5.Tribunal de Contas e Responsabilização de seus Jurisdicionados.
Busquemos na legislação específica deste Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro o fundamento jurídico para o reconhecimento da responsabilidade solidária do administrador público, perante a administração, pelos atos de seus funcionários.
A Lei Complementar 63/90, em seu Título II, Capítulo I, Seção II - Das Decisões em Processos de Prestação ou Tomada de Contas, estabelece no art. 17, inciso I, que:
"Art. 17 - Verificada irregularidade nas contas, o Tribunal:
I - definirá a responsabilidade individual ou solidária pelo ato inquinado;"
Um olhar rápido, ou desatento, poderia fazer com que o intérprete da norma enxergasse no Tribunal de Contas um poder de "criar" responsabilidade solidária, pois cabe a este defini-la, conforme o dispositivo supra. Não é bem assim. Expliquemos nosso pensamento:
A solidariedade é um instituto de direito material. Está prevista nas normas que se dirigem a tutelar os acontecimentos no mundo dos fatos. A norma transcrita acima tem natureza nitidamente processual, prevendo regras para os julgamentos efetuados por esta Corte no exercício de suas funções. Tanto é assim, que a norma está inscrita na sessão que trata das decisões em processos de prestação ou tomada de contas. Se a solidariedade somente pode estar prevista em normas que tratam de direito material, qual o alcance do dispositivo em comento ?
Na verdade, o inciso I do art. 17 da LC 63/90 define que havendo responsabilidade solidária prevista em lei pelos atos praticados pelo administrador, o Tribunal de Contas a reconhecerá e definirá o alcance da decisão, conforme a lei que a previu. Assim como no processo civil a sentença somente atinge as partes envolvidas no processo, no procedimento administrativo acontece o mesmo. São os conhecidos limites subjetivos da coisa julgada. Se há um responsável solidário que não foi incluído no decisum, aquela decisão não será oponível a ele. Em suma, o Tribunal perquire quais os responsáveis solidários conforme legislação.
Outro dispositivo que merece comento no âmbito da Lei Complementar 63/90 é o caput do art. 10, in verbis:
"Art. 10 - Diante da omissão no dever de prestar contas, da não-comprovação da aplicação dos recursos repassados pela União ou pelo Estado, na forma prevista no Art. 6º, incisos III, IV e VII, desta lei, da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico, bem como nos casos de concessão de quaisquer benefícios fiscais ou de renúncia de receitas, de que resulte dano ao erário, a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas a instaurar a tomada de contas especial para apuração dos fatos identificação dos responsáveis e quantificação do dano".
Tal dispositivo, apesar de inserto no Título II – Do Julgamento e Fiscalização, Capítulo I – Do Julgamento das Contas, Seção I – Da Prestação e Tomada de Contas, é regra claramente de direito material, pois imputa ao administrador público o dever de instaurar tomada de contas especial quando se depara com qualquer uma daquelas situações elencadas, sob pena de responsabilidade solidária.
Ou seja, em sentido contrário, se o administrador ao tomar ciência dos acontecimentos narrados no caput do art. 10 da LC 63/90 instaura tomada de contas especial para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano, não lhe poderá ser atribuída qualquer responsabilidade solidária. Este não é, de acordo com a Lei Complementar 63/90, ab initio, responsável solidário perante a administração pelos atos de seus subordinados.
Neste ponto, podemos visualizar exemplo de aplicação do art. 17 da Lei Orgânica desta Corte: o administrador ao tomar conhecimento de pagamento de parcelas indevidas deixa de instaurar a tomada de contas especial. Neste momento ele passa a ser responsável solidário com o(s) autor(es) do pagamento, devendo o Tribunal individualizá-los e incluí-los (os responsáveis) na decisão porventura tomada.
6.Conclusões.
Do dito acima, podemos resumir este trabalho com algumas considerações e assertivas.
A obrigação solidária entre administrador e subordinados, perante a administração é possível, contudo deve estar previamente estabelecida por normas de direito material.
Não podemos adotar a teoria do risco administrativo, pois coloca sobre o ombro do administrador a responsabilidade por atos que, apesar de ser de sua competência, a tenha delegado. E mais, impõe a obrigatoriedade de uma onisciência impossível a qualquer ser humano.
Também não podemos aceitar de forma irrestrita a teoria da culpa in vigilando e in eligendo por responsabilizar o administrador com base numa visão civilista, enquanto no âmbito da administração pública a matéria deve ter regramento próprio. Pelo dito acima, a responsabilização passa pela questão da culpa in procedendo, se é que podemos utilizar este termo.
O administrador público somente será responsabilizado solidariamente, perante a administração, pelos atos dos seus subordinados, quando participa com culpa grave para os mesmos, buscando, na lei de ação popular, os fundamentos para tal, ou quando, tendo ciência de tais atos, não tome as atitudes devidas para identificação dos responsáveis e quantificação do dano, conforme art. 10 da Lei Complementar 63/90.
Notas
01. Clóvis Beviláqua, citado por Caio Mário da Silva Pereira, em Instituições de Direito Civil, fl. 46, Vol. II, 19ª Ed., 1999
02. Exemplos retirados do livro Curso de Direito Civil, Washington de Barros Monteiro, 4º Volume, 2ª Edição, 1997
03. Exemplos retirados do livro Instituições de Direito Civil, Vol. II, 19ª edição, 1999, fl. 52
04. Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, 4º volume, 29a edição, 1997
05. Teoria Generale delle Obbligazioni, 1/43
06. Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, fl. 17, vol. II, 19ª edição
07. Interesse Público, nº 15 - Ed. Notadez - Ano 2002
Bibliografia:
MONTEIRO, Washigton de Barros. Curso de Direito Civil. 4º Volume. 29ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo. 1997;
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. II. 19ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro. 1999;
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Interesse Público nº 15. Ed. Notadez. Sapucaia do Sul. 2002;
NETO, Antônio José Mattos. Responsabilidade Civil por Improbidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo nº 210. Rio de Janeiro. 1997.