A história dos Oficiais de Justiça no Direito Processual Penal Brasileiro

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O objetivo deste artigo é fazer um levantamento histórico sobre a atividade do oficial de justiça no Direito Processual Penal. No passado, a atividade do oficial de justiça era estritamente policial, inclusive constava como um dos primeiros cargos das polícias civil e federal. Apesar da atividade judicial ser hoje separada, a profissão mantém características inerentes aos policiais.

Resumo: Este trabalho tem o objetivo de fazer um apanhado histórico sobre a função exercida pelos oficiais de justiça no Direito Processual Penal. Para isto, buscou-se entender as sistemáticas produzidas desde as legislações da época do “Brasil Imperial” às atuais trazidas pelo Código de Processo Penal. Tramita, no Senado Federal, uma proposta de criação do Novo Código de Processo Penal. Muito se perdeu – no tocante às prerrogativas de função – das atribuições do oficialato judicial, o qual era uma espécie híbrida entre a atividade judicial e atividade policial. O conhecimento da história, por parte dos cidadãos e, em especial, por parte da própria categoria dos oficiais de justiça, é o primeiro passo para entender o presente, ou melhor, a realidade atual da profissão, visando à garantia de direitos fundamentais para o futuro, para não se correr o risco de perdê-los. Portanto, o presente trabalho tem o foco de demonstrar a importância da manutenção da atividade do oficialato judicial para o Direito Processual Penal, quiçá com algumas das atribuições que outrora foram exercidas no extinto Código de Processo Criminal de 1832.

Palavras-chave: Código de Processo Criminal – Código de Processo Penal – Oficial de Justiça – Direito Processual Penal – Execução de Mandados Judiciais – Novo CPP – Processo Brasileiro.

Sumário: 1. Introdução. 2. Aspectos históricos no direito brasileiro. 3. O Código de Processo Criminal de 1832. 3.1. As Reformas no Código de Processo Criminal. 4. Síntese histórica da organização policial no Brasil. 5. O oficialato judicial no atual Código de Processo Penal. 6. PL Nº 8045/2010: o novo Código de Processo Penal e o futuro da profissão. 7. Conclusão. 8. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

"Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. 26 Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo."

(Palavras de Jesus de Nazaré citadas no livro de Mateus, capítulo 5 - verso 25, da Bíblia Sagrada).

Pouco se sabe, popularmente, sobre a profissão do oficial de justiça. Muito menos ainda sobre suas atribuições no processo penal. Os próprios operadores do direito, inclusive magistrados – a não ser que tenham buscado entender ou estudar sobre o tema – desconhecem a natureza do cargo (talvez, por não acompanharem os atos executórios e de comunicação). Percebe-se muito mais, hoje em dia, o destaque dado às forças policiais, quando em auxílio às diligências efetuadas por oficiais de justiça, nos canais midiáticos de comunicação. Um exemplo disto, de caráter civil, é o caso das ações de reintegração de posse: o mandado é cumprido por oficial de justiça, por determinação legal (Código de Processo Civil e legislação esparsa), mas é noticiado que a polícia foi a encarregada de dar cumprimento à ordem judicial. De outro lado, muitas pessoas acreditam que os oficiais de justiça são policiais à paisana. Exemplo disto – como fato corriqueiro no dia a dia destes profissionais – é o espanto que as partes têm ao serem intimadas. Existem pessoas, mais idosas por exemplo, que se apavoram só de estarem diante de um oficial de justiça. Isto se deve, provavelmente, também ao fato de que, antes da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (C.F.88), a figura do oficial de justiça ser mais caricata: homens de terno e gravata, armados, cumprindo prisões criminais (como as prisões preventivas no juízo sumariante, por exemplo). Enfim, existem muitas fantasias no imaginário popular sobre a profissão, principalmente pela evolução de suas atividades durante os milênios de sua existência.

Igualmente não é do conhecimento de boa parte dos bacharéis em direito, até por falta de interesse, que antes do atual Código de Processo Penal estava em vigor o Código de Processo Criminal de 1832, com suas sucessivas alterações, no qual as figuras do magistrado e do policial se equivaliam. Os delegados e os subdelegados de polícia eram magistrados nomeados para exercerem a persecução criminal (ou penal, de acordo com o contexto), da mesma forma, seus auxiliares – a saber, os oficiais de justiça – também eram responsáveis por tal competência. Além da atividade judicante, tinham por competência o combate ao crime. Com a separação das atividades (judicial da policial) pelas legislações posteriores, aliado ao fortalecimento do Ministério Público – sendo titular da ação penal – e com a criação dos órgãos policiais, com atribuições bem definidas pela C.F. de 1988 (polícias civis e militares, para ser mais claro, para o policiamento ostensivo e judiciário), sendo os últimos vinculados ao Poder Executivo, aos poucos, os magistrados e os oficiais de justiça foram direcionados mais à atividade jurisdicional do que à atividade policial propriamente dita (apesar de ainda haver algumas semelhanças que serão demonstradas neste trabalho), desenvolvendo-se, assim, um ideal filosófico sobre a imparcialidade do juiz e de seus auxiliares.

O objetivo principal deste artigo se dá em demonstrar a história da atividade para o direito processual penal brasileiro; outrossim, serão elencadas legislações respectivas à profissão, de forma didática, para servir como fonte de consulta e pesquisa aos profissionais do direito (ou acadêmicos) que tenham a curiosidade de saber mais a respeito do tema. Conhecendo um pouco do passado, cria-se a oportunidade aos atuais oficiais de justiça, pelo múnus público que exercem, de contribuírem para o aperfeiçoamento do projeto que dará origem ao Novo Código de Processo Penal (se aprovado pelo Congresso Nacional, obviamente), observando-se como se deu o desenvolvimento do cargo ao longo dos séculos de sua existência. Desta feita, demonstrar-se-á, ainda, como se deu o processo de mudanças estruturais na carreira com as legislações que separaram a atividade judicial da policial.


2. ASPECTOS HISTÓRICOS NO DIREITO BRASILEIRO

“Art. 131. Qualquer pessoa do povo póde, e os Officiaes de Justiça são obrigados a prender, e levar á presença do Juiz de Paz do Districto, a qualquer que fôr encontrado commettendo algum delicto, ou emquanto foge perseguido pelo clamor publico. Os que assim forem presos entender-se-hão presos em flagrante delicto.”

(Código de Processo Criminal de 1832 – grifos pessoais).

A atividade do oficial de justiça é de suma importância para a garantia da ampla defesa e do contraditório das partes acusadas de terem a autoria delitiva. Sem a citação válida, o processo não se materializa. Deste modo, para que o réu tenha plena ciência de que contra ele foi imputado um crime, deverá ser citado pessoalmente, quando a lei não dispuser de forma contrária (Lei Federal de nº 9099/95, por exemplo). Atualmente é exigido como ingresso na carreira de oficial de justiça – ou oficial de justiça avaliador (como são conhecidos), federais e estaduais – quase que em todos os tribunais brasileiros, a titularidade mínima do bacharelado em Direito, justamente pela necessidade de formação jurídica para lidar com a legislação processual1. Esta exigência ocorre, também, em boa parte dos países europeus, onde os oficiais têm mais liberdade administrativa e mais prerrogativas de função.

Trata-se de uma função milenar, desde o tempo2 bíblico, existindo várias passagens bíblicas tratando sobre a natureza processual penal da profissão, principalmente no tocante ao combate ao crime e garantia processual. Ao longo da história – e pelo direito comparado – se vê várias denominações à atividade, com suas respectivas características de acordo com o contexto sociocultural: xerife, alcaide, executor, inquiridor, lictor, solicitador, oficial de diligência, meirinho (derivado do termo maiorinus , em latim, que significa grande, maior;3 por exemplo, a palavra em inglês para prefeito é mayor . O magistrado era conhecido como meirinho-mor) e por último oficial de justiça (com suas variações atuais, por exemplo, analista judiciário – oficial de justiça avaliador etc). Tudo isto se deve ao fato das legislações atribuírem distintas competências aos diferentes tipos de oficialato judicial que existiam no passado. Vê-se nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas4 – sendo esta última aplicada no “Brasil Colonial” – três capítulos específicos para disciplinar as atividades e os procedimentos a serem adotados pelos Meirinho-Mor, Meirinho e Meirinho das Cadeias. A legislação brasileira tratou sobre as funções do oficialato, principalmente, nos atuais códigos processuais civil, penal e penal militar (além da legislação esparsa). Basicamente os atos dos oficiais se resumem em atos de comunicação (citações, intimações, notificações etc) e de execução (também conhecidos como de constrição: sequestros, arrestos, prisões, penhoras, conduções coercitivas, despejos, avaliações judiciais, busca e apreensões de bens, alvarás de soltura e captura de pessoas etc.). São atos exercidos por que tem como prerrogativa de função o poder de polícia, pois lida com a liberdade pessoal e patrimonial das pessoas; todavia existem mais competências funcionais no Código de Processo Civil, onde a partir de 2016, além de outras, o oficial terá a prerrogativa de promover a autocomposição5 dos litígios judiciais.

Como já mencionado acima, no Brasil colonial os procedimentos criminais eram regulados pelas Ordenações Filipinas, as quais disciplinavam a conduta dos maiorinus (ou, conforme a transliteração, meirinhos6). Tantos o meirinho quanto o meirinho-Mor (magistrado) eram os responsáveis pela manutenção da ordem pública e da paz social, ou seja, pela segurança da corte. Lembrando que existiam diferentes classes de magistrados, dentre as quais, percebe-se nas legislações do antigo Império do Brasil as seguintes nomenclaturas: juiz de direito, juiz municipal, desembargador da relação, ouvidor, pretor, juiz de paz, delegados e subdelegados de polícia, juiz de órfãos, juiz das correções, juiz ordinário, juiz de fora etc. Sobre a origem da estrutura policial brasileira, abaixo segue extraído um pequeno trecho da história registrada pela Secretaria de Segurança pública do Estado de São Paulo, em seu sítio eletrônico:

A estrutura policial brasileira

Em terras brasileiras, o modelo policial seguiu o medieval português, no qual as funções de polícia e judicatura se completavam. A estrutura era composta de figuras como o Alcaide-Mor (juiz ordinário com atribuições militares e policiais), pelo Alcaide Pequeno (responsável pelas diligências noturnas visando prisões de criminosos), e Quadrilheiro (homem que jurava cumprir os deveres de polícia).

O Alcaide Pequeno coordenava o policiamento urbano, auxiliado pelo escrivão da Alcaidaria e por quadrilheiros e meirinhos (antigo oficial de Justiça). As diligências noturnas – combinadas em reuniões diárias na casa do Alcaide Pequeno – eram acompanhadas pelo escrivão, que registrava as ocorrências enquanto quadrilheiros e meirinhos diligenciavam pela cidade, seguindo as instruções recebidas nas reuniões.

Pelo Alvará Régio de 10 de maio de 1808, D. João criou o cargo de Intendente Geral de Polícia da Corte e nomeou o desembargador Paulo Fernandes Viana para exercer o cargo, iniciando-se, assim, uma série de grandes modificações no organismo policial. Viana criou, pelo Aviso de 25 de maio de 1810, o Corpo de Comissários de Polícia, que só se tornou realidade por força de uma portaria do Intendente Geral de Polícia, Francisco Alberto Teixeira de Aragão, em novembro de 1825.

Mudanças e inovações

De 1808 a 1827, as funções policiais e judiciárias permaneceram acumuladas; mas com a promulgação do Código de Processo Criminal do Império, a organização policial foi descentralizada. Em 1841, a Intendência Geral de Polícia foi extinta, criando-se o cargo de Chefe de Polícia, ocupado até 1844 por Euzébio de Queiroz Coutinho Matoso Câmara. A lei de 03 de dezembro de 1841 proporcionou uma mudança radical, com a criação, em cada província e também na Corte, de uma Chefatura de Polícia. Nela, o Chefe de Polícia passou a ser auxiliado por delegados e subdelegados de Polícia.

Em 31 de janeiro de 1842, o regulamento nº 120 definiu as funções da polícia administrativa e judiciária, colocando-as sob a chefia do Ministro da Justiça. Em 20 de setembro de 1871, pela Lei n.º 2033, regulamentada pelo Decreto n.º 4824, de 22 de novembro do mesmo ano, foi reformado o sistema adotado pela Lei n.º 261, separando-se Justiça e Polícia de uma mesma organização e proporcionando inovações que perduram até hoje, como a criação do Inquérito Policial

(Histórico. SSP/SP,site. Grifos próprios).


3. O CÓDIGO DE PROCESSO CRIMINAL DE 1832

O Código de Processo Criminal de 1832 regia os procedimentos a serem observados pelos agentes públicos no tocante à prevenção, apuração e punição dos transgressores da Lei e da Ordem. Entre os demais magistrados, haveria juízes de paz e de direito, os quais receberiam atribuições policiais, inclusive o Chefe de Polícia deveria ser um magistrado. Os Oficiais de Justiça tinham a incumbência de garantir a existência da paz social, além do cumprimento da lei por parte dos cidadãos. Os agentes responsáveis pela administração da justiça criminal eram: os juízes de Paz, de Direito e desembargadores; os inspetores de quarteirão; promotores públicos, escrivães criminais e oficiais de justiça. As citações abaixo respeitarão os espaçamentos e grifos próprios de suas respectivas codificações para facilitar, de uma maneira mais didática, o entendimento sobre o tema.

Código do Processo Criminal de Primeira Instancia

PARTE PRIMEIRA - Da Organização Judiciaria

TITULO I - De varias disposições preliminares, e das pessoas encarregadas da Administração da Justiça Criminal, nos Juizos de Primeira Instancia

CAPITULO I - DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 4º Haverá em cada Districto um Juiz de Paz, um Escrivão, tantos Inspectores, quantos forem os Quarteirões, e os Officiaes de Justiça, que parecerem necessarios.

Art. 5º Haverá em cada Termo, ou Julgado, um Conselho de Jurados, um Juiz Municipal, um Promotor Publico, um Escrivão das execuções, e os Officiaes de Justiça, que os Juizes julgarem necessarios.

Art. 6º Feita a divisão haverá em cada Comarca um Juiz de Direito: nas Cidades populosas porém poderão haver até tres Juizes de Direito com jurisdicção cumulativa, sendo um delles o Chefe da Policia

Observa-se no referido Código a não existência dos Delegados de Polícia, figura esta que só veio a existir – como cargo público – na reforma ao código de 1832, trazida em 1841; todavia o cargo de delegado era privativo da magistratura. Não se pode olvidar, também, sobre os integrantes do corpo da Guarda Nacional, sendo esta uma instituição de caráter civil e força auxiliar do Exército – força esta criada para assegurar a manutenção da ordem e da unidade territorial, mas extinta em 1922; insta salientar, que, era subordinada aos juízes de Paz, ao Ministério da Justiça e, posteriormente, aos conhecidos “Coronéis” da República Velha. De todo modo, é importante observar abaixo como se dava a organização procedimental:

CAPITULO II - DAS PESSOAS ENCARREGADAS DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA CRIMINAL EM CADA DISTRICTO

SECÇÃO PRIMEIRA - Dos Juizes de Paz

Art. 12. Aos Juizes de Paz compete:

§ 1º Tomar conhecimento das pessoas, que de novo vierem habitar no seu Districto, sendo desconhecidas, ou suspeitas; e conceder passaporte ás pessoas que lh'o requererem.

§ 2º Obrigar a assignar termo de bem viver aos vadios, mendigos, bebados por habito, prostitutas, que perturbam o socego publico, aos turbulentos, que por palavras, ou acções offendem os bons costumes, a tranquillidade publica, e a paz das familias.

§ 3º Obrigar a assignar termo de segurança aos legalmente suspeitos da pretenção de commetter algum crime, podendo cominar neste caso, assim como aos comprehendidos no paragrapho antecedente, multa até trinta mil réis, prisão até trinta dias, e tres mezes de Casa de Correcção, ou Officinas publicas.

§ 4º Proceder a Auto de Corpo de delicto, e formar a culpa aos delinquentes.

§ 5º Prender os culpados, ou o sejam no seu, ou em qualquer outro Juizo.

§ 6º Conceder fiança na fórma da Lei, aos declarados culpados no Juizo de Paz.

§ 7º Julgar: 1º as contravenções ás Posturas das Camaras Municipaes: 2º os crimes, a que não esteja imposta pena maior, que a multa até cem mil réis, prisão, degredo, ou desterro até seis mezes, com multa correspondente á metade deste tempo, ou sem ella, e tres mezes de Casa de Correcção, ou Officinas publicas onde as houver.

§ 8º Dividir o seu Districto em Quarteirões, contendo cada um pelo menos vinte e cinco casas habitadas.

Art. 13. Sanccionado, e publicado o presente Codigo, proceder-se-ha logo á eleição dos Juizes de Paz nos Districtos que forem novamente creados, ou alterados, os quaes durarão até ás eleições geraes sómente.

SECÇÃO 3ª - Dos Inspectores de Quarteirões

Art. 16. Em cada Quarteirão haverá um Inspector, nomeado tambem pela Camara Municipal sobre proposta do Juiz de Paz d'entre as pessoas bem conceituadas do Quarteirão, e que sejam maiores de vinte e um annos.

Art. 17. Elles serão dispensados de todo o serviço militar de 1ª linha, e das Guardas Nacionaes; e só servirão um anno, podendo escuzar-se no caso de serem immediatamente reeleitos.

Art. 18. Competem aos Inspectores as seguintes attribuições:

1º Vigiar sobre a prevenção dos crimes, admoestando aos comprehendidos no art. 12, § 2º para que se corrijam; e, quando o não façam, dar disso parte circumstanciada aos Juizes de Paz respectivos.

2º Fazer prender os criminosos em flagrante delicto, os pronunciados não afiançados, ou os condemnados á prisão.

3º Observar, e guardar as ordens, e instrucções, que lhes forem dadas pelos Juizes de Paz para o bom desempenho destas suas obrigações.

Art. 19. Ficam supprimidos os Delegados.

SECÇÃO 4ª - Dos Officiaes de Justiça dos Juizos de Paz

Art. 20. Estes Officiaes serão nomeados pelos Juizes de Paz, e tantos, quantos lhes parecerem bastantes para o desempenho das suas, e das obrigações dos Inspectores.

Art. 21. Aos Officiaes de Justiça compete:

1º Fazer pessoalmente citações, prisões, e mais diligencias.

2º Executar todas as ordens do seu Juiz.

Art. 22. Para prisão dos delinquentes, e para testemunhar qualquer facto de sua competencia, poderão os Officiaes de Justiça chamar as pessoas que para isso forem proprias, e estas obedecerão, sob pena de serem punidas como desobedientes.

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Hoje, na legislação penal vigente, não há tipificação para o “crime” de desobstrução da justiça, apesar da tentativa de vários deputados em aprovar projetos de lei, neste sentido7. Atualmente, os tipos penais que se assemelham a conduta (ainda não tipificada no Código Penal Brasileiro, ressalte-se) podem ser destacados como crimes contra a competência da justiça (artigos 338 a 360 do CPB). Porém no Código Criminal de 1830 havia a previsão deste tipo penal – de certo modo, porém não com esta nomenclatura, além da pena a ser aplicada, inclusive de morte – se necessário fosse – no momento da diligência, para resguardar a segurança dos oficiais e, consequentemente, o cumprimento da decisão. Apesar do aparente exagero da pena, mostra-se a importância dada naquela época à uma decisão judicial, bem como aos agentes responsáveis pela manutenção e aplicação da Lei.

CAPITULO V - RESISTENCIA

Art. 116. Oppôr-se alguem de qualquer modo com força á execução das ordens legaes das autoridades com potentes.

Se em virtude da opposição se não effectuar a diligencia ordenada, ou, no caso de effectuar-se, se os officiaes encarregados da execução soffrerem alguma offensa physica da parte dos resistentes.

Penas - de prisão com trabalho por um a quatro annos, além das em que incorrer pela offensa.

Se a diligencia se effectuar sem alguma offensa physica, apesar da opposição.

Penas - de prisão com trabalho por seis mezes a dous annos.

Art. 117. As ameaças de violencia capazes de aterrar qualquer homem de firmeza ordinaria, considerar-se-hão neste caso iguaes á uma opposição de effectiva força.

Art. 118. Os officiaes da diligencia, para effectual-a poderão repellir a força dos resistentes até tirar-lhes a vida, quando por outro meio não possam conseguil-o (grifos pessoais).

O Código Criminal de 1830 ainda previa a situação da redução da liberdade à condição de preso ou de escravo, ou ainda, às situações semelhantes. Excetuavam-se, neste caso, os oficiais de justiça no exercício legal do dever. Lembrando-se que, pelo artigo 131 do Código de Processo Criminal de 1832, os agentes obrigados a prenderem quem se encontrasse em flagrante delito eram os oficiais de justiça. Conforme o referido Código Criminal de 1830:

Art. 181. Ordenar a prisão de qualquer pessoa, sem ter para isso competente autoridade, ou antes do culpa formada, não rendo nos casos em que a lei o permitte.

Executar a prisão sem ordem legal escripta de legitima autoridade, exceptuados os Militares, ou Officiaes de Justiça, que incumbidos da prisão dos malfeitores, prenderem algum individuo suspeito, para o apresentarem directamente ao Juiz e exceptuado tambem o caso de flagrante delicto.

Previa também as hipóteses do uso de armas permitidas ou proibidas para o porte, deixando ao cargo dos juízes de paz a expedição de atos normativos que disciplinassem as matérias. Curioso observar que, a priori , somente os militares e os oficiais de justiça em serviço é que poderiam ter o porte funcional para o garantia da defesa pessoal dos agentes da Lei.

CAPITULO V - USO DE ARMAS DEFESAS

Art. 297. Usar de armas offensivas, que forem prohibidas.

Penas - de prisão por quinze a sessenta dias, e de multa correspondente á metade do tempo, atém da perda das armas.

Art. 298. Não incorrerão nas penas do artigo antecedente:

1º Os Officiaes de Justiça, andando em diligencia.

2º Os Militares da primeira e segunda linha, e ordenanças, andando em diligencia, ou em exercicio na fórma de seus regulamentos.

3º Os que obtiverem licença dos Juizes de Paz.

Art. 299. As Camaras Municipaes declararão em editaes, quaes sejam as armas offensivas, cujo uso poderão permittir os Juizes de Paz; os casos, em que as poderão permittir; e bem assim quaes as armas offensivas, que será licito trazer, e usar sem licença aos occupados em trabalhos, para que ellas forem necessarias.

Como o foco deste trabalho se dará no Código de Processo Criminal de 1832, observar-se-ão as disposições deste código e algumas posteriores alterações, no tocante ao oficialato judicial.

SECÇÃO IV - Dos Escrivães, e Officiaes de Justiça dos Juizes Municipaes

Art. 41. Os Officiaes de Justiça dos Termos serão nomeados pelos Juizes Municipaes d'entre as pessoas de sua jurisdicção maiores de vinte e um annos.

Art. 42. Serão nomeados, quantos forem necessarios para o bom desempenho das obrigações, que estão a seu cargo.

Art. 43. A estes Officiaes compete executar as ordens, e despachos do Juiz Municipal, e do Juiz de Direito, quando estiver no Municipio.

O artigo 59 dispunha sobre a disposição das audiências, as quais deveriam ser públicas. O capítulo V demonstrava como deveriam ser procedidas as citações, além da modalidade de expedições das cartas precatórias.

CAPITULO II - DAS AUDIENCIAS

Art. 59. Todas as audiencias, e sessões dos Tribunaes, e Jurados, serão publicas a portas abertas, com assistencia de um Escrivão, de um Official de Justiça, ou Continuo, em dia, e hora certa invariavel, annunciado o seu principio pelo toque de campainha.

CAPITULO V - DA CITAÇÃO

Art. 81. As citações, que forem requeridas ao Juiz de Paz, e se houverem de fazer no respectivo Districto, serão determinadas por despacho do mesmo Juiz no requerimento das partes; as que forem requeridas a qualquer outra autoridade judicial, e se houverem de fazer no Termo da sua jurisdicção, serão determinadas por mandado dos mesmos Juizes, ou por portaria na fórma dos seus regimentos, salvo se houverem de ser feitas na Cidade, ou Villa de sua residencia, onde tambem serão determinadas por despacho no requerimento das partes, e por precatorias as que houverem de ser feitas em lugares, que não forem da jurisdicção do Juiz, a quem forem requeridas.

Art. 82. O Mandado para a citação deve conter:

§ 1. Ordem aos Officiaes de Justiça da jurisdicção do Juiz para que o executem.

§ 2º O nome da pessoa, que deve ser citada, ou os signaes caracteristicos della, se fôr desconhecida.

§ 3º O fim para que, excepto se o objecto fôr de segredo, declarando-se isto mesmo.

§ 4º O Juizo, o lugar, e tempo razoavel, em que deve comparecer.

Art. 83. As precatorias serão tão simples, como os mandados, com a unica differença de serem dirigidas ás autoridades Judiciarias em geral, rogando-lhes que as mandem cumprir.

Assim os mandados, como as precatorias, serão escriptos pelo Escrivão, e assignados pelo Juiz.

Um fato curioso, porém que deixou de existir com o atual código de processo penal, era o termo de bem viver e de segurança. Se um oficial de justiça encontrasse algum suspeito de cometimento de alguma infração criminal no local em que ocorreu o crime, ou se encontrasse algum fugitivo, havendo apenas indícios de materialidade e autoria, esse oficial poderia levá-lo ao juiz de paz para que o indiciado assinasse um termo de segurança. Se ficasse provado o crime ou se o suspeito viesse a praticar algum crime depois de alguma ameaça que tivesse provocado anteriormente, responderia ao processo criminal. Este termo serviria como um aviso ou certo tipo de comprometimento sobre alguma denúncia realizada. Este capítulo deixava claro o compromisso do oficial de cumprir com a verdade, pois, do contrário, as consequências do dolo viriam de encontro a este.

CAPITULO II - DOS TERMOS DE BEM VIVER, E DE SEGURANÇA.

Art. 123. Todo o Official de Justiça poderá ex-officio, ou qualquer cidadão, conduzir á presença do Juiz de Paz do Districto a qualquer, que fôr encontrado junto ao lugar, onde se acaba de perpetrar um crime, tratando de esconder-se, fugir, ou dando qualquer outro indicio desta natureza, ou com armas, instrumentos, papeis, e effeitos, ou outras cousas, que façam presumir cumplicidade em algum crime, ou que pareçam furtadas.

Art. 124. Se o Juiz perante quem fôr levado O suspeito entender que ha fundamento razoavel (depois de ouvil-o, e ao conductor) para acreditar-se que elle tenta um crime, ou é cumplice, ou socio em algum, o sujeitará a termo de segurança, até justificar-se.

Art. 125. O mesmo póde fazer o Juiz toda a vez que alguma pessoa tenha justa razão de temer que outra tenta um crime contra ella, ou seus bens.

Art. 126. O conductor, ou as partes queixosas devem dar juramento, e provar com testemunhas (ou documentos, quando lhes fôr possivel) sua informação escripta; o accusado póde contestal-a verbalmente, e provar tambem sua defesa antes que o Juiz resolva; e por isso no segundo caso deve ser notificado para vir á presença do mesmo Juiz.

Art. 127. O Juiz, se a gravidade do caso o exigir, porá a parte queixosa sob a guarda de Officiaes de Justiça, ou outras pessoas aptas para guardal-a, em quanto o accusado não assigne o termo.

Art. 128. Se o accusado destróe as presumpções, ou provas do conductor, ou queixoso, o Juiz o mandará em paz, mas nem por isso fica o conductor, ou queixoso sujeito a pena alguma, salvo havendo manifesto dolo.

Art. 129. Estes termos de segurança seguem todas as regras estabelecidas para as fianças dos réos que se pretenderem livrar soltos.

Art. 130. Estes termos serão escriptos pelo Escrivão, assignados pelo Juiz, testemunhas e partes; e quando estas não queiram assignar, ou não souberem escrever, o fará por ellas uma testemunha.

No atual CPP se observa (pelo artigo 331) que qualquer pessoa poderá prender alguém que se encontrar em flagrante delito. Porém determina que as autoridades policiais cumpram com o estrito dever legal, ou seja, que os agentes policiais sejam obrigados a prenderem quem tiver cometendo algum tipo de crime, no momento da ação ou na perseguição do suspeito. Entretanto, o código anterior (de 1832) delegava este dever legal aos oficiais de justiça, justamente pela estrutura policial ser diferente da atual. Fica mais claro, neste caso, que a atividade do oficial de justiça, além de judicial, era estritamente policial e ostensiva, sem prejuízo da atividade judicial.

CAPITULO III - DA PRISÃO SEM CULPA FORMADA, E QUE PÓDE SER EXECUTADA SEM ORDEM ESCRIPTA

Art. 131. Qualquer pessoa do povo póde, e os Officiaes de Justiça são obrigados a prender, e levar á presença do Juiz de Paz do Districto, a qualquer que fôr encontrado commettendo algum delicto, ou emquanto foge perseguido pelo clamor publico. Os que assim forem presos entender-se-hão presos em flagrante delicto.

Art. 132. Logo que um criminoso preso em flagrante fôr á presença do Juiz, será interrogado sobre as arguições que lhe fazem o conductor, e as testemunhas, que o acompanharem; do que se lavrará termo por todos assignado.

Art. 133. Resultando do interrogatorio suspeita contra o conduzido, o Juiz o mandará pôr em custodia em qualquer lugar seguro, que para isso designar; excepto o caso de se poder livrar solto, ou admittir fiança, e elle a dér; e procederá na formação da culpa, observando o que está disposto a este respeito no Capitulo seguinte.

Os artigos seguintes – além de preverem o princípio da legalidade e do devido processo legal para a expedição de mandados de prisão de criminosos – elencam situações de resistência à ordem judicial, com suas respectivas consequências no momento das diligências:

CAPITULO VI - DA ORDEM DE PRISÃO

Art. 175. Poderão tambem ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes, em que não tem lugar a fiança; porém nestes, e em todos os mais casos, á excepção dos de flagrante delicto, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escripta da autoridade legitima.

Art. 176. Para ser legitima a ordem de prisão é necessario:

§ 1º Que seja dada par autoridade competente.

§ 2º Que seja escripta por Escrivão, assignada pelo Juiz, ou Presidente do Tribunal, que a emittir.

§ 3º Que designe, a pessoa, que deve ser presa, pelo seu nome, ou pelos signaes caracteristicos, que a façam conhecida ao Official.

§ 4º Que declare o crime.

§ 5º Que seja dirigida ao Official de Justiça.

Art. 177. Os mandados de prisão são exequiveis dentro do lugar da jurisdicção do Juiz que os emittir.

Art. 178. Quando o delinquente existir em lugar, onde não possa ter execução o mandado, se expedirá precatoria na fórma do art. 81.

Art. 179. O Official de Justiça encarregado de executar o mandado de prisão, deve fazer-se conhecer ao réo, apresentar-lhe o mandado, intimando-o para que o acompanhe.

Desempenhados estes requisitos, entender-se-ha feita a prisão, com tanto que se possa razoavelmente crer, que o réo viu, e ouviu o Official.

Art. 180. Se o réo não obedece e procura evadir-se, o executor tem direito de empregar o grão da força necessaria para effectuar a prisão; se obedece porém, o uso da força é prohibido.

Art. 181. O executor tomará ao preso toda e qualquer arma, que comsigo traga, para apresental-a ao Juiz que ordenou a prisão.

Art. 182. Se o réo resistir com armas, o executor fica autorizado a usar daquellas, que entender necessarias para sua defesa, e para repellir a opposição; e em tal conjunctura o ferimento, ou morte do réo é justificavel, provando-se que de outra maneira corria risco a existencia do executor.

Art. 183. Esta mesma disposição comprehende quaesquer terceiras pessoas, que derem auxilio ao Official executor, e os que prenderem em flagrante; ou que quizerem ajudar a resistencia, e tirar o preso de seu poder no conflicto.

Art. 184. As prisões podem ser feitas em qualquer dia util, Santo, ou Domingo, ou mesmo de noite.

Art. 185. Se o réo se metter em alguma casa, o executor intimará ao dono, ou inquilino della, para que o entregue, mostrando-lhe a ordem de prisão, e fazendo-se bem conhecer; se essas pessoas não obedecerem immediatamente, o executor tomará duas testemunhas, e, sendo de dia, entrará á força na casa, arrombando as portas se fôr preciso.

Art. 186. Se o caso do artigo antecedente acontecer de noite, o executor, depois de praticar o que fica disposto, para com o dono, ou inquilino da casa, á vista das testemunhas, tomará todas as sahidas, e proclamará tres vezes incommunicavel a dita casa, e immediatamente que amanheça, arrombará as portas, e tirará o réo.

Art. 187. Em todas as occasiões, que o morador de uma casa negue entregar um criminoso, que nella se acoutou, será levado á presença do Juiz, para proceder contra elle como resistente.

Art. 188. Toda esta diligencia deve ser feita perante duas testemunhas, que assignem o auto, que della lavrar o Official.

O capítulo VII descreve como deveriam ser procedidas as buscas pessoais e domiciliares. Semelhante às disposições normativas do Código de Processo Civil de 1973, no tocante à modalidade das Buscas e Apreensões, apesar destas serem de caráter civil, o código anterior também determinava aos oficiais de justiça essa tarefa, inclusive com a previsão de arrombamento e prisão dos resistentes à ordem. Atualmente, no CPP de 1941, fala-se em “executores”, porém não descreve se serão policiais ou oficiais de justiça (mais adiantes serão expostas as razões para tal terminologia). De praxe, na esfera penal, esta modalidade de mandados é cumprida por policiais civis, contudo existem tribunais que – tradicionalmente – ainda expedem essas ordens aos oficiais de justiça, por ser próprio da natureza do cargo. No entanto, com a criação e o fortalecimento da Polícia Civil, nos dias atuais e na esfera penal, a prática quase se transformou numa regra o fato das buscas e apreensões serem cumpridas exclusivamente por agentes de polícia, mesmo que em auxílio aos oficiais de justiça (isto é, nesta situação, em determinados casos e como exceção).

É imperioso observar a expressão ainda utilizada (não mais de forma literal), no artigo 202 sobre a “condução debaixo de vara ” (ou condução sob vara). Segundo os registros históricos, o juiz e o oficial de justiça que andavam na corte possuíam, cada um, uma vara8. Dependendo do crime, se de menor potencial ofensivo, a pena era executada no ato da transgressão, quando em flagrante; ou seja, o infrator era submetido às “varadas” no momento em que fosse descoberto agindo. De semelhante modo, a testemunha faltosa ou pessoa intimada era conduzida à “varada” como castigo por seu descumprimento da lei. O Código Criminal de 1830 aboliu estas praticas, porém a terminologia continuou a ser utilizada no seu sentido simbólico, dando a conotação de uma medida coercitiva. Fica fácil perceber, então, o porquê dos juízos serem denominados “varas”.

CAPITULO VII - Das buscas

Art. 189. Conceder-se-ha mandados de busca:

§ 1º Para apprehensão das cousas furtadas, ou tomadas por força, ou com falsos pretextos, ou achadas.

§ 2º Para prender criminosos.

§ 3º Para apprehender instrumentos de falsificação, moeda falsa, ou outros objectos falsificados de qualquer natureza que sejam.

§ 4º Para apprehender armas, e munições preparadas para insurreição, ou motim, ou para quaesquer outros crimes.

§ 5º Para descobrir objectos necessarios á prova de algum crime, ou defesa de algum réo.

Art. 196. Aos Officiaes de Justiça compete a execução dos mandados de exhibição, e busca, em casas de morada, ou habitação particular.

Art. 197. De noite em nenhuma casa se poderá entrar, salvo nos casos especificados no art. 209. do Codigo Criminal.

Art. 198. Os Officiaes da diligencia sempre se acompanharão, sendo possivel, de uma testemunha vizinha, que assista o acto, e o possa depois abonar, e depôr, se fôr preciso, para justificação dos motivos, que determinaram, ou tornaram legal a entrada.

Art. 199. Só de dia podem estes mandados ser executados; e antes de entrar na casa, o Official de Justiça encarregado da sua execução, os deve mostrar, e ter ao morador, ou moradores della, a quem tambem logo intimará, para que abram a porta.

Art. 200. Não sendo obedecido, o mesmo Official tem direito de arrombal-a, e entrar á força; e o mesmo praticará com qualquer porta interior, armario, ou outra qualquer cousa, onde se possa com fundamento suppôr escondido o que se procura.

Art. 201. Finda a diligencia, farão os executores um auto de tudo quanto tiver succedido, no qual tambem descreverão as cousas, pessoas, e lugares onde foram achadas; e assignarão com duas testemunhas presenciaes, que os mesmos Officiaes de Justiça devem chamar, logo que quizerem principiar a diligencia, e execução, dando de tudo cópias ás partes se o pedirem.

Art. 202. O possuidor, ou occultador das cousas, ou pessoas, que forem objecto da busca, serão levados debaixo de vara á presença do Juiz que a ordenou, para serem examinados, e processados na fórma da Lei, se forem manifestamente dolosos, ou se forem cumplices no crime.

Já dizia um velho ditado: “com a justiça não se brinca”. Se a história for bem observada, é fácil se chegar às conclusões sobre os principais motivos do temor popular sobre os juízes e sobre os agentes da justiça. O capítulo VIII elucidava bem esta situação, em virtude do caráter impositivo e sancionador das ordens judiciais. No passado, as penas impostas sobre os desobedientes e ou resistentes às ordens das autoridades públicas eram muito mais pesadas.

CAPITULO VIII - DA DESOBEDIENCIA

Art. 203. O que desobedecer ou injuriar o Juiz, ou qualquer autoridade, á que seja subordinado, ao Inspector, Escrivão, e Officiaes de Justiça, ou patrulhas, em actos de seus officios, será processado perante o Juiz de Paz do Districto, em que fôr commettida a desobediencia, ou injuria; e sendo este o desobedecido, ou injuriado, perante o Juiz supplente.

Art. 204. Os Juizes, autoridades, Inspectores, Escrivães, e Officiaes de Justiça, ou patrulhas desobedecidas, ou injuriadas, prenderão em flagrante, e levarão o facto ao conhecimento do Juiz de Paz respectivo, por uma exposição circumstanciada, por elles escripta, e assignada, e com declaração das testemunhas, que foram presentes; á vista della mandará o Juiz de Paz citar o delinquente, e proceder em tudo, segundo vai disposto no capitulo seguinte.

Sobre o instituto da ampla defesa e do contraditório, princípios basilares do devido processo legal (indispensáveis para a formação do processo, nos dias atuais), a parte deveria ser regularmente citada e deveria ter o direito a uma audiência, não no dia da citação para promoção de sua defesa. O oficial deveria, portanto, permitir ao acusado a leitura de toda a denúncia, dando-o a oportunidade para receber uma cópia do procedimento acusatório. Neste sentido, rezava o Capítulo:

CAPITULO IX - DAS SENTENÇAS NO JUIZO DE PAZ

Art. 205. Apresentada ao Juiz de Paz uma denuncia de contravenção ás posturas das Camaras Municipaes, ou queixa de crime, cujo conhecimento, e decisão final lhe compete, mandará citar o delinquente para a sua primeira audiencia (que nunca será a do mesmo dia da citação).

Art. 206. Não havendo queixa, ou denuncia, mas constando ao Juiz de Paz que se tem infringido as posturas, lei policial, ou termo de segurança, e de bem viver, mandará formar auto circumstanciado do facto, com declaração das testemunhas, que nelle hão de jurar, e citar o delinquente na fôrma do artigo antecedente.

Art. 207. O Escrivão, ou Official de Justiça permittirão ao delinquente a leitura do requerimento, ou auto, e mesmo copia-lo, quando o queira fazer.

As últimas disposições do código, sobre o oficialato judicial, são sobre os procedimentos a serem adotados no Tribunal do Júri Popular (art. 333), onde dois oficiais teriam a incumbência de resguardar a incomunicabilidade dos jurados, além de os vigiarem. Já artigo 344 falava sobre a possibilidade do pedido de Habeas-corpus, destacando o rol das autoridades coatoras, dentre elas, o próprio oficial de justiça, de acordo com a situação fática. Os oficiais detentores da ordem de livramento (alvará de soltura) deveriam obedecê-la, estritamente 346. E para finalizar, os artigos 347 e 348 dispunham sobre a situação do carcereiro ou qualquer agente público que embaraçasse o cumprimento dos mandados de prisão, demonstrando, assim, o procedimento a ser adotado pelo oficial de justiça.

Art. 333. A conferencia do Jury, em sua sala particular, é secreta. Dous Officiaes de Justiça por ordem do Juiz de Direito serão postados á porta della, para não consentirem, que saia algum Jurado, ou que alguem entre, ou se communique por qualquer maneira com os Jurados, pena de serem punidos como desobedientes.

Art. 344. Independentemente de petição qualquer Juiz póde fazer passar uma ordem de - Habeas-Corpus - ex-officio, todas as vezes que no curso de um processo chegue ao seu conhecimento por prova de documentos, ou ao menos de uma testemunha jurada, que algum cidadão, Official de Justiça, ou autoridade publica tem illegalmente alguem sob sua guarda, ou detenção.

Art. 346. Qualquer Inspector de Quarteirão, Official de Justiça, ou Guarda Nacional, a quem fôr apresentada uma tal ordem em fórma legal, tem obrigação de executal-a ou coadjuvar sua execução.

Art. 347. As ordens, que levarem logo o mandado de prisão, serão executadas pela maneira que fica estabelecida no Capitulo VI do Titulo III; as que o não levarem, serão primeiro apresentadas ao Detentor, ou Carcereiro, e quando elles as não queiram receber, lidas em alta voz, serão affixadas na sua porta.

Art. 348. O Official passará então certidão, ou attestação jurada de tudo, á vista da qual o Juiz, ou Tribunal, mandará passar ordem de prisão contra o desobediente, que será executada, como acima fica estabelecido.

3.1. As reformas no Código de Processo Criminal

Em 1841 entrou em vigor a Lei nº 261, a qual reformou uma parte do Código de Processo Criminal de 1832, criando, no lugar dos juízes de paz, os cargos de delegados e subdelegados, além de outras disposições sobre a instituição da polícia judiciária. Esta lei merece algumas considerações que serão explanadas adiante. A primeira é que os Chefes de Polícia, seriam escolhidos dentre desembargadores e juízes de direito e todas as autoridades policiais deveriam estar subordinadas aos mesmos; já os delegados e subdelegados seriam escolhidos dentre os juízes e quaisquer cidadãos (art. 2º). Ou seja, as nomenclaturas “delegado e subdelegados” de polícia se referiam, grosso modo , a pessoa do Chefe de Polícia, que delegou a algum agente público a tarefa que compete à autoridade policial. Deste modo, os delegados nada mais eram que magistrados (art. 4º,§1º) a quem era dada a missão, dentre outras (art. 4º), de vigiar e providenciar, na forma da lei, sobre tudo que pertencesse à prevenção dos delitos, a manutenção da segurança e a tranquilidade pública (§4º do art.4º).

Mais uma reforma ocorreu no ano de 1842, tratando-se do Regulamento Nº 120 de 31 de janeiro, o qual regulou a execução da parte policial e criminal da Lei nº 261/1841. Já no artigo 26, fica claro que os delegados seriam escolhidos dentre os juízes municipais, já que a figura do juiz de paz deixou de ser de competência policial. Da mesma forma, rezava o artigo 27 sobre os subdelegados:

Art. 26. Os Delegados serão propostos d'entre os Juizes Municipaes, de Paz, Bachareis formados, ou outros quaesquer Cidadãos, (á excepção dos Parochos) com tanto que residão nas Cidades, ou Villas, que forem cabeças de Termo (ou dos Termos, no caso da reunião, de que trata o art. 31. da Lei de 3 de Dezembro de 1841) ou mui proximamente (nunca porém fóra dos limites do dito Termo ou Termos), e tenhão as qualidades requeridas para ser Eleitor, e que sejão homens de reconhecida probidade e intelligencia.

Art. 27. Os Subdelegados serão propostos, ouvindo o Delegado, d'entre os Juizes de Paz dos respectivos districtos; d'entre os Bachareis formados e outros quaesquer Cidadãos, que nelles residirem, e tiverem as qualidades requeridas no artigo antecedente.

Merece destaque a observação de que, apesar de várias reformas ao código de 1832, as funções dos oficiais de justiça permaneceram, tipicamente, as mesmas. Além de reafirmar a necessidade da permanência da atividade, o referido regulamento aumentou as possibilidades de atuação do oficial de justiça. A Seção II, além de elencar o compromisso dito anteriormente, conhecido como “termos de bem viver e de segurança”, elencava como deveriam ser adotados os procedimentos para a busca e apreensão e a prisão de culpados, além do horário para o cumprimento das diligências. Em todo o regulamento se vê que os nomes dados aos agentes encarregados de darem cumprimento às ordens judiciais, ou de atuarem ostensiva e preventivamente no combate ao crime, são as autoridades policiais ou oficiais de justiça.

SECÇÃO II - Dos Termos de bem viver e de seguranca

Art. 113. Se fôr apresentado ao Chefe de Policia, Delegado, ou Subdelegado, por Alcaide, Official de Justiça, Pedestre, ou qualquer Cidadão, um individuo encontrado junto ao lugar, em que se acabava de perpetrar um delicto, tratando de esconder-se, fugir, ou dando qualquer outro indicio desta natureza, ou com armas, instrumentos, papeis, ou outras cousas, que fação presumir complicidade, ou que tenta algum crime, ou que pareção furtadas, a Autoridade policial procederá da mesma fórma, sujeitando-o a termo de segurança até justificar-se.

SECÇÃO III - Da prisão dos culpados e das buscas

Art. 114. Os Chefes de Policia, Delegados e Subdelegados, e Juizes de Paz, poderão, estando presentes, fazer prender por ordens vocaes os que forem encontrados a commetter crimes, ou forem fugindo, perseguidos pelo clamor publico (art. 131. do Codigo do Processo Criminal). Fóra destes casos só poderão mandar prender por ordem escripta, passada na conformidade do art. 176. do dito Codigo.

Art. 115. Os Alcaides e Officiaes de Justiça encarregados de executar o mandado de prisão, observaráõ rigorosamente nas diligencias as disposições dos arts. 179, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187 e 188 do Codigo do Processo Criminal, sob pena de soffrerem 15 a 45 dias de prisão, quando em contrario procederem, além de outras penas, em que possão ter incorrido. Aquella lhes será imposta peIo Chefe de Policia, Delegado, Subdelegado, ou Juiz Municipal.

Art. 116. Os mandados de prisão são exequiveis na fórma do art. 177. do Codigo do Processo Criminal, dentro do districto da jurisdicção da Autoridade, que os houver expedido.

Art. 117. No caso, porém, em que uma Autoridade policial, ou qualquer Official de Justiça munido do competente mandado, vá em seguimento de objectos furtados, ou de algum réo, e este se passe á districto alheio, poderá entrar nelle, e nelle effectuar a diligencia, prevenindo antes as Autoridades competentes do lugar, as quaes lhe prestaráõ o auxilio preciso, sendo legal a requisição. E se essa communicação prévia puder trazer demora incompativel com o bom exito da diligencia, poderá ser feita depois e immediatamente que se verificar a mesma diligencia.

Art. 118. Entender-se-ha que a Autoridade policial, ou qualquer Official de Justiça vai em seguimento de objectos furtados, ou de um réo: 1º, quando tendo os avistado, os fôr seguindo sem interrupção, embora depois os tenha perdido de vista: quando alguem, que deva ser acreditado, e com circumstancias verosimeis, o informar de que o réo, ou taes objectos passarão pelo lugar ha pouco tempo, e no mesmo dia, com tal ou tal direcção.

Art. 123. No caso do art. 117. a Autoridade policial, ou o Official do justiça, que fôr em seguimento do réo, ou de objectos furtados em districto alheio, poderá dar ahi as buscas necessarias, sómente nos casos, e pela forma marcadas nos arts. 185, 186, 187 e 188 do Codigo do Processo Criminal.

Art. 124. Para o caso do artigo antecedente não é indispensavel que a Autoridade policial, ou o Official de veja o réo, ou as cousas furtadas entrar em uma casa, bastará que a vizinhança, ou uma testemunha o informe de que ahi se recolhêrão.

O capítulo XIV dispunha como deveria ser observado o procedimento para a punição de banimento, que outrora era prevista no Código Criminal de 1830. Mais uma vez, os agentes responsáveis pela aplicação da sentença de banimento (inclusive para o acompanhamento até o embarque em navios ao estrangeiro ou para a certificação de que os apenados cruzaram as fronteiras do império) eram os oficiais de justiça. Eram também, no caso em tela, os responsáveis para comunicar a sentença que condenaria à prisão perpétua se os banidos voltassem ao território brasileiro, ou seja, se descumprissem a pena de banimento anteriormente imposta.

CAPITULO XIV - Da execução da sentença

Art. 415. Se a pena fôr de banimento, o Juiz Municipal fará intimar o réo, para que, no prazo que lhe assignar, se aprompte para sahir do Imperio. Se o mesmo réo estiver em porto de mar, ou em alguma Cidade ou Villa da fronteira, o Juiz Municipal o fará embarcar, ou sahir do territorio do Brasil; sendo acompanhado até o embarque, ou até os limites do Imperio, por Official de Justiça, o qual então lhe communicará a pena de prisão perpetua, imposta pelo art. 50. do Codigo Criminal, no caso de voltar; do que passará certidão para ser junta aos autos.

Art. 420. No caso porém em que o réo vá preso, será acompanhado por um Official de Justiça, o qual, logo que o mesmo réo estiver fóra dos limites do termo, ou termos, de que foi obrigado a sahir, o deixará ir solto, depois de lhe ter intimado e comminado a pena do art. 54. do Codigo Criminal, e de tudo passará certidão para ser junta aos autos.

O capítulo XVI destaca como seriam pagos os salários dos responsáveis pela administração da justiça, ou seja, juízes, chefes de polícia, delegados, subdelegados, escrivães e oficiais de justiça. Eram remunerados pelo sistema de custas e emolumentos, conforme as diligências praticadas. Em boa parte dos estados brasileiros, além do salário pelo serviço público prestado, os oficiais de justiça ainda recebem custas ou verbas indenizatórias para se locomoverem, já que utilizam dos próprios veículos para o cumprimento de mandados. Mas o caráter das ditas verbas é apenas indenizatório, não mais para seus proventos salariais.

CAPITULO XVI - Dos emolumentos, salarios, e custas judiciaes

Art. 465. Os Chefes de Policia, Juizes de Direito, Delegados, Subdelegados, Escrivães e Officiaes de Justiça, perceberáõ pelos actos e diligencias que praticarem, nos negocios policiaes e criminaes, os emolumentos e salarios marcados no Alvará de 10 de Outubro de 1754 para as Provincias de Minas Geraes, Goyaz e Mato Grosso. Os Chefes de Policia e Juizes de Direito, os que percebião os Ouvidores de Comarca, e os Delegados e Subdelegados, os que levavão os Juizes de Fóra.

Art. 466. Os Juizos Municipaes perceberáõ por tais actos diligencias os emolumentos que percebião os Juizes de Fóra em dobro; não se entendendo esta disposição favoravel e excepcional aos Escrivães e Officiaes de Justiça do seu Juizo, que os haverão singelos.

Art. 467. As Autoridades criminaes de que trata este Regulamento, os Escrivães, e Officiaes de Justiça tem o direito de cobrar executivamente a importancia dos emolumentos e salarios, que lhes forem devidos, e contados na conformidade dos artigos antecedentes, e das leis em vigor; quer das partes que requererem, ou a favor de quem se fizerem as diligencias, e praticarem os actos antes da sentença: quer das que forem condemnadas, quer finalmente do cofre da Municipalidade, nos termos do art. 307. do Codigo do Processo Criminal.

A atividade policial estava tão ligada à profissão do oficial de justiça a ponto deste poder substituir, à época, quando necessário, a chefia da carceragem de presos. A título de observação, o artigo 46 do mencionado Regulamento Nº 120 de 31 de janeiro de 1842 dispunha que os Carcereiros e mais Empregados das Cadêas da Côrte, e das Capitaes das Provincias poderiam ser demitidos por deliberação dos Chefes de Policia, logo que desmerecessem a sua confiança. Os das outras Cadeias das Cidades e Vilas das Comarcas, quando desmerecerem a confiança dos Delegados respectivos, seriam por estes suspensos e substituidos interinamente por qualquer Oficial de Justiça, ou pessoa habil, enquanto a demissão não fosse ordenada pelos Chefes de Policia, a quem os mesmos Delegados representariam sobre a necessidade dela.

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Sobre o autor
Jonathan Porto Galdino do Carmo

Doutorando em Ciências da Educação (FICS-PY) e em Teologia (EUA). Mestre em Estudos Jurídicos - ênfase em Direito Internacional (EUA). Bacharel em Direito e em Teologia. Licenciado em Filosofia e em História. Possui especializações nas respectivas áreas de formação e master em Gestão Pública (MBA). Tem experiência profissional na área do Direito e na docência. Exerce o cargo efetivo de oficial judiciário / especialidade oficial de justiça no Tribunal de Justiça de Minas Gerais / TJMG - classe B (nível de pós-graduado em Direito). É pesquisador voluntário da Unidade Avançada de Inovação em Laboratório da Escola Judicial do TJMG (UaiLab - EJEF) e professor do curso preparatório para concursos públicos, denominado "Pastoral dos Concursos" do Serviço Assistencial DORCAS da 2 IPBH - IPU.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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