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Construindo a relação entre o Direito da Criança e do Adolescente e o Direito Orçamentário

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27/11/2003 às 00:00
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As políticas governamentais somente se efetivam por meio da interlocução orçamentária; os direitos da criança e do adolescente, para que se efetivem prioritariamente, exigem a formulação de ações e programas que estejam previstos no orçamento.

Sumário:1. Efetivação de Direitos e Interlocução Orçamentária. 2. Orçamento quase-garantia e efetivação de direitos da criança e do adolescente. 3. Decisão Política Orçamentária: requisitos explícitos e implícitos. 4. O Princípio da Prioridade Absoluta e o Orçamento. 5.A Prioridade Absoluta na Elaboração Orçamentária. 6. A Prioridade Absoluta na Execução Orçamentária. 7. Mandado de Injunção. 8. Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente. 9. Papel dos Órgãos de Defesa e Promoção dos Direitos da Infância e Juventude no Orçamento. 10. Conclusão.


1. Efetivação de Direitos e Interlocução Orçamentária

Antes de mais nada, dois aspectos devem ser considerados. Primeiro, não é demais lembrar que há dispositivos de cunho orçamentário no direito da criança e do adolescente (Eca, lei nº 8.069/90). [1]

Segundo, uma possível relação entre os dois ramos jurídicos deve ter em consideração que:

a) o direito da criança e do adolescente enuncia direitos, prevê programas e ações considerando que estes sejam efetivados prioritariamente;

b) o orçamento público atua enquanto instrumento de realização das políticas governamentais. Além disso, possui princípios e valores que o informam e caracterizam.

Isto posto, se se considerar que as políticas governamentais somente se efetivam por meio da interlocução orçamentária e que os direitos da criança e do adolescente, para que se efetivem prioritariamente, exigem a formulação de ações e programas que estejam previstos no orçamento, a conclusão é a de que tais direitos exigem a relação com o direito orçamentário.

Em suma, reconhecendo-se que – mesmo em se tratando dos direitos civis e políticos, onde, em tese, se exige uma ação negativa do poder público –, os direitos, de uma forma geral, e os direitos da infância e da juventude, em particular, exigem recursos financeiros, a construção da relação entre os dois ramos jurídicos é necessária.

Resulta daí a concepção de que o orçamento pode ser um "parceiro" privilegiado para a efetivação dos direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.


2. Orçamento quase-garantia e efetivação de direitos da criança e do adolescente

Pode-se traçar um paralelo entre a relação dos direitos da e garantias constitucionais com os direitos da criança e do adolescente e o orçamento público. Tal como o este, as garantias constitucionais não são um fim em si mesmas, mas instrumentos que tutelam um direito principal. As garantias constitucionais especiais "estão a serviço dos direitos humanos fundamentais". Delineia-se aí a natureza processual das garantias constitucionais especiais que atuam instrumentalmente, pois, servem de meio para a obtenção de direitos e vantagens decorrentes dos direitos que visam garantir. [2]

Contrariamente, os direitos são um fim em si, na medida em que constituem um conjunto de faculdades e prerrogativas que asseguram vantagens e benefícios diretos e imediatos a seu titular". [3] Em suma, direitos são os bens e vantagens auferidas diretamente pelo seu titular.

Quando se disse linhas atrás que o orçamento pode atuar como um garantidor de direitos previstos no ECA, não se está a afirmar que ele é uma garantia constitucional especial nos moldes das ações constitucionais. Certamente, o orçamento não é uma norma jurídica concedida aos particulares com o objetivo de exigir o respeito e a observância dos direitos fundamentais em concreto, impondo ao Poder Público atuações que vedem a continuidade do impedimento ao exercício do direito ou possibilitem o exercício de direito ou a sua imediata efetivação. Orçamento, enquanto instrumento de garantia, não é uma ação constitucional nos moldes do mandado de segurança ou do Habeas Corpus.

Portanto, quando se diz que o orçamento pode ser visualizado como um garantidor de direitos, esta garantia não é aquela prevista no texto constitucional que assegura a observância de direitos em caso de descumprimento ou inobservância de direitos, não possuindo natureza de uma ação constitucional. Garantidor de direitos, no caso em questão, tem o significado de efetivar direitos por meio da realização orçamentária dentro daquela idéia de que há que se ter recursos para efetivar direitos.

Por não assegurar o respeito ou a observância de direitos, o ideal é que se diga que o orçamento pode assegurar os direitos da criança e do adolescente. O verbo "poder", empregado na expressão acima, remete à noção de possibilidade, isto é, um acontecimento suscetível a ocorrer ou não.

Daí por que pensarmos que a expressão quase-garantia representa adequadamente a condição do orçamento garantidor de direitos que, não é modalidade de garantia constitucional (ações constitucionais), mas que é imprescindível para que os direitos da criança e do adolescente sejam exercitáveis na medida em que se reconhece que carentes de recursos.

A expressão quase-garantia remete-nos, também, à idéia de potencialidade, melhor explicando, o orçamento público possui natureza e características possibilitadoras de que a sua exploração seja efetuada com o objetivo de abrigar os direitos da infância e juventude

Estando no campo da possibilidade e da potencialidade para a efetivação de direitos, indaga-se acerca dos fatores que podem atuar e interferir na dinâmica orçamentária de modo a que o orçamento não seja um mero instrumento possível e potencial, mas sim, um instrumento real e efetivo para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes?

Sem pretender esgotar o tratamento da questão, pensamos que dois fatores podem contribuir para "ativar" a energia potencial e as possibilidades de realização de um orçamento próximo da idéia de garantia. São elas:

a) O Interesse e a Mobilização da Sociedade Civil: fatos sociais, visíveis e perceptíveis, a todo momento, em todos os lugares, demonstram que a infância ainda não é a prioridade em nosso país, em que pese discursos retóricos em contrário.

Um raciocínio plausível pressupõe que o manejo do orçamento pelo poder estatal atenda às necessidades sociais mais prioritárias. Contudo, a disciplina orçamentária está submetida ao juízos políticos decisórios que podem se curvar às conveniências ou aos lobbies que inverteriam àquelas prementes necessidades que requereriam uma satisfação estatal mais urgente.

Talvez até em função tem havido um crescente interesse pela sociedade civil em atuar na área da infância e juventude através de projetos e ações que promovam uma formação cidadã de crianças e adolescentes. É o que se denomina de terceiro setor. A ação da sociedade civil também pode ser dirigida sobre a coisa pública, constituindo-se o orçamento público em um espaço privilegiado de atuação já que é nele que se materializam as prioridades governamentais.

A ação da sociedade civil, em todos os momentos do orçamento, ensejaria "olhar de tigre" sobre o orçamento público, inibindo comportamentos eivados de vícios ou imorais e impondo a pauta de prioridades da infância e juventude.

A atuação da sociedade civil, dentre outros, pode ser efetuada através de:

a.1) na fase de elaboração orçamentária, elaboração de propostas e organização de diagnósticos que permitam a visualização do quadro geral da situação da infância e juventude com vistas à sensibilização do corpo técnico do poder executivo bem como dos parlamentares. Na verdade, a referida medida conquistaria o apoio da opinião pública, podendo reduzir a margem de manobra política na elaboração do orçamento;

a.2) na fase de elaboração e execução orçamentária, atenção aos prazos que disciplinam o processamento e a vigência das leis orçamentárias. Isso é de fundamental importância haja vista ser este o momento para a apreciação/inclusão/atendimento das propostas da sociedade civil. Assim é que, ante a inexistência da Lei Complementar a que se refere o artigo 165, § 9º, I e II da C.F., aplica-se o § 2º do art. 35 do ADCT, CF/88 segundo o qual:

a.2.1) o projeto do plano plurianual será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sanção legislativa. A vigência do plano plurianual inicia-se no segundo ano de mandato e vai até o primeiro exercício financeiro do mandato presidencial, estadual, municipal subseqüente;

a.2.2) o projeto de lei de diretrizes orçamentárias deve ser encaminhado até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;

a.2.3) o projeto de lei orçamentária deve ser encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa.

a.3) na fase de execução orçamentária, articulação junto ao poder executivo para a execução das propostas atinentes à infância e à juventude previstos no orçamento. Sob esse aspecto, é interessante também que exista um acompanhamento das receitas públicas, haja visto que os dados relativos àquela podem fornecer importantes subsídios para a tão usual argumentação de insuficiência de recursos.

a.4) na fase de fiscalização orçamentária, fiscalização eficiente dos recursos públicos, identificando se o poder público atuou privilegiadamente na formulação e execução de políticas públicas voltadas à infância e à juventude. Há de certificar-se sobre a execução dos recursos previstos na peça orçamentária, inquirindo-se se houve coerência/prioridade paralelamente à execução do orçamento efetuada nas demais áreas.

Para tal empreitada, exige-se a assessoria de técnicos capacitados aptos a análise dos gastos públicos. Sugerindo que tal fiscalização seja feita com o auxílio do Tribunal de Contas, Universidade e Ministério Público, Valéria Bronzeado informa que: "não há notícia que em algum município brasileiro este trabalho tenha sido desenvolvido". [4]

b) A observância de dispositivos orçamentários legais e constitucionais em conformidade com o direito da criança: Como se disse, em sua condição peculiar de quase-garantia, o orçamento público representa uma potencialidade que pode contribuir (ou não) para que os direitos da criança e do adolescente sejam efetivados. Nesse particular, a observância de dispositivos orçamentários legais/constitucionais no manejo orçamentário representa um importante passo para a ativação deste orçamento-garantia.

O respeito e observância dos dispositivos legais e constitucionais é pressuposto da ação estatal. [5] Enquanto princípio geral do direito, o princípio da legalidade estabelece limites e define os contornos da ação estatal, significando, a contrario sensu, que o Estado não pode se omitir no cumprimento de suas obrigações legais e constitucionais.

O que se está a propor aqui é que os dispositivos legais e constitucionais sejam submetidos ao condicionante do direito da criança e do adolescente. Isso significa, por um lado, que deve-se considerar se o processo orçamentário foi efetuado em atendimento aos dispositivos legais e constitucionais, sobretudo aqueles de natureza orçamentária, constantes do ECA e da Constituição Federal, sem prejuízo aos dispositivos legais e constitucionais que informam a atividade orçamentária.

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O tratamento dos preceitos legais e constitucionais em consonância ao direito da criança possibilita a ativação do orçamento como um instrumento garantidor de direitos, um orçamento quase-garantia.


3. Decisão Política Orçamentária: requisitos explícitos e implícitos

Os programas e as ações previstas no orçamento baseiam-se em critérios políticos, vinculando-se às idéias e convicções políticas, filosóficas, religiosas dos grupos que estão no poder. Chega-se mesmo a dizer que "em todos os tempos e lugares, a escolha do objetivo da despesa envolve um ato político", definido a partir "do entrechoque dos grupos detentores do poder". Sendo a decisão orçamentária de natureza política, cabe aos governantes estabelecer quais as necessidades do Estado e da sociedade que exigem satisfação através do serviço público e, portanto, pelo processo de despesa pública. [6]

O fundamento disso é a garantia de que o Executivo tenha a liberdade para definir as prioridades governamentais e um plano de governo fundado nas aspirações populares e legitimado pelas urnas. A natureza política não objetiva possibilitar a prática, muito costumeira entre nós, de interrupção de programas governamentais bem sucedidos. O fato é que as prioridades governamentais alteram-se conforme as paixões e ideologias dos governos.

Assim, se a liberdade de decisão política no orçamento permite a correção de equívocos ou mesmo a substituição de políticas governamentais insatisfatórias, por outro, está a decisão política, por sua própria natureza, submetida às concepções de seus governantes. Aliomar Baleeiro leciona muito seguramente sobre a matéria ao manifestar que:

"Se o país for dominado por uma elite rica e requintada, esta exigirá do governo, provavelmente, construções de luxo e obras de conforto ou embelezamento. Se as circunstâncias mudam, as despesas públicas se dirigirão para a construção de hospitais, maternidades, postos de puericultura, escolas primárias". (7)

À liberdade de decisão nos gastos orçamentários, excetuam-se os casos previstos no inciso IV, artigo 167, CF que tem a seguinte redação:

"Art. 167. São vedados:

(...);

IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde e para manutenção e desenvolvimento do ensino, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, e 212, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;". [8]

Tanto o momento da elaboração, quanto o da execução orçamentária são marcados pelo aspecto político. A conseqüência disso é que "tanto mais lúcido, cultos e moralizados sejam os governantes quanto mais probabilidades existem de que se realize aquele cálculo da máxima vantagem social" [9]ou seja, a de que a despesa pública reflita a constatação de que os gastos sociais tem maior grau de vantagem àqueles indivíduos que possuem menos recursos financeiros.

Na elaboração orçamentária, o ato político de decisão orçamentária é compartilhada pelo Executivo e pelo Legislativo, expressando decisões políticas baseadas em modelos e aspirações que os governantes têm para o Estado e para a sociedade, o que explicaria as variações nas prioridades orçamentárias existentes de governo para governo. Já na fase de execução do orçamento, a decisão orçamentária é exercida exclusivamente ao Poder Executivo na medida em que lhe cabe, privativamente, a organização e o funcionamento da administração federal, exercendo atos de provimento e extinção de cargos públicos e exercendo outras atribuições previstas na Constituição (art. 84, VI, XXV, XXVII), ressalvados os casos previstos no inciso IV do artigo 167, CF, onde, evidentemente, não há que se falar em decisão orçamentária por inexistir discricionariedade.

Viu-se que a decisão de gastar é política, devendo, contudo, atender requisitos legais (ex: lei nº 4.320/64) e constitucionais (art. 167). O que se pretende salientar nesse ponto é que a decisão política de gastar – expressa seja no momento de elaboração, quanto no de execução orçamentária – já está submetida à observância de preceitos normativos que lhe conferirá legitimidade.

Não haveria sentido conceder ao poder legislativo (somente no momento de elaboração orçamentária) e ao poder executivo o poder de definir e alterar as prioridades orçamentárias sem que, ao mesmo tempo, lhes fossem definidas condições para a realização do ato de decisão. Exemplificando: o administrador público somente pode iniciar programas e ações desde que previstos na lei orçamentária anual. (art. 167, I, CF). Isso significa que a decisão política no momento da execução do orçamento só pode ser exercida em consonância a esse dispositivo constitucional. Outro exemplo: os parlamentares tem a decisão política para alterar o orçamento durante a sua elaboração, alteração esta condicionada ao disposto no artigo 167, §3º, I, II e III, CF/88.

Quando se atende aos requisitos legais e constitucionais que condicionam a decisão política de gastar, pode-se dizer que estão presentes os requisitos explícitos da decisão. Feitas essas considerações, é hora de se investigar os requisitos implícitos que devem constar da decisão política de gastar. Tais requisitos implícitos cumpririam a mesma função dos dispositivos explícitos, ou seja, condicionam a decisão de gastar.

Entendemos que o requisito essencial da decisão política de gastar é a observância e a efetivação dos direitos fundamentais. Dentre várias razões que podem ser apontadas, tem-se que:

a) enquanto cláusulas pétreas da Constituição Federal, tais direitos gozam de aplicabilidade imediata, devendo ter um tratamento jurídico que lhes reconheça a importância no ordenamento jurídico.

b)os direitos fundamentais representam uma limitação ao poder estatal, portanto, é uma garantia ao ser humano e aos valores que com ele se identificam, a saber, a liberdade, a justiça e a igualdade. É em oposição ao arbítrio, ao autoritarismo, ao abuso de autoridade, às desigualdades sociais e trabalhistas que tais direitos emergiram e se mantém;

c)da mesma forma, tais direitos, ao limitarem o poder estatal, servem de garantia à própria existência do Estado Democrático de Direito, condicionando a ação estatal ao estabelecido em lei. Dificulta-se a adoção de regimes de exceção, o enfraquecimento e à própria extinção dessa forma de Estado encontraram limites e objeções mais resistentes;

d) em adendo ao que vem sendo aqui exposto, o Estado Democrático de Direito somente existe para que o ser humano seja a finalidade primeira da ação governamental. Esta é a idéia do contrato social. Todos entregam uma parcela de poder que possuiriam em um estado natural em troca do atendimento em troca do reconhecimento de direitos fundamentais e de prestações estatais mínimas que assegurem tais direitos.

e) a garantia dos direitos fundamentais implica, particular e prioritariamente, o atendimento de crianças e adolescentes.

O reconhecimento de que os direitos fundamentais pautam a temática orçamentária enquanto um requisito implícito não significa o abrandamento do caráter político da decisão de gastar. Primeiro, não é o conjunto dos gastos estatais que é empregado no atendimento de tais direitos. Certamente, a organização estatal deve atender a outros fins que não guardem necessariamente relação com os direitos fundamentais. Segundo, um governo investido no poder, através da legitimação das urnas, possui as suas prioridades que, em tese, foram aprovadas pela população que poderão ser implementadas. Todavia, enfatize-se: os direitos fundamentais, enquanto requisitos orçamentários implícitos, devem ser implementados independentemente das prioridades do plano de governo em questão proposto pelo governante.

Não há contradição entre a característica política da decisão orçamentária e a implementação dos direitos fundamentais independentemente do governo em questão. Isto por que esta está em um plano mais elevado que aquela na medida em que é condição indispensável à própria manutenção do Estado Democrático de Direito como acima mencionado.

Em conformidade ao critério político e à autonomia para as questões orçamentárias, o governo já deveria, de antemão, contemplar o atendimento aos direitos fundamentais. Agindo assim, não se discutiria sobre a interferência judicial (nos casos em que as decisões judiciais tem implicações orçamentárias) [10] nas atividades do Executivo, tampouco sobre a relativização do critério político constante das decisões orçamentárias.

O administrador público deve estar consciente de que os direitos fundamentais são requisitos, exigências implícitas à execução orçamentária. Mas não sejamos ingênuos: o apelo à consciência, a recomendação ou o aconselhamento do administrador público são iniciativas com reflexo no campo moral, podendo gozar de pouca ou nenhuma eficiência na incorporação dos direitos fundamentais à decisão de gastar. Há que se ter, assim, um remédio que goze de eficácia jurídica ante a omissão ou resistência do administrador público.

Isso significa constatar, metaforicamente, que o critério político constante da decisão de gastar entregue à responsabilidade do administrador não é um "salvo-conduto", que lhe permite decidir sobre o orçamento público conforme o seu arbítrio. Como se pode perceber, requisitos legais e constitucionais e implícitos devem "vigiar" a decisão política de gastar.

Em virtude disso, deve-se reconhecer que os direitos fundamentais (e aí os direitos das crianças e dos adolescentes) são exigíveis judicialmente ainda que não haja provisão orçamentária, não incidindo, portanto, as vedações constantes dos incisos I e II do artigo 167 da C.F. que vedam o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual ou que realizem despesas que excedam os créditos orçamentários. Objetivando o equilíbrio financeiro das contas públicas, tais dispositivos visam conter, sobretudo, o ímpeto governamental em dispor ilimitadamente dos recursos governamentais amparado na idéia de decisão orçamentária política.

O que deve estar patente, é que o conjunto das decisões políticas com reflexos orçamentários (elaboração e execução) devem prever o atendimento dos direitos fundamentais.

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Sobre o autor
Rinaldo Segundo

bacharel em direito (UFMT), promotor de justiça no MPE/MT e mestre em direito (Harvard Law School), é autor do livro “Desenvolvimento Sustentável da Amazônia: menos desmatamento, desperdício e pobreza, mais preservação, alimentos e riqueza,” Juruá Editora.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEGUNDO, Rinaldo. Construindo a relação entre o Direito da Criança e do Adolescente e o Direito Orçamentário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 144, 27 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4541. Acesso em: 5 nov. 2024.

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