Em caso de decisão proferida por magistrado de primeira instância, e a mesma, em grau de recurso, sendo distribuida a Desembargador, seu pai, este não terá a obrigação de se declarar impedido ou suspeito, já que esses institutos não se aplicam a esse caso. Também, não poderá ser proposta a correspondente exceção pelas partes.
INTRODUÇÃO
A presente discussão, teve como nascedouro, debate ocorrido nos corredores da Faculdade de Direito de Anápolis-GO, com dois outros grandes juristas.
Na verdade, é um posicionamento ousado, haja vista que o direito tradicional, se retrai, em se tratando de novas teses, ou ainda, quando na verdade, a lei é interpretada em sua verdadeira essência.
Em um primeiro momento, a situação ora comentada, tem uma resposta imediata e tradicional, qual seja: É óbvio, que em se tratando de magistrado que decide em primeiro grau, sua decisão posta na Segunda Instância, jamais poderá ser julgada por Desembargador, seu pai, isso presume a suspeição e/ou impedimento do Desembargador.
Em que pese os entendimentos dos ilustres colegas de academia, e ainda, o entendimento de uma série de outros juristas, dentre eles, advogados, promotores de justiça, procuradores e Desembargadores, não há como concordar com esse raciocínio.
E é esse o centro do presente trabalho, afinal, quando pensamentos de renomados disciplinadores se chocam, tendo como debate, a lei, exige-se um estudo mais aprofundado, observando os princípios do processo, a supremacia da constituição, para que dúvidas, se porventura existirem, sejam possivelmente dirimidas.
Assim, desenvolve-se esse raciocínio, tendo como premissa os fundamentos do direito, mas sobretudo a lógica do processo, em especial, do processo civil brasileiro.
DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO
Prima facie, não se poderia deixar de entender esses dois institutos, posto que para afasta-los da lógica real do caso em análise, necessário se faz sua eficaz compreensão.
Segundo Celso Agrícola Barbi, "O impedimento constitui uma proibição, dirigida ao juiz, de funcionar nas causas em que acontecem as circunstâncias enumeradas no citado art. 485, item II, que admite ação rescisória contra ela. A suspeição, diferentemente, se configura por circunstâncias em que o juiz tem o dever de se afastar da causa. Não o fazendo, a parte pode impugnar a sua atuação. Mas se o juiz não se considerar suspeito, e a parte não alegar, no prazo e forma legais, a suspeição, o defeito deixa de produzir qualquer conseqüência jurídica no processo; os atos e a sentença que ele proferir serão válidos. É como se o defeito não tivesse existido ou ficasse sanado."
Fica definido então, isso em plena situação jurídica, que o impedimento é uma situação mais grave do que a suspeição.
Observa-se assim, que para o caso de impedimento, os casos definidos em lei, pelo art. 134 do CPC, são de ordem estritamente objetiva, dizendo respeito diretamente à pessoa do magistrado.
Já na suspeição, a qual poderia ser confundida com o impedimento, são de ordem subjetiva, agora se afastando da pessoa do magistrado, mas residindo em possíveis interesses do mesmo no desfecho da lide.
A título de esclarecimento, deve-se aqui, transcrever os arts. 134 e 135, para ilustrar com clareza, quais as situações em que se observará o impedimento e também, a suspeição, vejamos:
Art. 134 - É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
I - de que for parte;
II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;
III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;
IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;
V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;
VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.
Parágrafo único. No caso do nº IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.
Art. 135 - Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do Juiz, quando:
I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.
ARTIGO 136 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Enfim, chegamos ao cerne do debate, já que baseado no presente artigo, é que, através de uma "interpretação analógica", que todos insistem, de forma equivocada, na premissa de que haverá, ou impedimento ou suspeição no caso em discussão.
Vejamos o que define esse dispositivo legal, in verbis:
"Art. 136. Quando dois ou mais juízes forem parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal".
O legislador, ao definir, determinou que para o caso do parentesco, em qualquer das formas acima declinadas, não poderiam os magistrados, funcionar em um mesmo processo.
Outro fato interessante, é que ao normatizar essa situação, o legislador, somente o fez, para o caso de órgão colegiado, definido no corpo da norma, com a expressão "tribunal".
Dessa forma, admitiu-se a possibilidade de ser um tribunal integrado por parentes próximos, o que, anteriormente, era considerado inadmissível por alguns tribunais do País.
Isso, se define por norma legal, tendo afastado portanto, a possibilidade desses parentes, figurarem em um mesmo processo, se assim acontecer, o segundo, deverá se afastar, ex officio, ou ainda, por provocação, via exceção.
DECISÃO DE MAGISTRADO a quo, JULGADA POR MAGISTRADO ad quem, SEU PAI.
Seguindo o raciocínio legal, e a lógica processual, não podemos conceber a existência de impedimento e/ou suspeição, quando uma decisão de primeiro grau, seja posta a julgamento, sob o amparo de Desembargador, pai do juiz prolator.
Primeiramente, verifica-se que, em observância ao que determina o art. 134 do CPC, tal situação deveria ser considerada impedimento, mesmo porque, envolve a pessoa dos magistrados, em uma ordem objetiva.
Em segundo, na "interpretação analógica", teria proibição legal, escorada no art. 136.
Ora, nossa discordância, reside em um simples fato, qual seja, a norma em destaque, para o caso, define como proibição, que dois magistrados não podem participar do julgamento do mesmo processo, mas quando se tratar de órgão colegiado. O dispositivo em momento algum sugere que a proibição se estenderia entre as instâncias.
E na interpretação da lei, o interprete não pode se escorar em todas as formas, de forma indiscriminada. Precisa sim, antes de mais nada, buscar, além do direito bruto, a lógica, posto que pode pecar por excesso.
Esse excesso, é o que afirmamos aos descuidados, que preferem entender a norma proibitiva, mesmo quando não existe, tentando justifica-la através de uma interpretação analógica impossível.
Nesse sentido, para dirimir qualquer dúvida que porventura poderia se estender, é que o Superior Tribunal de Justiça, acerca do assunto já se pronunciou.
Obviamente, teríamos uma resposta imediata. O STJ, através de uma decisão, não pode editar o direito em definitivo, com certeza haverão outras posições contrarias, tudo é jurisprudência.
Vejamos o voto do Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, em sua integra:
"VOTO – O Exmo. Sr. Min. Carlos Alberto Menezes Direito (relator): Ação de indenização em decorrência de acidente de trânsito que ocasionou a morte dos pais dos autores. A sentença julgou improcedente o pedido. O TJMT afastou a preliminar de impedimento do relator ao fundamento de que o fato de ser a juíza filha do relator, "é assaz evidente que a julgadora não prestou jurisdição ao pai, nem tampouco recebeu dele jurisdição alguma. O ato jurisdicional é dirigido, sim, às partes em conflito – ora em exame nesta instância. Ademais, tenho a consciência de julgar com absoluta isenção e imparcialidade" (sublinhado no original). No mérito, manteve a sentença porque não há nos autos elementos de prova para a condenação. Os embargos de declaração foram repelidos.
O especial começa por enfrentar a preliminar com apoio nos arts. 135, 136 e 137 do CPC. A primeira observação a ser feita é que o art. 136 foi alterado pelo art. 128 da Loman. A segunda observação é que, literalmente, a disciplina positiva apontada não proíbe que um juiz de 2.o grau julgue Processo em que dada a sentença por parente em linha reta. É nessa direção a interpretação de Pontes ao afirmar "que a sentença, proferida por algum dos parentes a que se refere o art. 136, também não pode ser apreciada na superior instância pela outra. A lei não o diz, mas aos Regimentos Internos toca prever a espécie" (Comentários ao Código de Processo Civil, 3. ed., Forense, 1997, atualizada por Sérgio Bermudes, p. 432). O dispositivo do Lei Federal está direcionado ao Tribunal. Não há, portanto, violação.
Em seguida, o especial aponta falta de tutela jurisdicional, enxergando violação aos arts. 515 e 535 do CPC. Mas não creio que mereça prestigiado o ataque. Primeiro, a matéria dos embargos sobre a questão dos arts. 135, 136 e 137 do CPC foi devidamente desafiada pelo acórdão recorrido e acima dirimida. Quanto ao mérito, os embargos postularam com base nos arts. 126, 302, 334, III e IV, e 335 do CPC. Mais precisamente, combatem sobre a apreciação da prova, em particular o peso do boletim de ocorrência. Ocorre que, como bem situou o acórdão, a matéria trazida não está no abrigo do art. 535 do CPC, desejando os então embargantes, na verdade, uma inversão do julgamento. Não há, portanto, violação aos arts. 515 e 535 do CPC.
Também não há violação ao art. 458 do CPC, sendo impertinente a alegação de decisão extra petita. O acórdão recorrido decidiu pela improcedência do pedido porque entendeu não haver prova suficiente da autoria do ato ilícito pela parte indicada como ré.
Vale notar que, quanto ao boletim de ocorrência, já decidiu esta Corte em diversas oportunidades que "não gera presunção iuris tantum da veracidade dos fatos narrados, uma vez que apenas consigna as declarações unilaterais narradas pelo interessado, sem atestar que tais informações sejam verdadeiras" (REsp 174.353-RJ, relator o Sr. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 17.12.1999; REsp 59.841-RS, relator o Sr. Min. Waldemar Zveiter, DJ 27.05.1996; REsp 67.492-SP, relator o Sr. Min. Costa Leite, DJ 02.10.1995). Poderia haver presunção se o boletim refletisse o ato de presença do agente público no local, mas não quando ele é apenas o registro dos fatos apresentado pelo interessado.
Quanto ao mais, o que o acórdão fez foi esmiuçar a prova dos autos para concluir que "os autos não oferecem elementos seguros para a conclusão de quem era o condutor do veículo e, conseqüentemente, o culpado pelo evento e obrigado à reparação do dano"; destacando que foram ouvidas oito pessoas, apresentando testemunhos contraditórios sobre quem, efetivamente, era o condutor do veículo. E para inverter o julgamento seria mesmo necessário reexaminar a prova produzida, o que é vedado pela Súm. 7 da Corte. " (Grifo nosso)
Vê-se então, de forma clara, que o sentido da lei, foi se dirigir a casos em que magistrados parentes compõem um mesmo tribunal.
Não há como estender essa realidade a instâncias diferentes, mesmo porque, a discussão reside entres as partes, e não entre os julgadores. Esta claro que nesse caso, um não terá interesse no julgamento proferido pelo outro, somente as partes terão interesse no desfecho aplicado pelo tribunal.
Outra situação lógica, é que, em se tratando de tribunal, a decisão proferida jamais o será de forma individual, mas efetivamente pelo colegiado. Se porventura, o Desembargador, pai do juiz prolator da decisão, a confirmar, em detrimento do da lei e do direito, terá ainda, que submete-la a seus pares, que com certeza não a confirmarão.
Portanto, observamos que não existe sentido na possibilidade de configuração de impedimento e/ou suspeição nesses casos.
Do voto acima transcrito, foi editada a seguinte ementa:
A apreciação, em segunda instância, de feito primitivamente sentenciado pela filha do desembargador-relator não constitui evento apto a impor mácula à isenção e imparcialidade esperadas do julgamento da apelação. Assim é que carece de substância a preliminar de impedimento ou suspeição que se faça creditar pura e simplesmente nesta relação de parentesco, posto não caracterizar a atuação dos magistrados caso de jurisdição recíproca entre parentes, mas de prestação jurisdicional dirigida exclusivamente às partes em conflito.( REsp 264.508-MT – 3.a T. – j. 30.05.2001 – rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 20.08.2001.)
Esclarece-se, que tal decisão, é a única proferida por Tribunal Superior, para o caso o STJ, mesmo porque, em se tratando de discussão acerca de interpretação de lei federal, aqui, o Código de Processo Civil, a competência dessa Corte é única e definida constitucionalmente.
LEI n. 9.099/95
Com edição da lei n. 9.099/95, com a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, também foi criado o Órgão Colegiado, o qual julga as decisões, em nível de segundo grau, proferidas pelos juizes dos juizados.
Entende-se aqui, que a disposição do art. 136, se aplica à essa lei, mesmo porque, a mesma não declina acerca da matéria.
Portanto, no silencio da lei especial, aplica-se a mesma, as disposições gerais do Código de Processo Civil. E assim, também quando fizerem parte de um mesmo Órgão Colegiado, juizes parentes, nos graus definidos pelo art. 136, a proibição será clara.
Assim, fica óbvio, que se a decisão exarada pelo juiz do juizado especial cível, levada via recurso até o Órgão Colegiado, e desde fizer parte um parente seu, qual seja, pai ou irmão, este não deverá suscitar seu impedimento, posto que legalmente não existe.
CONCLUSÃO
Concluímos assim, que a definição extraída da decisão proferida pelo STJ, é legalmente correta, bem como traz a lume a lógica processual.
Não se pode dar outra interpretação ao caso em destaque, sob pena de se penalizar todo o ordenamento jurídico doutrinário.
É preciso que o interprete da norma, se divorcie de seus conceitos tradicionais, onde o que prevalece é uma visão extremamente utópica do direito. O que se precisa, é de um objetivismo claro, onde a lei será aplicada em seu senso de realidade, sem se dissociar da situação pratica e concreta.
O processo deve reagir a interpretações dessa natureza, posto que manterão casos reais longe da possibilidade da aplicação da verdadeira justiça.
E a situação levantada, e pouco discutida, tem importância impar, visto que vários tribunais do País, em uma interpretação totalmente equivocada, quando se deparam com tal situação, verificam e mantém o impedimento suscitado, na maioria das vezes, ex officio, pelo magistrado de segunda instância.
E ainda, em quantidade bem maior, essa ocorrência se verifica nos casos do Juizados Especiais, onde alguns magistrados, julgadores no Órgão Colegiado, deixam de julgar recursos, porque os magistrados que exararam as decisões são seus parentes.
É preciso que se entenda que a decisão jurisdicional será colocada ao jurisdicionado, e não vinculada aos magistrados, daí não se falar em impedimento e/ou suspeição, entre magistrados parentes de instâncias diferentes, que julgam o mesmo processo.
BIBLIOGRAFIA
BARBI, Celso Agrícola – Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, Ed. Forense, 2003;
CÂMARA, Alexandre Freitas – Lições de Direito Processual Civil, Vol. I, Ed. Lúmen Júris, 2003;
JÚNIOR, Nelson Nery – Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 7ª Edição, Ed. Revista dos Tribunais, 2002;
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Repertório de Jurisprudência, 2001.