3. DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE OUTRAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE NÃO PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Questão de grande importância teórica e prática e que muito tem gerado debates e discussões é a possibilidade de o fornecedor se valer de outras causas de exclusão de responsabilidade que não estejam expressamente previstas no Código de Defesa do Consumidor, como, por exemplo, o caso fortuito e a força maior, o exercício regular de um direito e o risco de desenvolvimento.
Alguns doutrinadores são enfáticos no sentido de que os dispositivos legais citados acima estabelecem rol taxativo de causas excludentes de responsabilidade do fornecedor, sendo, portanto, vedada a invocação de outras que não estejam ali previstas.
Nessa direção apontam os ensinamentos de Luiz Antonio Rizzatto Nunes, para quem “a utilização do advérbio ‘só’ não deixa margem a dúvidas”, sendo que “somente valem as excludentes expressamente previstas no §3º, e que são taxativas”, de modo que “nenhuma outra que não esteja ali tratada desobriga o responsável pelo produto defeituoso” (2012, p. 334).
No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 285, grifo nosso) assevera que “[o] Código de Defesa do Consumidor prevê, de forma taxativa ou exaustiva, as hipóteses de exclusão de responsabilidade do fabricante, produtor, construtor ou importador [...]”.
Em sentido diametralmente oposto ao dos juristas citados, Eduardo Gabriel Saad afirma que o Código de Defesa do Consumidor, a despeito de utilizar a expressão “só não será responsabilizado”, não afasta as causas excludentes da responsabilidade civil representadas, por exemplo, pelo caso fortuito e força maior (1997, p. 95).
Conclui o autor em questão que “trata-se, é bem de ver, de uma impropriedade de redação. O Código não pode obrigar o fornecedor a indenizar se sua inadimplência contratual ou responsabilidade aquiliana originaram-se de caso fortuito ou de força maior” (SAAD, 1997, p. 95, grifo nosso).
O entendimento esposado acima, no sentido de que a expressão “só não será responsabilizado” se trata de “impropriedade de redação”, conduz-nos à conclusão de que o referido rol de excludentes seria estabelecido em “numerus apertus”.
Uma terceira linha possível, que deriva muito mais da segunda linha explanada do que da terceira e que, a nosso ver, é mais coerente e acertada, entende que as causas excludentes previstas nos parágrafos 3os, tanto do artigo 12, quanto do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, embora sejam taxativas, não revogam e, portanto, não afastam as regras gerais de responsabilidade civil estipuladas pelo Código Civil, incluindo-se as regras de exclusão de responsabilidade.
Em outras palavras, o rol de exclusão de responsabilidade previsto no codex consumerista não seria nem absolutamente taxativo a ponto de não permitir a incidência de mais nenhuma outra excludente, nem meramente exemplificativo a ponto de aceitar a aplicação de qualquer outra escusa alegada pelo fornecedor.
Nesse sentido, vide julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE AÉREO. INTERNACIONAL. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CANCELAMENTO DE VÔO. 1- Força maior: embora não enumerada no art. 14, §3º, do CDC, a força maior, assim como o caso fortuito, constitui causa excludente do dever de indenizar, mesmo no âmbito das relações de consumo. Rol do art. 14, §3º, do CDC, que, muito embora taxativo, não possui o condão de revogar as regras gerais de responsabilidade civil, dadas pelo Código Civil, que consagra a excludente do motivo de força maior, inclusive, no que tange ao contrato de transporte de pessoas, conforme o seu art. 734. [...]. Apelo provido. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2013, grifo nosso).
E é justamente esse posicionamento híbrido que tem sido aceito pelos Tribunais, conforme ementa colacionada acima, sendo, portanto, possível a introdução, nas relações de consumo, de outras excludentes de responsabilidade, ainda que não previstas expressamente no codex consumerista, especialmente as previstas na legislação civil em geral.
3.1. Do caso fortuito e da força maior
A primeira e mais recorrente cláusula excludente de responsabilidade não prevista de forma expressa na legislação consumerista é o caso fortuito e a força maior, prevista no artigo 393, do Código Civil.
Assim como a possibilidade de aplicação de qualquer excludente de responsabilidade estranha ao Código de Defesa do Consumidor gera diversas discussões, dando azo à criação de diversas correntes (explanadas acima), com o caso fortuito e força maior não é diferente.
Em uma primeira linha, no sentido de que não se faria possível a aplicação do caso fortuito e da força maior para eximir o fornecedor de sua responsabilidade por reparar eventuais danos suportados pelos consumidores de seus produtos ou serviços, temos Luiz Antônio Rizzatto Nunes.
Para o autor (NUNES, 2012, p. 334, grifo nosso), que se ampara na já referida ideia de que “a utilização do advérbio ‘só’ não deixa margem a dúvidas”, tem-se que:
[...]. O risco do fornecedor é mesmo integral, tanto que a lei não prevê como excludente do dever de indenizar o caso fortuito e a força maior. E, como a norma não estabelece, não pode o agente responsável alegar em sua defesa essas duas excludentes.
No mesmo sentido esposado acima, Cláudia Lima Marques (2013, p. 436) assevera que a imputabilidade objetiva prevista do Código de Defesa do Consumidor, oriunda do profissionalismo dos fornecedores e no defeito existente, “afastaria qualquer alegação de que o defeito seria, por exemplo, oriundo de caso fortuito ou força maior quando da atividade do fornecedor [...]”.
Por seu turno, o já mencionado Eduardo Gabriel Saad (1997, p. 95), assim como outros doutrinadores, dão como possível a aplicação do caso fortuito e da força maior como excludentes de responsabilidade nas relações de consumo.
Adotando posicionamento “misto”, Zelmo Denari (GRINOVER et al, 1995, p. 119) entende que a validade de sua invocação dependerá do momento em que o caso fortuito ou a força maior ocorrer, ou seja, se a situação dita fortuita ou de força maior ocorrer antes da introdução do produto no mercado de consumo ou depois.
Para Denari, “na primeira hipótese, instalando-se na fase de concepção ou durante o processo produtivo, o fornecedor não pode invoca-la para se subtrair à responsabilidade por danos” (GRINOVER et al, 1995, p. 119), afinal, até a entrada do produto no mercado, tem o fornecedor o dever de zelar para que não recaia sobre o produto qualquer alteração que lhe torne defeituoso.
Finaliza Zelmo Denari (GRINOVER et al, 1995, p. 119, grifo nosso) dizendo que:
Por outro lado, quando o caso fortuito ou força maior se manifesta após a introdução do produto no mercado de consumo ocorre uma ruptura do nexo de causalidade que liga o defeito ao evento danoso. Nem tem cabimento qualquer alusão ao defeito do produto, uma vez que aqueles acontecimentos, no mais das vezes imprevisíveis, criam obstáculos de tal monta que a boa vontade do fornecedor não pode suprir.
Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 198-199), também adotando posição híbrida, faz referência a “fortuito interno”, quando se trata do momento anterior à colocação do produto no mercado, e a “fortuito externo”, quando menciona o momento posterior à entrada do produto no mercado.
A esse respeito, assim o referido autor (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 198-199, grifo nosso) leciona:
Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto. Não exclui a responsabilidade do fornecedor, porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço.
[..].
O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação.
No exato sentido apontado por Sérgio Cavalieri Filho, assim têm decidido os Tribunais brasileiros:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ASSALTO NO INTERIOR DE ÔNIBUS. CASO FORTUITO EXTERNO. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA EMPRESA TRANSPORTADORA. O assalto à mão armada, como ocorrido no caso, é classificado como fortuito externo, ou fato exclusivo de terceiro. Afastada a responsabilidade da transportadora pelo evento danoso, porquanto não guarda relação com a atividade exercida pelo transportador. Rompimento do nexo de causalidade. Excludente de responsabilidade da empresa transportadora do dever de indenizar eventuais prejuízos dos consumidores. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Negado provimento ao recurso (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2015c, grifo nosso).
APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ASSALTO À MÃO ARMADA EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL. (RESTAURANTE). FATO DE TERCEIRO. CASO FORTUITO EXTERNO OU FORÇA MAIOR. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL. DEVER DE INDENIZAR NÃO RECONHECIDO. A responsabilidade dos fornecedores em reparar os danos causados aos consumidores, em decorrência de defeitos no serviço prestado, é objetiva, consoante o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, bastando para a sua configuração a ocorrência do ato ilícito, o dano sofrido pelo consumidor e o nexo causal. Referida responsabilidade, no entanto, é afastada, quando o dano decorrer de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. Tais fatores, em se verificando, excluem o nexo causal, consoante prevê o parágrafo 3º do referido dispositivo legal. In casu, o assalto à mão armada ocorrido no restaurante réu rompeu o nexo de causalidade, pois se trata de ato ilícito praticado por terceiro equiparável ao caso fortuito externo ou à força maior. O fato de não haver seguranças no restaurante não afasta a inevitabilidade do acontecimento. Dever de indenizar que não se reconhece. Sentença de improcedência mantida. APELO DESPROVIDO. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2012, grifo nosso).
O próprio Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento de que o caso fortuito ou a força maior, quando se apresentam em sua vertente externa, ou seja, quando o evento não faz parte da atividade desenvolvida, pode, sim, ser invocada como excludente de responsabilidade nas relações de consumo. Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR – RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - FORNECEDOR - DEVER DE SEGURANÇA - ARTIGO 14, CAPUT, DO CDC – RESPONSABILIDADE OBJETIVA - POSTO DE COMBUSTÍVEIS - OCORRÊNCIA DE DELITO - ROUBO - CASO FORTUITO EXTERNO - EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE - INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I - É dever do fornecedor oferecer aos seus consumidores a segurança na prestação de seus serviços, sob pena, inclusive, de responsabilidade objetiva, tal como estabelece, expressamente, o próprio artigo 14, "caput", do CDC. II - Contudo, tratando-se de postos de combustíveis, a ocorrência de delito (roubo) a clientes de tal estabelecimento, não traduz, em regra, evento inserido no âmbito da prestação específica do comerciante, cuidando-se de caso fortuito externo, ensejando-se, por conseguinte, a exclusão de sua responsabilidade pelo lamentável incidente. III - O dever de segurança, a que se refere o § 1º, do artigo 14, do CDC, diz respeito à qualidade do combustível, na segurança das instalações, bem como no correto abastecimento, atividades, portanto, próprias de um posto de combustíveis. IV - A prevenção de delitos é, em última análise, da autoridade pública competente. É, pois, dever do Estado, a proteção da sociedade, nos termos do que preconiza o artigo 144, da Constituição da República. V - Recurso especial improvido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2012, grifo nosso).
Desta forma, não obstante o caso fortuito e a força maior não estejam previstos no rol de excludentes de responsabilidade do fornecedor (art. 12, § 3º, e art. 14, § 3º), a doutrina e a jurisprudência têm os aceitado como excludentes da responsabilidade do fornecedor, desde que, entretanto, apresentem-se em sua vertente externa, ou seja, quando não guardar relação com a atividade do fornecedor.
3.2. Do exercício regular de um direito
Outra clássica excludente de responsabilidade prevista na legislação civil que não consta no rol dos parágrafos 3os, dos artigos 12 e 14, do codex consumerista, refere-se ao exercício regular de um direito, previsto no artigo 188, inciso I, do Código Civil.
Sobre o “exercício regular de um direito”, assim leciona Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 585):
O outro caso que escusa a responsabilidade é o exercício regular de um direito reconhecido. No ato ilícito, há um procedimento contrário ao Direito. Portanto, o exercício de um direito elimina a ilicitude. Quem exerce um direito não provoca o dano (qui iure suo utitur nemine facit damnum). O credor que, preenchendo as condições legais, requer a falência do devedor comerciante; o proprietário que constrói em seu terreno, embora tolhendo a vista do vizinho, apesar de esses agentes causarem dano a outrem, não estão obrigados a indenizá-lo, porque agem na esfera de seu direito (grifo do autor).
Ainda sobre essa excludente de responsabilidade extraída do direito civil, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 149, grifos dos autores) asseveram que:
Não poderá haver responsabilidade civil se o agente atuar no exercício regular de um direito reconhecido (art. 188, I, segunda parte).
Isso é muito claro.
Se alguém atua escudado pelo Direito, não poderá estar atuando contra esse mesmo Direito.
[...].
Por outro lado, se o sujeito extrapola os limites racionais do lídimo exercício do seu direito, fala-se em abuso de direito, situação desautorizada pela ordem jurídica, que poderá repercutir inclusive na seara criminal (excesso punível).
Não obstante não esteja expressamente prevista no CDC, essa excludente de responsabilidade tem sido aplicada nas relações de consumo pelos Tribunais pátrios, conforme segue:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PLANO DE SAÚDE. AUTOR QUE MUDOU DE OPERADORA E DEIXOU DE PAGAR O PLANO CONTRATADO COM A EMPRESA RÉ, ORA APELADA. INADIMPLEMENTO QUE ENSEJOU A NEGATIVAÇÃO DO NOME DO TITULAR NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DO AUTOR. CANCELAMENTO DO PLANO E NEGATIVAÇÃO DE SEU NOME EM CADASTROS DE INADIMPLENTE, POR ATRASO SUPERIOR A 90 (SESSENTA) DIAS E PRECEDIDO DE REGULAR NOTIFICAÇÃO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. Recurso desprovido. (RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 2015, grifo nosso).
No julgado acima, o usuário (consumidor) pleiteava a responsabilização da operadora de plano de saúde (fornecedora), em vista de supostos danos morais e materiais que lhe teriam sido carreados em razão da inclusão indevida de seu nome junto aos cadastros restritivos de crédito.
Em se tratando de inclusão indevida de nome de consumidor em bancos de dados de proteção ao crédito, devida seria a reparação dos danos suportados pelo consumidor. Entretanto, como reconheceu a colenda Câmara Cível responsável pelo julgamento do caso, a inclusão não foi indevida, pois o usuário estava inadimplente, de modo que a operadora do plano de saúde agiu no exercício regular de seu direito, afastando sua responsabilidade pelos danos suportados pelo consumidor.
Tal excludente tem sido maciçamente aplicada nas cortes brasileiras, sobretudo nos casos de negativação devida e legítima do nome do consumidor em cadastros de proteção ao crédito (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2015; MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2015), o que reforça sobremaneira a possibilidade de aplicação do “exercício regular de um direito” como causa excludente de responsabilidade nas relações de consumo.
3.3. Do Risco de Desenvolvimento
Outra excludente de responsabilidade não prevista no Código de Defesa do Consumidor que, em tese, poderia ser invocada nas relações de consumo é o chamado “Risco de Desenvolvimento” (ou “Developmental Risk”). Sobre essa excludente, James José Marins de Souza (1999, p. 128, grifos nossos) explica que ela:
[...] consiste na possibilidade de que um determinado produto venha a ser introduzido no mercado sem que possua defeito cognoscível, ainda que exaustivamente testado, ante o grau de conhecimento científico disponível à época de sua introdução, ocorrendo, todavia, que, posteriormente, decorrido determinado período do início de sua circulação no mercado de consumo, venha a se detectar defeito, somente identificável ante a evolução dos meios técnicos e científicos, capaz de causar danos aos consumidores.
Em outras palavras, “risco de desenvolvimento”, como excludente de responsabilidade, liga-se à hipótese de que poderia o fornecedor se escusar de eventual responsabilidade por dano causado a um consumidor em decorrência de um produto que veio a apresentar um defeito que, quando do desenvolvimento desse produto, não foi possível ser detectado ante o grau de conhecimento técnico-científico da época.
Ou seja, fabrica-se determinado produto, testa-se exaustivamente esse produto mediante os métodos científicos disponíveis na época, conclui-se que o mesmo é desprovido de qualquer defeito e, futuramente, quando esse produto entra em circulação, passa a apresentar determinado defeito que, agora, com o novo estágio de desenvolvimento da ciência, é passível de detecção.
A escusabilidade residiria no fato de que não era possível ao fornecedor detectar a existência de determinado defeito, ou seja, ele era imprevisível pelo estado da técnica então vigente, e só veio a ser conhecido e se tornou detectável posteriormente, sobretudo com o desenvolvimento da ciência.
Opinando pela possibilidade de tal excludente ser aplicável às relações de consumo, Fábio Ulhoa Coelho (1994, p. 84, grifos nossos) pontua que:
ao fornecer no mercado consumidor produto ou serviço que, posteriormente, apresenta riscos cuja potencialidade não pôde ser antevista pela ciência ou tecnologia, o empresário não deve ser responsabilizado com fundamento nem na periculosidade (pois prestou informações sobre os riscos adequados e suficientes), nem na defeituosidade (porque cumpriu o dever de pesquisar).
No mesmo sentido exposto acima, Paulo Jorge Scartezzini Guimarães (2004, p. 374, grifos nossos) arremata dizendo que:
Essa situação se amolda ao risco do desenvolvimento. Se no momento da elaboração do projeto, fórmula, etc, o fornecedor utilizou-se das melhores técnicas existentes (state of art) e até o momento de colocar o produto em circulação ele não tinha condições de conhecer o defeito, não será punido pelos danos causados ao consumidor.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, de forma um tanto quanto pioneira, já adotou certa feita tal excludente a fim de eximir o fornecedor (fabricante de medicamentos) da responsabilidade de indenizar consumidora (paciente/cliente) que alegou ter sofrido danos em decorrência de utilização de determinado fármaco por ele produzido. Na ementa restou expressamente consignado que:
DEFESA DO CONSUMIDOR – Vício de segurança do produto - Indenização por ato ilícito – Patologia adquirida pela autora-apelante por suposta ingestão de contraceptivo oral de fabricação do laboratório-apelado - Alegação de falha na informação sobre a nocividade do produto - Inocorrência - Bula do medicamento que continha advertências sobre a ingestão - Autora-apelante que não faz parte do grupo de risco – Possível predisposição heredo-constitucional da autora, vale dizer, constituição predisposta a desenvolver o transtorno, que não pode imputar à ré o dever de indenizar, mesmo porque a bula do medicamento adverte ao profissional que o prescreve, para a realização de histórico e exames antes da prescrição – Aprimoramento posterior das informações lançadas na bula e na caixa do medicamento que não pode ser considerado como assunção de culpa, mas, sim, risco do desenvolvimento - Recurso não provido. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2007, grifo nosso).
Não obstante o risco de desenvolvimento já tenha sido adotado como excludente de responsabilidade nas relações de consumo, a maior parte da doutrina condena tal prática, uma vez que sua aceitação acabaria, reflexamente, por reintroduzir na legislação consumerista muitos dos elementos do sistema baseado na culpa (em contraposição ao sistema de responsabilidade objetiva atualmente vigente) (BENJAMIN, 2009, p. 132. apud POLICARPO, 2012).
Desta forma, tal excludente tem tido baixíssimo índice de aplicação prática nos Tribunais pátrios, restando relegado a discussões acadêmicas.