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A interpretação conforme à Constituição como garantia inerente ao princípio da inafastabilidade jurisdicional

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13/12/2003 às 00:00
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NOTAS

01. MARÍAS, Julian. Introdução à Filosofia. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1960. Referimo-nos à metáfora orteguiana no sentido do teclado das possibilidades humanas, vale dizer, asseverando que a vida individual comporta o binômio da liberdade / determinação; o horizonte das possibilidades resta de alguma forma definido pelos elementos reais que integram o substrato contingencial de cada situação, tal qual as teclas de um piano, cuja concretude ao mesmo tempo suprime e potencializa as suas capacidades artísticas – delas não se podem tirar certos sons (pela própria impropriedade física, ao exigir-lhe atributos incompatíveis), mas melodias infindáveis.

02. RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 92. Para o autor, "a crítica das ideologias, fundada por um interesse específico, jamais rompe seus vínculos com o fundo de pertença que a funda. Esquecer esse vínculo inicial é cair na ilusão de uma teoria crítica elevada ao nível de saber absoluto", op. cit., p. 94.

03. Assim já antecipamos que funções outras da ideologia, manifestamente manipuladoras, não estão aqui inseridas sob tal rótulo, como o respectivo uso para dissimular, distorcer, explorar economicamente, dentre outros acobertamentos. Tais funções, sublinhe-se, não estão contidas no próprio conceito aqui utilizado, porquanto a ideologia constitui, nesse sentido puro ou inerente da produção do conhecimento, a condição da pré-compreensão que exclui qualquer situação privilegiada de um saber não-ideológico.

04. MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 450.

05. A própria noção de constitucionalidade, para Jorge Miranda, constitui um juízo de relação. Contributo para uma Teoria da Inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 11.

06. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Petrópolis: Vozes, 1997. "(...) isso implica que o texto, lei ou mensagem de salvação, se se quiser compreendê-lo adequadamente, isto é, de acordo com as pretensões que o mesmo apresenta, tem de ser compreendido em cada instante, isto é, em cada situação concreta de uma maneira nova e distinta. Aqui, compreender é sempre aplicar.", op. cit., p. 461.

07. A resposta verdadeira (única correta) não existe, o que acarreta dizer que nem mesmo um sistema de regras que funcione como um código de razão prática, de jaez procedimental ou argumentativo, implica o discernimento de suposta saída adequada.

08. "As normas que se encaixam na realidade como se fossem um lego são aquelas em que (...) a hipótese de incidência está descrito de modo claro e exauriente. Como é sabido, lego é um brinquedo de origem escandinava, em que um pino encaixa num orifício, sendo que este encaixe se dá de modo perfeito. (...) Alguma dessas normas, de fato, não reclamam do juiz senão um rápido exame para que se dêem conta de que têm de decidir sem margem alguma de discricionariedade". WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória – recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 130.

09. "A dimensão jurídico-ética da razão: o liberalismo jurídico de Dworkin". Paradoxos da auto-observação: percursos da teoria jurídica contemporânea. Curitiba: JM Editora, 1997. p. 161

10. A substancial inconstitucionalidade da lei injusta. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1989. p. 105

11. Segundo Teresa Wambier, "pode-se dizer que a norma codificada, por si só, em princípio, legitima a sentença. Sendo a sentença embasada em uma norma codificada, não há nenhuma necessidade de outra fundamentação, como, por exemplo, princípios fundamentais de direito", op. cit., p. 100.

12. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 48.

13. Rodolfo de Camargo Mancuso, percuciente defensor das súmulas vinculantes, ainda assim não logra desvincilhar-se do suporte hermenêutico fato/norma a fundamentar uma possível nova interpretação:"(...) dado que toda norma jurídica pressupõe uma escolha apriorística entre valores, não se compreende que, após formalizada e inserida no ordenamento, venha a norma aplicada, em casos análogos, aqui com um sentido, lá com outro, sem que fundadas razões expliquem tal discrepância." (grifo nosso). Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 180.

14. Há nítida dificuldade em se distinguir entre questões fáticas e jurídicas, o que faz manifestações respeitáveis da doutrina nacional e estrangeira contentarem-se ora com a predominância de uma ou outra (WAMBIER, op. cit., p. 153-165), ora com a diluição de ambas, com o viés de que toda questão de fato é de direito e vice-versa (CASTANHEIRA NEVES. Questão de facto – Questão de direito. Coimbra: Almedina, 1967).

15. Razão pela qual, segundo Lenio Streck, por incidirem no processo interpretativo, são as sentenças construtivas (e as manifestações construtivas do Ministério Público) norteadas por uma atribuição de sentido conforme à Constituição, e não meramente por um instituto denominado "interpretação conforme à Constituição", pois a norma é sempre o resultado da interpretação de um texto. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova Crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 450.

16. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação / aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 77.

17. "Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória."

18. É o que dispõe o art. 102, § 2º, da CF: "As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo".

19. Nesse sentido, a ratificação de Streck quanto ao posicionamento de Ives Gandra Martins: "(...) a força vinculante atribuída (...) à decisão que reconheça a constitucionalidade da lei ou do ato federal por essa via, retira, dos demais órgãos do Judiciário e do próprio Supremo Tribunal Federal, a legitimidade ativa para deflagrar novo julgamento a respeito, impedindo que questões individuais sejam suscitadas ou subam à superior instância, pois estarão sumariamente decididas, sem o exaurimento do devido processo legal e sem o exercício da ampla defesa e do contraditório". Súmulas no Direito Brasileiro : eficácia, poder e função. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 153.

20. Jurisdição (...), op. cit., p. 512.

21. Há quem reconheça que a dicotomia civil law / common law já não se configura tão nítida e radical como outrora, sendo observável uma gradativa e constante aproximação entre aqueles regimes, de maneira que a jurisprudência vai ganhando espaço nos países onde o primado raci na norma legal. MANCUSO, op. cit., p. 195.

22. O verbo escamotear, utilizado por Leonel Severo Rocha, é o que melhor se adapta ao processo de o jurista impunemente desalentar a potencialidade hermenêutica, adjudicativa de sentido no contexto de discussão político-ideológica acerca da função social do direito, em nome do mito da univocidade significativa da lei, muito bem assente no senso comum da dogmática e no seio da comunidade via opinião pública. Cabe salientar, inclusive, por absoluta pertinência, o desvendamento paradoxal na relação entre a universalidade da lei e possibilidade da interpretação: "Ao contrário do que pensa a dogmática jurídica, é justamente pela sua capacidade de ser redefinida e reinterpretada que a lei possui o seu sentido de universalidade, dentro de um certo Estado. Ou seja, se a lei tivesse sempre a mesma relação paradigmática associativa, ela não poderia prever a infinidade de situações existentes no quotidiano do judiciário", op. cit., p. 25. Epistemologia jurídica e democracia. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1998. p. 54.

23. BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil promulgada em 05.10.1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 8-9.

24. Nesse sentido, as súmulas vinculantes e os dispositivos legais que conferem primazia às decisões uniformizadas dos Tribunais Superiores conflitam com o princípio da separação dos poderes (art. 2º e art. 60, § 4º, inc. III da CF), visto que o Judiciário não pode ditar regras gerais e abstratas, com validade universal, por lhe faltar legitimação democrática para tanto.

25. STRECK, Lenio Luiz. "A hermenêutica, a lei e a justiça: discussão dos obstáculos ao acontecer da Constituição." Doutrina, Rio de Janeiro: Instituto de Direito, 2001, p. 402.

26. "A Interpretação Jurídica no Estado Democrático de Direito." in Direito Constitucional – estudos em homenagem a Paulo Bonavides. Organizado por Eros Roberto Grau e Willis Santiago Guerra Filho. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 369.

27. Teoria geral do Direito I. Porto Alegre: Fabris, 1994. p. 104

28. É função da dialética negativa subverter as falsas seguranças dos sistemas que se pretendem totalizantes, trazendo à luz o não-idêntico que eles reprimem e chamando a atenção para o individual e diferente que subestimam. Adorno procura fazer falar a realidade contra a prepotência dos esquemas, seu fechamento e sua abstração, procurando modificar as categorias cognoscitivas, objetivando perturbar os apriorismos privilegiadores. ADORNO, Theodor ; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 1985.

29. Umberto Eco já estabelece na abordagem semiológica o pressuposto das condições ideológicas que fomentam a produção sígnica: "Nas ciências humanas, incorre-se freqüentemente numa falácia ideológica que consiste em considerar o próprio discurso imune à ideologia, atribuindo-lhe ‘objetividade’ e ‘neutralidade’. Infelizmente, toda pesquisa é de alguma maneira ‘motivada’. A pesquisa teórica é tão somente uma das formas da prática social". Tratado Geral de Semiótica. São Paulo: Editora Perspectiva, 3. ed., 2000, p. 22.

30. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 178.

31. Representação 1.417/DF, Rel. Min. Moreira Alves (RTJ 126/48).

32. Op. cit., p. 50.

33. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 173.

34. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 355.

35. ADIN 1.323/DF, in Informativo STF, nº 120.

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36. Jurisdição... , op. cit., p. 517.

37. RESP 308711 – SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 10/03/2003.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2003.

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BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil promulgada em 05.10.1988. São Paulo: Saraiva, 1989.

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FREITAS, Juarez. A substancial inconstitucionalidade da lei injusta. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1989.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traduzido por Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1999. 3.ed.

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MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Atualizada e Complementada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes. São Paulo: Malheiros, 2003. 25.ed.

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. Súmulas no Direito Brasileiro : eficácia, poder e função. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.

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VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória – recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

WARAT, Luis Alberto. Teoria geral do Direito I. Porto Alegre: Fabris, 1994.

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Sobre o autor
Maurício Martins Reis

Advogado e Mestrando em Porto Alegre/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Maurício Martins. A interpretação conforme à Constituição como garantia inerente ao princípio da inafastabilidade jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 160, 13 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4533. Acesso em: 20 abr. 2024.

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