuidand-se de proferir uma análise de todo o enredo que envolve a questão, pois caso assim procedamos, chegaremos indubitavelmente a uma resposta simplista e automática, de não ser possível esta inovação.
Temos que ter em mente que se trata do Tribunal do Júri e, dada às peculiaridades deste procedimento, é que se faz imperioso uma visão mais acurada do problema como um todo, mais abrangente e percuciente que a observância limitada da suposta desatenção ao principio do contraditório.
Ademais, pelo bem em disputa neste procedimento, faz-se premente uma redobrada atenção aos seus princípios norteadores. Pois neste, está em jogo um dos bens mais valiosos do ser humano, o seu status libertatis. Neste sentido é a honrosa lição de José Frederico Marques, cujo abalizado escólio preleciona:
"O Júri, consagrado que está como garantia constitucional, é um órgão judiciário que a Constituição considerou fundamental para ao direito de liberdade do cidadão.
....... mais adiante..... . .
Foi para garantir o direito de liberdade que o Júri acabou mantido pela Constituição vigente. Sendo assim, o que marca, de maneira específica e própria, como órgão judicante, a atividade jurisdicional, é a sua qualificação de instituto destinado a tornar mais sólido e inquebrantável o direito individual de liberdade." [2]
Entendendo sua mecânica democrática e sua razão de ser, é que baseamos o nosso entendimento na possibilidade do surgimento de nova tese no momento da tréplica.
O nosso entendimento também já encontrou eco na jurisprudência do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, como abaixo:
APELAÇÃO CRIMINAL – JULGAMENTO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI – NULIDADE – CONTRADIÇÃO ENTRE RESPOSTAS AOS QUESITOS – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO INCLUSÃO DE TESE LEVANTADA EM PLENÁRIO, NA TRÉPLICA – PROIBIÇÃO DE INOVAÇÃO DE TESE QUANDO DA TRÉPLICA – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA – RECURSO PROVIDO PARA QUE SEJA DECLARADA A NULIDADE DO JULGAMENTO – VOTAÇÃO UNÂNIME – Tréplica não significa somente rebater as teses levantadas pela acusação, podendo a defesa, para garantir o jus libertatis, inovar, trazendo tese que lhe convier – Instalada a nulidade, novo julgamento deverá ser realizado pelo Tribunal do Júri. [3]
Ora, para demonstrar ou caracterizar uma nulidade é primordial que se faça presente um prejuízo para aquele que a argüir. No caso em tela, os papéis a serem desenvolvidos em plenário do Júri, já são anteriormente delineados.
O Ministério Público através de seu representante, ira sustentar o libelo crime acusatório, onde se estampa e se discrimina os passos que este irá percorrer em plenário, sendo nulo o julgamento caso este se esquive ou suscite em plenário matéria não constante neste libelo.
Já a Defesa, a própria Lei Penal, dispensa que o libelo seja contrariado antes da sessão de julgamento, pois o Réu irá opor sua defesa, pela dogmática do júri, oralmente em plenário, podendo, até, oferecer várias teses, desde que não colidam.
DO CONFLITO DE PRINCÍPIOS.
No caso vergastado é evidente que há um choque de conflitos que se materializa no embate de dois princípios, quais sejam: o principio do contraditório e o principio da ampla defesa. Como toda resolução de conflitos deve se chegar a um denominador comum para satisfazer a própria essência do direito. Alhures salientamos que o principio da ampla defesa não pode ser observado isoladamente, não pode, apenas, o aplicador da lei penal, observar se o principio do contraditório foi espancado, para que aquele seja preterido em razão deste.
Como bem pondera o mestre em direito penal e Promotor baiano Vladimir Aras, este principio não tem eficácia absoluta, vejamos:
"Todavia, não são garantias absolutas. Há situações em que o contraditório (acusação e defesa, prova e contra-prova) não pode ser garantido desde logo, tendo sua aplicação diferida. É o que ocorre, por exemplo, com o procedimento de interceptação de comunicações telefônicas, regulado pela Lei n. 9.296/96, em que não se pode em nenhuma hipótese anunciar previamente ao investigado a realização da diligência de escuta judicialmente autorizada, sob pena de total insucesso da investigação criminal.
Para o Supremo Tribunal Federal, a garantia do contraditório não vigora, também, nos pedidos de quebra de sigilo bancário, porquanto em tais situações o anúncio da disclosure poderá levar à mobilização de somas em dinheiro e sua conversão em ativos móveis, o que dificultaria sobremaneira a reparação do dano ou o eventual seqüestro dos bens." [4]
Tendo como norte a própria exegese do Tribunal do Júri, ao sopesar estes princípios deve prosperar o da ampla defesa devido ao que está em jogo, ou seja, o jus libertatis do Réu. Esta não é uma assertiva dialética, mas apenas uma interpretação, não estrita deste princípio isolado, mas lata de todo o sistema dogmático adotado no procedimento do Júri.
CONCLUSÃO
Diante das ilações supras, chegamos ao corolário lógico que a injução legal inserta na Carta Magna, que consignou a amplitude de defesa em plenário, em favor do Réu, como princípio norteador basilar da própria instituição do Júri, não se pode falar que tal princípio não seja absoluto. Ademais por um estudo ontológico de sua gramática já se faz satisfeita a dúvida sobre sua imposição, como bem descreve o Aurélio: "Sem restrições; ilimitado." [5]
Qual é o prejuízo da inovação de tese na tréplica? Pois a tese do Ministério Público será sempre una e indissociável ao libelo crime acusatório. Não é papel do Ministério Público rebater a tese da Defesa, e sim, a Defesa rebater o libelo crime acusatório com todos os meios e a ela inerentes, conforme expressa dicção normativa.
É com inteiro acerto que: "mais grave do que ofender uma norma é violar um princípio". Arremata o prof. Vladimir Aras, que: "aquela é o corpo material, ao passo que este é o espírito, que o anima.
A letra mata; o espírito vivifica." [6]
Notas
01. STJ – RESP 65379 – PR – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 13.05.2002, g.n.
02. José Frederico Marques. A Instituição do Júri, pp. 100-101.
03. . TJSP – ACr 252.366-3 – São Paulo – 3ª C.Crim. – Rel. Des. Luiz Pantaleão – J. 03.12.1999 – v.u., g.n.
04. Vladimir Aras - Princípios do Processo Penal, in Revista de Direito Penal – www.direitopenal.adv.br.
05. Aurélio Buarque Holanda Ferreira - Dicionário Aurélio Eletrônico, Século XXI, versão 3.0, novembro de 1999, Lexicon Informática Ltda.
06. idem.