No Brasil existem duas categorias de empregados que não possuem direito a horas extras: (1) os que exercem atividades externas que sejam incompatíveis com a fixação de horário de trabalho e (2) os exercentes de cargo de gestão.
"Não ter direito a horas extras" equivale dizer, na prática, que o empregador poderá exigir do funcionário diariamente uma quantidade de horas de trabalho muito superior à jornada padrão de oito horas. Pode ter que trabalhar, por exemplo, 10, 12 ou até 14 horas sem qualquer direito a uma contraprestação pecuniária, ou seja, a "horas extras", e tamanha carga de trabalho pode ser extremamente prejudicial ao trabalhador, a sua família e indiretamente a própria sociedade. Por isso, trata-se de uma grave limitação de direitos e que precisa ser interpretada de maneira restritiva, evitando incluir nessas condições empregados cujas atividades não se amoldem perfeitamente às exigências da CLT.
Neste momento vou abordar a situação dos "exercentes de cargo de gestão". Ao relacionar os empregados que não possuem direito à jornada de trabalho de 8 (oito) horas, o inciso II do artigo 62 da CLT diz: "os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial". De uma leitura apressada e superficial desse dispositivo, pode parecer que basta ocupar cargos denominados de "gerente", "diretor", "chefe de departamento" ou "chefe de filial" para automaticamente perder o direito a remuneração pelas horas suplementares trabalhadas. Aliás, tendo por experiência o dia a dia dos tribunais e a prática da advocacia trabalhista, parece que essa é a esdrúxula interpretação que muitas empresas fazem. Entretanto, o equívoco é evidente.
Não é o nome dado ao cargo que irá determinar se o empregado que o ocupa estará excluído do direito à limitação da jornada de trabalho ou não. Na verdade, o nome do cargo pouco importa. O referido dispositivo deixa bem claro que o importante é "exercer cargo de gestão". Conseqüência disso é que deverão ser analisados, caso a caso, quais são as verdadeiras atribuições, responsabilidades e poderes pertinentes ao cargo ocupado pelo empregado. Isso revelará se ele pode ser enquadrado como um "gestor" ou não.
Alguns aspectos são cruciais nessa análise, por exemplo: o empregado possuía subordinados? Podia contratar, demitir, abonar faltas, marcar férias ou promover os subordinados? Tomava decisões capazes de comprometer o futuro da empresa? Podia fixar as metas a serem perseguidas por seus liderados? Possuía autonomia no controle das atividades desempenhadas por outros empregados? Recebia um nível de fidúcia capaz de aproximá-lo à figura de seu empregador? Era a autoridade máxima no local onde desempenhava suas funções? Podia contrair obrigações em nome do empregador? Podia alterar as condições dessas obrigações ou mesmo rescindir contratos? Tinha remuneração no mínimo 40% superior as dos demais empregados?
Infelizmente é comum observarmos muitas empresas que, de maneira indevida, usam a estratégia de enquadrar alguns de seus empregados nisso que deveria ser uma exceção, incutindo em suas mentes que eles ocupam "cargo de confiança", fazendo com que trabalhem muito além das oito horas diárias, sem nada receber por isso, pois a remuneração diferenciada serve como contraprestação pelas maiores responsabilidades do cargo e não para acobertar longas e exaustivas jornadas de trabalho.
Uma das conseqüências dessa odiosa prática empresarial, é que os tribunais trabalhistas estão repletos de casos em que não reconhecem o tal "cargo de confiança", ou "cargo de gestão", por entender que o empregado não possuía verdadeiros poderes de gestão, e consequentemente condenam muitas empresas a remunerar pelo serviço prestado além da oitava hora diária de labor.